sexta-feira, 1 de junho de 2012

Traves e argueiros

"Antes de fazer aos outros uma censura de suas imperfeições, vedes se não se pode dizer a mesma coisa de vós." 
(Questão 903 do Livro dos Espíritos)


Eu costumava simplesmente apontar o dedo e desviar todas as atenções para o apontado. Hoje vejo que esta era uma forma de ignorar que havia - e ainda há - em mim muito daquilo que eu costumava condenar... 

O tempo passou e eu optei por me afastar de várias destas coisas que me incomodavam; até que, certa feita, flagro-me diante de algumas delas novamente, e já lidando com elas de uma maneira muito mais tranquila. Talvez eu tenha amadurecido um pouco, pois o fato é que hoje as coisas estão mais claras, e já consigo entender que o que mais me incomodava não era exatamente aquilo que eu acreditava que me incomodava, mas sim, o fato de eu não me sentir à vontade para encará-lo... Hoje me sinto suficientemente confortável comigo mesma para admitir que aquelas coisas me deixam desconfortável justamente porque eu me identificava com elas. 

A conclusão a que chego é que eu olhava para estes incômodos e era como se estivesse olhando para um espelho, enxergando nele uma porção de coisas que detestava em mim mesma. Mas projetar nossas frustrações naquilo que encontramos fora não apaga o fato de que o defeito existe também dentro de nós... 

A verdade é que geralmente o que nos coage a olhar para dentro de nosso interior e criar intimidade com nossas próprias mágoas e imperfeições são justamente as coisas e pessoas que fazem-no com naturalidade. Conviver com quem não tem vergonha de ser o que é incomoda àqueles que recusam-se a aceitarem-se como são; assim como, vivenciar fatos que exigem espontaneidade e despudor constrange aqueles que ainda estão em luta contra os próprios dissímulos e vergonhas.

Reconhecer tudo isto faz com que eu me sinta mais leve, pois eliminei a preocupação de mascarar o defeito para mim mesma, e agora só me resta a preocupação de corrigi-lo. Expulsei de mim alguns pudores, e este fato me permite aceitar abertamente algumas coisas, sem o estresse de sentir-me culpada por isto.

Hoje, enfim, posso dizer que convivo bem com muitas coisas que outrora me incomodavam - mas não com todas... Quanto às outras, ainda terei que repetir o processo.


"Cada qual de nós, seja onde for, está sempre construindo a vida que deseja.
Existência é a soma de tudo o que fizemos de nós até hoje.

Toda melhoria que realizarmos em nós, é melhoria na estrada que somos chamados a percorrer.
Toda ideia que você venha a aceitar influenciará seu espírito; escolha os pensamentos do bem para orientar-lhe o caminho e o bem transformará sua vida numa cachoeira de bênçãos.
Se você cometeu algum erro não se detenha para lamentar-se; raciocine sobre o assunto e retifique a falha havida porque somente assim, a existência lhe converterá o erro em lição.
Muito difícil viver bem se não aprendemos a conviver.
A vida por fora de nós é a imagem daquilo que somos por dentro.
Viver é lei da natureza, mas a vida pessoal é a obra de cada um
Toda vez que criticamos a experiência dos outros, estamos apontando em nós mesmos os pontos fracos que precisamos emendar em nossas próprias experiências.
Seu ideal é o seu caminho, tanto quanto seu trabalho é você."

(André Luiz, no livro "Respostas da vida", psicografado por Chico Xavier)

Um comentário:

pscheunemann disse...

É quase automático apontar... É um reflexo de nossas próprias imperfeições, não digo que a falha tenha que ser a mesma, muita gente entende o verso da "trave e do argueiro" desse modo; de que não se pode denunciar no outro, e apenas isto, o que já existir em si mesmo. O que existe em nós?! independente do tipo de erro que cometemos é que ainda erramos, todos, e isso em si, deveria ensejar humildade suficiente pra nos tornar aptos à compreender, ou buscar compreender todo e qualquer erro nos outros, sei que não somos capazes de empatia absoluta, e alguns erros alheios nos causam profunda revolta, tlvz nunca sejamos enquanto nessa vida, mas tentar já é um início... Pra um ser Perfeito, qualquer falha, pequena ou grande é igualmente grave, pois tornaria o que antes fora perfeito em imperfeito, no mais, somente um ser Perfeito é capaz de justificar o imperfeito, justamente por ter consciência precisa de suas imperfeições, em todas suas gradações... Somente um ser perfeito em paciência daria a oportunidade do aprendizado. A imperfeição nos outros, como vc mesmo disse, tlvz nos incomode tanto por funcionar como um espelho, ou melhor, como um abismo que olha para dentro de nós, nas palavras de Nietzsche... Evitamos tanto os constrangimentos da carne, de aceitar que somos falhos, e que no final, neste planeta estamos na mesma margem de imperfeição, e mesmo que houvesse menos imperfeição em nós, ela seria coisa tão minúscula e próxima às vistas de um ser mais perfeito. Um autor que eu gosto muito (Paulo Brabo) diria que, sabemos de tudo isso, sabemos que temos que renascer em Cristo, mas 'ai de nós, não a quem nos ensine a encarnar". Alguns passam a vida negando, ou tolerando os constrangimentos da carne com um asceticismo puritano, com um isolamento santificador. Como o mesmo autor disse, dizemos seguir a Cristo, mas de fato, somos discípulos de João Batista, acreditamos que Deus está apenas na separação do mundo, na voz que clama no deserto, na total negação da carne, como se encarnar fosse um inconveniência extrema, e não algo necessário ao aprendizado... Mas nos esquecemos que Cristo mesmo disse, que o menor no novo reino seria maior que João Batista, pois cristo apresentou santidade através da comunhão e não do isolamento, cristo não negou sua carne, a redimiu, passou pelas desafios por ela imposta com desenvoltura, da forma que só um ser perfeito poderia fazer, também tolerou as falhas nas pessoas de modo que somente um ser perfeito seria capaz de fazer... Esses dias uma pessoa da igreja que frequento fez um comentário que me colocou a pensar, falou que por eu ser cristão eu nunca poderia ser advogado, pois não seria correto "defender" certos tipos de pessoas, aquilo me causou tristeza, dei um sorriso amargo e balancei a cabeça, não iria mesmo discutir... Mas fiquei pensando, primeiro, quais seriam 'certos tipos de pessoas' no critério dela, depois pensei, se um homicida estiver ferido, um médico pode se recusar a tratá-lo? Por que seria diferente para um advogado?! Depois pensei, como somos mundanos, não somente essa senhora pensa assim, mas eu penso assim... Nós certamente seriamos consumidos, se Deus partilhasse do senso de justiça humano. (falei demais...foi mal, me empolgo com esses temas! XD)