Assim como este blog praticamente nasceu a partir do meu amor por Glee, assim como Glee é recorde de inspirações para os textos que aqui publico, volto às origens para falar mais uma vez deste seriado que dificilmente conseguirá ser superado por outro na história da minha vida. Contrariando várias previsões, Glee chega à sua quarta temporada; e agora, mais do que nunca (embora na terceira já tivesse esta oportunidade - a qual, devo dizer, foi muitíssimo bem aproveitada), tem o desafio de mostrar-se mais madura e provar que é capaz de continuar nos emocionando. É ainda cedo para fazer afirmações precisas, mas a julgar pelo primeiro episódio da quarta temporada, prevejo que o desafio será vencido com louvor.
O primeiro episódio nos trouxe uma Glee um pouco diferente, um pouco mais adulta, embora tenham se feito presentes os costumeiros momentos de humor (em menor escala, e isto não é uma crítica), e também o drama (e Glee, a despeito de ser oficialmente uma comédia, é ainda mais lindo quando é dramático), além de, é claro, os números musicais, que são o diferencial da série. A mim, pareceu que o episódio foi uma mistura de Felicity (em razão do enfoque dado ao início da vida adulta, com Rachel na faculdade e Kurt trabalhando e decidindo seu futuro) com Freaks and Geeks (como não lembrar desta lendária série ao ver as cenas de bullying e o clássico embate de populares versus esquisitões do colégio?).
A adolescência é um período complicado. O ambiente escolar (que é basicamente tudo que um adolescente comum tem na vida) torna tudo isto ainda mais tenso, e as consequências da forma como o adolescente lida com tudo isto moldam seu caráter para sempre (já falei sobre isso em outra ocasião aqui no blog). Uma frase de uma nova personagem resume muito bem esta fase da vida: "It's high school, it's all about being special".
Imagem retirada do site Apaixonados por Séries |
A primeira temporada de Glee retratou com sensibilidade ímpar a dureza de não conseguir ser socialmente aceito na época em que tudo que se quer é ser socialmente aceito. A segunda temporada tratou, com uma maturidade e fineza que poucas vezes já se viu na TV, sobre os dilemas da sexualidade. A terceira temporada, por sua vez, focou-se na dificuldade de fazer escolhas quando é chegado o momento de fechar ciclos e iniciar novas histórias. Pois bem... A quarta temporada chegou para mostrar quais são estas novas histórias.
Eu geralmente consigo não rotular as pessoas com base em uma única informação, e não rotulá-las negativamente quando esta única informação não consona com a minha opinião ou meu gosto, e posso até dizer que tenho me esforçado grandemente para não fazer generalizações e não ser tão fanática a ponto de nutrir preconceitos contra quem não gosta das mesmas coisas que eu... Mas quando o assunto é Glee, tudo isto se torna muito difícil (é o seriado da minha vida!), e é por isso que eu devo dizer: quem não gosta de Glee é porque não tem sentimentos, ou nunca foi adolescente, ou é homofóbico (sim, porque o seriado é muito, muito gay mesmo).
Durante este início de temporada, devo dizer que eu me vi na pele do Artie quando ele se sentiu forçado a zombar da cozinheira gorda ao sentar-se pela primeira vez na mesa dos populares da escola. Eu me vi na Rachel quando ela ligou para Kurt chorando e admitindo que sua nova vida era bem mais difícil do que ela imaginava. Também me vi nela quando ela tremeu nas bases ao ver casos de pessoas que tentaram o mesmo que ela está tentando agora e não deram certo. E me vi nela mais uma vez quando ela sentiu, pela primeira vez, que talvez não fosse tão boa quanto a consideravam quando ela vivia em um mundinho fechado e limitado. Eu me vi na pele da Marley e do Jake quando eles cantaram e se esforçaram para serem aprovados pelo Glee Club, o grupo ao qual eles queriam pertencer mais que tudo na vida. Senti-me na pele da Marley, de novo, quando ela cantava: "Será que devo desistir ou devo seguir em frente, mesmo se isto não der em lugar nenhum?". Eu me senti na pele do Will quando ele resolveu apostar no duvidoso e dar a alguém uma chance de superar-se e aprender a ser uma nova pessoa. E me vi no Kurt, que mal tinha coragem de descer do carro para ir pegar o avião para New York, quando ele mentalmente perguntava a si mesmo se realmente estava fazendo a coisa certa ao arriscar tudo e ir atrás do que deseja; vi-me também no Blaine, que mesmo amando Kurt e sofrendo por antecipação a angústia de ficar longe dele, resolveu apoiá-lo, porque sabia que esta decisão era a melhor para ele.
Eu vi a mim mesma em Glee em diversos momentos do primeiro episódio da quarta temporada, e não foi a primeira vez que isto aconteceu. Eu me encontro em Glee sempre.
Lembro-me agora de um podcast do site Série Maníacos que um dia escutei, no qual um dos participantes comentava sobre o quanto adorava a extinta série Freaks and Geeks, e outro participante respondeu que nunca conseguiu entender porque a série era tão prestigiada e bem falada. O defensor de Freaks and Geeks disse que não havia como não se lembrar dos anos de colégio ao assisti-la, e não se identificar com as tribulações dos adolescentes que queriam desesperadamente sentirem-se populares e admirados, mas que só conseguiam mesmo ser alvo de chacotas. Em seguida, o outro participante do podcast disse que não conseguia sentir isto porque não teve problemas de aceitação no colégio, pois era popular e tinha muitos amigos.
Consigo relacionar isto com a minha paixão por Glee, e quase posso seguir a mesma linha e dizer que só não se identifica com Glee quem nunca passou por conflitos de popularidade quando era adolescente. Minha adolescência não foi necessariamente tortuosa, e nunca cheguei a sofrer bullying, mas definitivamente eu não fui uma pessoa popular na escola. Não tinha muitas amizades, não fazia parte das rodas de conversas, e não era o protótipo de pessoa da qual todos queriam ser amigos. Eu sabia que não tinha o que era necessário para ser popular, mas nunca me rebelei, tampouco tentei incorporar um personagem para ser aceita. Eu sabia que tinhas minhas qualidades. A escola talvez não fosse o ambiente ideal para mostrá-las, mas eu sabia que um dia elas valeriam alguma coisa, e esta esperança me consolava.
A todos que têm histórias de adolescência parecidas com a minha, é impossível não sentir que Glee toca nas nossas feridas. Só quem passou por isso pode entender qual é a sensação de assistir um coral de perdedores fazendo uma linda apresentação em uma competição, ainda que em uma competição de baixo nível, ainda que cientes de que não havia a menor chance de vencer. Foi o que senti quando assisti pela primeira vez o último episódio da primeira temporada - e juro que ainda me emociono imensamente toda vez que o revejo.
Só quem já pensou, alguma vez na vida, que sua existência é completamente ignorada, pode identificar o significado que "Don't stop believing" assume quando cantada por um coral de excêntricos e socialmente excluídos.
Só quem já encontrou amigos verdadeiros e viu neles um porto seguro durante a travessia de um período de turbulências emocionais consegue assimilar a magia da cena em que o Glee Club se reúne para tirar a foto do anuário, aquela foto que todos tinham certeza de que seria rabiscada e ridicularizada, mas que apesar disto, registraria para sempre um momento de companheirismo e prazer em estarem unidos.
Só quem já sentiu, pelo menos alguma vez na vida, a dor de precisar entender a si próprio e assumir isto para si e para os outros, pode sentir a emoção e a delicadeza da cena em que Santana e Brittany cantam "Landslide".
Só quem já passou pela situação de precisar tomar decisões sobre o futuro, só quem já sentiu o medo e a ansiedade de não ter nenhuma certeza sobre o que vai acontecer, exceto a certeza de que não será como é agora, só quem já se viu diante dessa encruzilhada consegue reconhecer a si próprio na pele de Finn ao gritar com Will quando este tenta ajudá-lo a escolher uma profissão. Para mim, é a cena mais forte do décimo sexto episódio da terceira temporada.
Will: Você só não sabe o que quer.
Finn: Eu quero que o tempo pare.
Will: Então vamos achar algo que te dê essa sensação.
Finn: Qual? De ser jovem? Onde está? Mostre-me.
Só quem já sonhou com o dia em que você poderia sentir o mesmo que sentem aqueles que têm tudo que você não tem, pode compartilhar da mistura de incredulidade com euforia que Rachel sentiu quando ela foi anunciada a rainha do baile.
Ah, e só quem já passou por tudo isto, e anos depois, descobriu que podia brilhar e podia muito bem ser reconhecido e admirado sem precisar abrir mão de seu jeito de ser, só quem viveu e sobreviveu a tudo isto consegue compreender o orgulho e a alegria que sinto a cada vez que assisto a performance de "Paradise by the dashboard light", no penúltimo episódio da terceira temporada!
É... Desculpem-me, mas só quem não gosta de Glee - ou no mínimo, quem não é capaz de reconhecer a sensibilidade e genialidade deste seriado - é quem nunca foi adolescente.
Um comentário:
Adoro Glee e muitas vezes também e vejo retratada, de maneira boa ou nem tanto. Tive uma adolescência difícil também, e a série ainda me ajuda a superar os traumas. Estou gostando muito da maneira como eles estão mostrando a questão das escolhas agora na nova temporada.
Beijos!
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