A atriz Lília Cabral tem chamado a atenção dos brasileiros em razão de sua performance como a personagem Griselda, conhecida por "Pereirão", protagonista da novela "Fina Estampa", da Rede Globo. Destoando das convencionais mocinhas de novelas, "Pereirão" é uma mãe de família pobre que trabalha arduamente para sustentar o lar e se recusa a aceitar a fazer o papel de mulher frágil e subserviente. Ela se autoentitula um "marido de aluguel"; não faz corpo mole para serviço nenhum. É guerreira e batalhadora, e mesmo com todas as dificuldades da vida, faz questão de ensinar a seus filhos o valor do trabalho e da honestidade.
A popularidade de "Pereirão" é tão grande que ela chegou a ilustrar a capa da revista Veja, em novembro de 2011, que definiu-a como uma heroína dos tempos modernos e "um exemplo de ética e valores familiares". Ela é um retrato da classe média do nosso país; a essência da personagem é, outrossim, uma síntese da história da mulher brasileira, que precisou sair de casa para trabalhar e trazer dinheiro para o lar, mas continua exercendo as tarefas domésticas e zelando pela educação e formação do caráter dos filhos; e, além de tudo, Griselda representa ainda a mulher que aprendeu a não precisar da figura do homem para nada.
Este último aspecto merece exame mais acurado. A relação de Griselda com a figura masculina, e em especial, a sua própria identificação com a figura masculina, é algo que deve ser analisado, sobretudo porque grande parte do sucesso da personagem se deve, justamente, ao fato de ela ser aquilo que zombeteiramente se chama de "mulher macho" - por esta razão o apelido "Pereirão", explicitamente representativo de uma identidade masculinizada, caiu na boca do povo.
"Pereirão" é admirada pelos telespectadores justamente por ser aquela mulher forte que não precisa de ninguém, quanto menos de um homem. E não precisa de um homem exatamente porque ela mesma desempenha tudo aquilo que se associa à figura masculina: Pereirão sabe consertar encanamentos, eletrificações, trocar pneus, e resolver quaisquer outros probleminhas do cotidiano doméstico que exijam força física e conhecimentos de mecânica.
O caso cuja reflexão eu proponho é o seguinte: se ocorresse o contrário, será que conquistaria tanta fama? Se fosse um personagem masculino, mas com habilidades femininas, será que o Brasil cairia de amores por ele como caiu por Pereirão?
A questão é justamente essa: Griselda é respeitada, entre outros fatores, por seu lado masculinizada. Admira-se que uma mulher tenha uma faceta masculina, não porque o masculino é o oposto do feminino, mas sim, porque o sexo masculino é considerado melhor que o sexo feminino. Um homem com faceta feminina não seria tão admirado, porque o sexo feminino é considerado inferior ao sexo masculino. Pelo contrário: o que acontece com homens dotados de aspectos efeminados é que eles são ridicularizados. Afinal, por que alguém do "melhor sexo" iria querer exercer aptidões do "sexo inferior"? A sociedade conclui que um indivíduo assim só deve mesmo ser achincalhado.
Durante a passagem dos séculos, a mulher, para conquistar seu espaço dentro da sociedade, viu-se necessitada de chegar o mais próximo possível de ser um homem: trabalhando fora de casa, desempenhando papéis que um homem desempenha, vestindo-se como homem (é relativamente recente a popularização das calças compridas, dos "terninhos" e dos cortes de cabelo "joãozinho", entre outros itens de moda manifestamente copiados da moda masculina), por vezes até agindo, falando e se comportando como um homem.
O que há por trás da valorização da mulher masculinizada é a própria depreciação da figura da mulher feminina. "Pereirão" jamais seria tão querida pelo público caso não subsistisse ainda na sociedade a idéia de que a mulher precisa assimilar-se ao homem para merecer respeito.
3 comentários:
Muito bom esse post, gosto muito do seu blog =)
Muito bom e preciso seu Post, Ana, assim como criativo o nome do Blog!
Teremos um evento sobre a evolução dos direitos da mulher no dia 04/02 no CEADDH e citaremos seu blog, justamente esse post, como uma das referências para discussão sobre os direitos humanos das mulheres.
Deixamos o link para o seu blog no nosso, para que nosso público leia o seu post também!
Abraços
www.ceaddh.blogspot.com
www.ceaddh185.blogspot.com
ceaddh@hotmail.com
Bom dia Ana!
Só de ver o nome do seu blog, percebo que o quão criativa você é.
E em relação a seu texto, como foi citado no comentário anterior, seu blog será citado no evento onde iremos debater sobre um tema que tem a ver de mais com o que escreveu. E é maravilhoso que eu tive a oportunidade de lê-lo porque ajudou muito para o desenvolvimento de minhas idéias para o debate.
Gostaria de discutir mais com você sobre esse assunto, pois parece que temos pontos de vista parecidos a respeito do mesmo.
Estarei sempre fazendo uma visita por aqui tá?
Grande abraço!
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