"Verdade, mentira,
certeza, incerteza…
Aquele cego ali na estrada
também conhece estas palavras.
Estou sentado num degrau
alto e tenho as mãos apertadas
Sobre o mais alto dos
joelhos cruzados.
Bem: verdade, mentira,
certeza, incerteza o que são?
O cego pára na estrada,
Desliguei as mãos de cima
do joelho
Verdade, mentira, certeza,
incerteza são as mesmas?
Qualquer cousa mudou numa
parte da realidade — os meus joelhos e as minhas mãos.
Qual é a ciência que tem
conhecimento para isto?
O cego continua o seu
caminho e eu não faço mais gestos.
Já não é a mesma hora, nem
a mesma gente, nem nada igual.
Ser real é isto."
(Alberto Caeiro,
"Verdade, mentira", em Poemas
Inconjuntos)
Desconfiemos de tudo e
todos que não nos permitam a desconfiança. Fujamos de tudo que recrimine a
dúvida. Não aceitemos nada que proponha verdades que não podem ser
questionadas; afinal, aquilo que não pode ser questionado não é verdade.
A
verdade é receptiva a qualquer pergunta ou desafio, simplesmente por ser
verdadeira; e por ser verdade, prova a si mesma pelo simples fato de ser o que
é. A verdade comporta indagações e pode ser testada a qualquer momento, porque
ela é uma constante, e nunca fornecerá elementos que vão contra a sua própria
essência. A mentira, por outro lado, não suporta provocações, pois não é firme.
Se interrogada, ela tremulará, cambaleará, não encontrará justificativas para
si própria, deixando, com isto, expostas as suas fragilidades.
"A
mentira teme o confronto com a verdade. Aloja-se nas sombras, espraia-se, às
escondidas, e encontra, infelizmente, guarida. (...)
A verdade
espera... Seus opositores enfermam, envelhecem e morrem, enquanto ela
permanece."
("Verdade
libertadora", de Joanna de Ângelis, psicografada por Divaldo Pereira
Franco, no livro "Sob a proteção de Deus")
A imposição de padrões
só é aceitável àqueles que não têm inteira capacidade de discernimento – não à
toa as crianças devem obediência aos pais; não à toa os indivíduos
absolutamente incapazes para os atos da vida civil (art. 3 do Código Civil)
necessitam ser representados. A partir do momento em que o indivíduo adquire
consciência de si mesmo e do mundo à sua volta, a partir do momento em que se
tem juízo para orientar-se conforme suas próprias concepções, não precisa que
se lhe imponham convicções prontas; ele será capaz de formar as suas próprias.
A
busca da verdade passa, necessariamente, pelo questionamento, pela dúvida, e
até por um pouco de ceticismo. O homem só encontra a verdade depois de muito
ter argumentado e contra-argumentado, consigo mesmo ou com outrem. A verdade é
como a nota dada ao aluno submetido a uma avaliação: para descobri-la, ele
precisa responder às perguntas, passar pelos desafios, enfrentar os exercícios.
Ao fim das batalhas contra as incertezas, por baixo dos véus das possibilidades
sem-fim, sucessivamente às perguntas: é lá que reside a verdade. Não há como
conhecê-la sem antes propor a si próprio uma busca por ela.
"Mas o que vem a
ser 'a verdade'? Definimos 'verdade' como a propriedade de uma sentença
decidida afirmativamente, ou seja, considerada instância do sistema geral de
nossas convicções teóricas. Ao inverso, 'falsidade' é a propriedade de uma
sentença decidida negativamente e, portanto, excluída do mesmo sistema. Ora,
nossas convicções teóricas são convicções acerca do que é ou existe.
(...)
Podemos
determinar a verdade de uma sentença apelando a outras sentenças, fornecendo
argumentos. Temos, então, os três elementos exigidos: a opinião, a verdade e as
razões. Mas de fato possuímos conhecimento? Se a verdade de uma sentença
(digamos, p) foi obtida, por exemplo, mediante uma dedução lógica
supondo-se como verdadeiras dadas premissas (digamos, q e se
q, então p), um interlocutor descontente com a nossa estratégia poderia
indagar se as premissas são verdadeiras. A possível falsidade das premissas
determinaria a possível, embora não necessária, falsidade da conclusão. Ou
seja, precisaríamos responder ao adversário mediante a oferta de novas razões.
Mas novas perguntas
conduziriam a novas razões, em um regressus ad infinitum.
No
intuito de estancar o processo aparentemente infindo da busca de razões,
podemos cair na tentação da fundamentação última: se a verdade de cada uma das
sentenças mencionadas é sempre condicionada, buscamos a sentença ou sentenças
fundantes e incondicionadamente verdadeiras capazes de garantir a verdade de
todas as demais sentenças de nosso sistema de convicções."
(Ernesto
Laclau e Niklas Luhmann, "Pós-fundacionismo, abordagem sistêmica e as
organizações sociais". EDIPUCRS, 2006, p. 16)
Ninguém entabula
contato com a verdade sem antes desejar chegar até a ela. Ainda que alguma
determinada circunstância, em um dado momento da vida, escancare a verdade
diante de nossos olhos, não saberemos que é a verdade se não estivermos
dispostos a querer conhecê-la. Sem a vontade de descobrir a verdade, é possível
que ela passe por nós e de nós se escape sem que saibamos.
E
o aspecto mais insano deste processo é constatar quão longa pode ser a busca
pela verdade. Ou seria o aspecto mais benéfico? Mais interessante? Afinal, no
curso de uma pesquisa, é possível (e é comum!) encontrar muito mais do que
aquilo que inicialmente se procurava. Destarte, na busca pela verdade, acabamos
também conhecendo um pouco mais de muitas coisas, inclusive de nós mesmos. E a
cada novo conhecimento adquirido, novas portas são abertas em nosso ser, pois o
fato é que é impossível continuar sendo a mesma pessoa a partir do momento em
que se conhece algo novo.
“O conhecimento é um
conascimento. De fato, todo conhecimento é o renascimento do objeto conhecido
no sujeito conhecedor e, concomitantemente, o renascimento do sujeito
conhecedor numa nova forma de ser.”
(Goffredo Telles Júnior, em
"O Direito Quântico". São Paulo:
Max Limonad, 1974. P. 141)
Porém, embora se frise a importância de estar aberto à percepção da verdade, não devemos nos desesperar, tampouco desgastar-nos em levar ao extremo esta busca. Para conhecer a verdade não basta querer: é preciso estar maduro para tal. Com vontade, perspicácia e maturidade, ela aparecerá, e no momento oportuno, nós estaremos aptos para enxergá-la. A cada um, segundo sua necessidade e merecimento, ela fulgurará, em seus pertinentes vieses.
A Verdade
"Eu sou o caminho e a
verdade." - Jesus. (JOÃO, 14:6.)
Por enquanto, ninguém se atreverá,
em boa lógica, a exibir, na Terra, a verdade pura, ante a visão das forças
coletivas.
A profunda diversidade das mentes,
com a heterogeneidade de caracteres e temperamentos, aspirações e propósitos,
impede a exposição da realidade plena ao espírito das massas comuns.
Cada escola religiosa, em razão
disso, mantém no mundo cursos diferentes da revelação gradativa. A claridade
imaculada não seria, no presente estágio da evolução humana, assimilável por
todos, de imediato.
Há que esperar pela passagem das
horas. Nos círculos do tempo, a semente, com o esforço do homem, provê o
celeiro; e o carvão, com o auxílio da natureza, se converte em diamante.
Por isto, vemos verdades estagnadas
nas igrejas dogmáticas, verdades provisórias nas ciências, verdades
progressivas nas filosofias, verdades convenientes nas lides políticas e
verdades discutíveis em todos os ângulos da vida civilizada.
Semelhante imperativo, porém, para a
mentalidade cristã, apenas vigora quanto às massas.
Diante de cada discípulo, no reino
individual, Jesus é a verdade sublime e reveladora.
Todo aquele que lhe descobre a luz
bendita, absorve-lhe os raios celestes, transformadores... E começa a observar
a experiência sob outros prismas, elege mais altos padrões de luta, descortina
metas santificantes e identifica-se com horizontes mais largos. O reino do
próprio coração passa a gravitar ao redor do novo centro vital, glorioso e
eterno. E à medida que se vai desvencilhando das atrações da mentira, cada
discípulo do Senhor penetra mais intensivamente na órbita da Verdade, que é a
Pura Luz.
XAVIER, Francisco Cândido. Vinha
de Luz. Pelo Espírito Emmanuel. 14.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1996.
Capítulo 175.
Um comentário:
Acreditar ter encontrado a verdade plena é perder o caminho à ela completamente. Penso que a verdade seja tão mais a busca do que encontro, os encontros vão ocorrendo ao longo do caminho, num aprendizado gradual. Acredito que a verdade esteja disponível, nós que ainda somos muito rasos pra contê-la, é como querer e não poder carregar. Lindo texto Ana!
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