Nada é irresistível. É nisto que creio: o que existe é o encontro do desejo intenso com o objeto propício para a satisfação desse desejo. Por isso a expressão "objeto de desejo" é perfeita. Em verdade, praticamente não existem coisas que desejamos: existem desejos que temos, e coisas sobre as quais esses desejos recaem.
As pessoas têm necessidades, e projetam-nas em bens, pessoas, lugares, comidas, passatempos. Surgem, assim os objetos de desejo: coisas eleitas por indivíduos carentes para satisfazer suas necessidades.
Mas será que temos controle sobre esse processo de eleição do objeto de nosso desejo? É evidente que sim.
Em "Sujeitos do desejo" (1987), a filósofa Judith Butler sustenta que "não há separação entre o desejo e o objeto de desejo. É justo porque há desejo que existem seus objetos de desejo. Assim, o sujeito é agente na produção dos objetos de desejo, podendo modificá-los." (http://www.fazendogenero.ufsc.br/8/sts/ST36/Justina_Franchi_Gallina_36.pdf).
Ou seja: Butler acredita que temos total domínio sobre as coisas que desejamos, e que somos capazes de escolhê-las livremente, transformá-las e até mesmo criá-las. Segundo ela, "os objetos não são apenas 'dados', mas 'constituídos' também" (p. 112). "Na medida em que a imaginação postula seu objeto como inexistente, ela é livre para criar um mundo imaginário como ela o vê" (p. 113).
Somos agentes, portanto, da nossa própria vontade. Estamos no comando de nossas fraquezas, e somos capazes de manejá-las segundo aquilo que entendemos correto. Não existe força atrativa inelutável; e se há, dentro de nós, desejos que incidem sobre objetos prejudiciais, imorais ou cujo alcance ou desfrute trar-nos-ão sofrimento, cabe a nós mesmos transformar esses desejos. Kardec já nos dizia isto, na questão 872 do Livro dos Espíritos:
"Assim de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao mal (…)"
O homem é suficientemente forte para lidar com suas próprias deficiências e desejos, tratando de aliá-las consoante sua própria moral e consciência. Ninguém morre em razão de um forte desejo que não foi satisfeito. Certas coisas precisam ser renunciadas.
E, ademais, não há que se falar em tentações irresistíveis, pois desejo nenhum é mais forte que nossa própria autodeterminação, quando decidimos acioná-la. Os desejos só nos arrebatam se deixarmos. Somos plenamente aptos à gerência das sensações que eclodem em nossa mente. Temos toda a capacidade de evitar que nossos desejos sejam projetados sobre coisas inadequadas.
Judith Butler preleciona que "o desejo é intencional, e não apenas reflexivo" (p. 116). Em outras palavras: há um motor gerador por trás dos nossos desejos. Esse motor, eu digo, é a nossa vontade. Na mesma linha, Emmanuel, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, no livro "Pensamento e vida", afirma que a nossa vontade é o impacto determinante no qual "dispomos do botão poderoso que decide o movimento ou a inércia da máquina" (capítulo 2).
Butler acrescenta que "os objetos de desejo encontram-se fora de nós", e cita Jean Paul Sartre: "o desejável move o desejo" (p. 116). Em suma, o que faz-nos desejar algo é o próprio desejo de desejar. Querendo negar esse desejo, nossa consciência é capaz de fazê-lo desaparecer. O poder de nossa mente é muito maior do que somos capazes de calcular.
Nossa vontade é forte, e uma vez cientes disso, podemos operar mudanças consideráveis.
"O cérebro é o dínamo que produz a energia mental, segundo a capacidade de reflexão que lhe é própria; no entanto, na Vontade temos o controle que a dirige nesse ou naquele rumo, estabelecendo causas que comandam os problemas do destino.
Sem ela, o Desejo pode comprar ao engano aflitivos séculos de reparação e sofrimento, a Inteligência pode aprisionar-se na enxovia da criminalidade, a Imaginação pode gerar perigosos monstros na sombra, e a memória, não obstante fiel à sua função de registradora, conforme a destinação que a Natureza lhe assinala, pode cair em deplorável relaxamento.
Só a Vontade é suficientemente forte para sustentar a harmonia do espírito."
(Emmanuel, psicografia de Chico Xavier; livro "Pensamento e vida", capítulo 2: "Vontade")
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