Você consegue identificar a sensação surgindo dentro de você?
Ao passo que me envolvo, até creio não estar envolvida, mas a sensação me arrebata, de uma forma ou de outra.
De repente, estou aqui, e entendi.
Deixei-me levar pela vida própria das palavras, e elas me tomaram, como que enchendo de sua própria vida própria a minha própria vida.
E eu, sempre e agora perdida em um bilhão de pensamentos, vejo-me captada por um novo mundo que sempre existiu; deixei-me captar, porque ele é real, de tão feito de coisas que não sei precisar quão reais são.
Um pouco de tudo na essência de um amontoado de fatos; nada?
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Estou terminando de ler "Primeiras estórias", livro de contos do escritor mineiro modernista Guimarães Rosa.
Confesso que a maneira como esse livro chegou até mim tem raízes fúteis: fui uma das que se encantaram quando Pedro Bial citou "Substância" na final do Big Brother Brasil 2011. Absorta por aquelas palavras tão expressivas, pesquisei sobre o livro e adquiri-o. Mas, pensando bem, que há de fútil nessa história? Não tenho vergonha: a futilidade deixa de ser fútil quando proporciona coisas não-fúteis.
Só agora, porém, pude lê-lo na íntegra. E já acho engraçado o fato de que sobrevivi até hoje sem conhecer tão peculiar linguagem e forma de enxergar a vida - seria essa mesma vida da qual costumamos falar?
É a primeira obra de Guimarães Rosa que leio. Há quem diga, inclusive, que é a obra mais recomendada para os iniciantes roseanos - então, estou bem.
A princípio, sua prosa me deixou tonteada. Guimarães Rosa desafia a gramática, e em um primeiro momento, isto me indignou, um pouco. Quanta ousadia deste homem, usando sinais de pontuação, conectivos e advérbios a seu bel prazer! "Mas ele pode", pensei, "ele é Guimarães Rosa".
E, depois, descobri: ele pode mesmo, não por ser quem é, mas por enxergar o mundo de um jeito que ninguém mais enxerga. Por que, então, escrever como todo mundo escreve? As limitações da língua amarrariam um Guimarães Rosa tão ávido de descrever sensações que escapam à compreensão padronizada que vige neste mundo.
Vírgulas, travessões, adjetivos, substantivos... Tudo jogado no meio das sentenças (que, a rigor, nem poderiam ser consideradas sentenças), como se a ordem natural das coisas não fosse adequada para contar aquelas "estórias". E não são mesmo. Bah, que ordem natural o quê? Ordem imposta, isso sim. A ordem natural é a que flui para a gente, é como sai no pensamento, assim como Guimarães impõe em seu estilo de escrever.
Assim as coisas fluíram para ele, assim ele contou em seus contos, assim custei entender, mas hoje já entendo um pouco melhor, e fascino-me, e vejo minha compreensão afrontada, questionada. Somos nós que vemos o mundo de um jeito certinho demais? Há alguma essência por trás daquela que vemos nas coisas? Nós, com nossos olhos limitados, com a circunscrição cravada de nossos sentimentos.
De qualquer forma, "Primeiras estórias" tem me encantado até agora, e se não posso dizer que já amo esse livro, é só porque ainda não o compreendi totalmente.
Passado o efeito gerado pela leitura (mas só um pouco; a impressão geral, essa sim, não há como ser apagada), volto a raciocinar sobre o mundo em que vivemos. Ler Guimarães Rosa é quase como sonhar, mas uma hora ou outra, é preciso acordar.
Mas não é uma delícia poder sempre contar com esse sonho? E é, indubitavelmente, fundamental sonhar, de vez em quando. Embeber-se da essência do sonho e aplicá-la na realidade: eis o que deveríamos todos saber fazer.
Sou uma amante da forma, confesso. Sou parnasiana de carteirinha. Não acho que seja impossível expressar coisas belas usando apenas os recursos que o mundo nos oferece. Mas a fragilidade de minha teoria está no fato de que há coisas impensavelmente mais belas que aquelas que conhecemos, mesmo as máximas, mesmo que as forçam o nosso senso de compreensão até ele atingir o cume. E para estas, as palavras humanas não servem.
Entretanto, isto não quer dizer que a forma de nada serve. Há coisas bonitas neste mundo, e mesmo em nossa imperfeição, somos capazes de senti-las. A forma amolda-as, comporta-as, transforma-as em obra e geram a interação.
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego (...)"
(Trecho do soneto "A um poeta", de Olavo Bilac)
Precisamos da forma como um bebê precisa do choro, como um portador de necessidades especiais precisa da língua de sinais. De que outro modo nos expressaríamos?
Quando, enfim, formos suficientemente evoluídos a ponto de compreendermos a real essência das coisas, não precisaremos mais nos prender às formas, às vulgares e limitadas formas. Mas, ah, esse dia ainda demorará um pouco a chegar!
Sou uma amante da forma, confesso. Sou parnasiana de carteirinha. Não acho que seja impossível expressar coisas belas usando apenas os recursos que o mundo nos oferece. Mas a fragilidade de minha teoria está no fato de que há coisas impensavelmente mais belas que aquelas que conhecemos, mesmo as máximas, mesmo que as forçam o nosso senso de compreensão até ele atingir o cume. E para estas, as palavras humanas não servem.
Entretanto, isto não quer dizer que a forma de nada serve. Há coisas bonitas neste mundo, e mesmo em nossa imperfeição, somos capazes de senti-las. A forma amolda-as, comporta-as, transforma-as em obra e geram a interação.
"(...) Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construaDe tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego (...)"
(Trecho do soneto "A um poeta", de Olavo Bilac)
Precisamos da forma como um bebê precisa do choro, como um portador de necessidades especiais precisa da língua de sinais. De que outro modo nos expressaríamos?
Quando, enfim, formos suficientemente evoluídos a ponto de compreendermos a real essência das coisas, não precisaremos mais nos prender às formas, às vulgares e limitadas formas. Mas, ah, esse dia ainda demorará um pouco a chegar!
É preciso que haja forma, regras, imposição. Que não se tolham o livre sentir e o livre pensar, mas que se delimitem a forma de expressar tudo isso. Um bilhão de Guimarães Rosas circulando pela Terra não conseguiriam se entender uns com os outros.
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