(texto de minha autoria, escrito em julho de 2009, para o jornal Público Extra)
25 de junho de 2009: Michael Jackson, artista que marcou a história da música pop e da indústria do showbiz, falece. 30 de junho de 2009: um avião carregando 153 pessoas cai no Oceano Índico e deixa apenas uma sobrevivente, uma garota de 14 anos. 07 de julho de 2009: o número de mortos por gripe suína chega a 440, em 137 países.
Em um período de menos de um mês, estes três fatos, dentre tantos que vemos diariamente, se destacam por noticiarem tragédias envolvendo a vida humana. A vida, este bem que, tanto na natureza de cada ser humano como até mesmo na lei, é colocado no topo da pirâmide dos bens mais preciosos.
A morte de Michael chocou e emocionou o mundo. Seu carisma, talento e indiscutível sucesso fizeram dele um ídolo de mais de uma geração, e tamanha popularidade é o motivo pelo qual sua partida tem sido ainda mais dolorosa para todos que o amam. Michael é uma estrela. E a garota que sobreviveu à queda do avião? Não a conhecemos. E as mais de 400 pessoas mortas por gripe suína? Não sabemos os nomes de todas elas, tampouco nos importa saber. São pessoas que morreram. Pessoas morrem todos os dias, é comum, é a lei da vida: todos nós nascemos, crescemos e morremos. Que diferença faz? Temos nós realmente noção de qual é o valor de uma vida?
Estamos tão acostumados, desde sempre, a presenciarmos situações em que a vida humana é colocada em risco, que tais acontecimentos mal nos comovem, são apenas notícias, estatísticas. O escritor Ronaldo Coelho Teixeira é perfeito ao enfatizar, em uma crônica entitulada "Quando o susto nos falta", o quanto estamos imunes ao sofrimento pelas tragédias da vida alheia: "Tragédias? Catástrofes? Guerras? Quem se importa? Almoçamos e jantamos essas desgraças na TV, anestesiados à miséria do outro, agora, apenas um dado, um número, um objeto distante, inacessível e desinteressante."
Nem mesmo se sabe dizer de quem é a culpa: as circunstâncias da vida nos tornam assim; em especial as pessoas da atual geração, como eu. Logo na adolescência, ao estudarmos História, nossos livros didáticos apontam números de oito dígitos contabilizando as mortes das Guerras Mundiais; na televisão, somos bombardeados com flashes e reportagens de todos os tipos de acidentes e escândalos... Enfim, é o nosso dia a dia. Crescemos assim. As gerações anteriores, que provavelmente já foram mais sensíveis a estes tipos de acontecimentos, também devem ter se endurecido, com o passar do tempo; é uma questão de sobrevivência: ou se tornam um pouco mais apáticos ou, caso contrário, mal conseguem conviver com tanta preocupação.
De início, não nos condoemos com a miséria vista nos noticiários. Logo depois, não conseguimos nos comover com a tristeza de um conhecido. Por fim, a dor está dentro de nossa casa ou de nosso círculo de amizades, afetando pessoas queridas, e aqui estamos nós, incapazes de compreender essas dores.
Todavia, mais triste que presenciar tantas lástimas é não compadecer-se delas. O fato de que a tragédia está em todos os lugares não pode justificar a insensibilidade; aliás, até pode. Nós é que não podemos nos acomodar com esta justificativa. Não podemos nos alienar.
Quando ouvimos falar de alguém que morreu, principalmente quando se trata de um desconhecido, não paramos para pensar no que significa o fim desta vida. Somos humanos, somos mortais e, imperfeitos que também somos, não fazemos idéia de quanto vale uma vida.
Algo incrivelmente marcante a respeito do famoso livro "O diário de Anne Frank", que mostra os escritos de uma adolescente judia que morava escondida com a família na Alemanha da Segunda Guerra Mundial, é justamente seu fim (que aqui será contado sem prejuízo para os que não leram o livro, afinal, é fato sabido que a jovem foi morta): nas últimas páginas, notamos Anne Frank muito reflexiva e, em alguns momentos, até contente. Ela descreve sua vida, seus desejos, seus planos... Até que, na última página, há algumas linhas explicando que Anne e sua família foram encontrados, e a jovem vem a falecer num campo de concentração. O choque é grande. Em um momento, ela se revela um ser humano sonhador e emotivo; pouco depois, está morta.
Eis a razão de o livro trazer tantos amontoados de escritos cujas menções podem até ser consideradas desnecessárias para o leitor. A intenção é perceber a pessoa de Anne Frank, a menina, a mulher, a sonhadora. Quando os policiais nazistas prendem a família Frank e seus companheiros, não prendem somente seres vivos. Quando Anne morre no campo de concentração, quem morre não é apenas um corpo, um pedaço de carne: é Anne Frank, uma jovem, uma pessoa cheia de planos, um ser humano, com alma, sentimentos. Quando olhamos por esta ótica, podemos ter alguma idéia de qual é o valor de uma vida.
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