Eu poderia - aliás, eu deveria - estar me ocupando das obrigações típicas de qualquer pessoa que se encontra em minha condição, mas em vez disso, escolhi estar aqui e escrever. Não é raro sentir o que sinto neste exato momento... Pelo contrário, são inúmeras as ocasiões em que sou assaltada por esta torrente de ideias, esta avalanche de pensamentos, e preciso, preciso colocar para fora; mais que isso, preciso expressar tudo que penso de uma maneira clara e bonita, pois também me realizo em planejar o encanto com que as ideias tomam forma, e comprazo-me em saber que, uma vez acabada a criação, estará ali para quem quiser ler, e vai dizer o que a pessoa quiser ou souber ouvir.
"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir", disse Pessoa no Livro do Desassossego. Mas não é só isso. Não é só terapia. É em parte a respeito de mim mesma, e em parte a respeito de para quem tudo isto se destina. Para quem tudo isto se destina? Não sei dizer ao certo. Mas se o que eu escrevo algum dia servir a alguém, sentirei que o escrito cumpriu uma de suas finalidades - sei que é a mais importante de todas, mas, egoísta como sou, a que mais me interessa é a hedonista, é a delícia de ter feito, é a satisfação de ver que saiu de mim e agora é algo, e está ali, como uma extensão de mim, bem acabado e rico em conteúdo, como um 'eu' ambulante.
Eu me deleito com isto, mas a sensação não me cega: sei que há algo maior, ou pelo menos sei que pode haver. Que deve haver. Caso contrário, não me seriam cedidas tantas oportunidades. Eu sei que pode parecer pretensão, tenho consciência de que não sou nenhuma mensageira, não trago comigo nenhum recado de Deus para a humanidade; mas então, por que tantas ideias, por que esta cabeça sempre cheia de coisas, por que a necessidade de falar? Deve haver alguém que precise ouvir.
"Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele." São, novamente, palavras de Fernando Pessoa, mas bem que poderiam ser minhas. Por que não é possível que tudo isto seja para nada.
A minha formação humanística faz de mim este ser que pensa demais, embora de fato pense pouco. Não sou dinâmica, meu cérebro é lento, mas está sempre repleto, não consigo me lembrar de nenhum segundo da minha vida em que eu não estivesse pensando em nada. A filosofia nos deixa loucos porque nos impossibilita aceitar as coisas como são, simplesmente viver a vida como se a vida fosse feita somente para viver. Estamos sempre pensando, pensando, maquinando, mil possibilidades, mil coisas, e se?, relações de istos com aquilos, o passado vem e volta, como páginas de um álbum de fotografias, e enquanto isto o presente está lá fora, e está se esvaindo.
E o déficit de atenção torna o fardo mais pesado. Pessoa me descreve novamente: "Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre". São oportunidades demais, existem coisas demais, o mundo é muito, simplesmente muito para mim. Como posso descansar enquanto há um universo de coisas a serem descobertas? Como posso impor algum sossego à minha mente se sei que lá fora existe um milhão de coisas que podem me interessar?
Pensar demais é uma obsessão, é fruto de muita ansiedade, eu sei. E por quê? Tanta atividade mental, cansa tanto, e para quê? É certo que das perguntas convenientes brotam as respostas que vêm a salvar as pessoas, mas se tantas perguntas só levam a mais novas perguntas, preenchendo todo o nosso tempo com tanto pensar, então pra quê? Quando haverá um intervalo? Os raciocínios nos conduzem às conclusões, mas cada conclusão nada mais é que uma porta para novas linhas de raciocínios, então quando é que tudo isso termina? Estamos sempre nos perguntando, sempre pensando, as possibilidades nunca se encerram.
E eu nem sou grande coisa, e eu nem sou ninguém. Imagino se os verdadeiros gênios da história algum dia conseguiram dormir em tranquilidade.
Eu só preciso manter a calma e a sensatez para extrair alguma lógica e algum propósito de tudo isso que me acomete. Já aconteceu algumas vezes e pode acontecer de novo: mesmo a mais absurda das sugestões pode dar ensejo a algo bom, e qualquer coisa boa, por menor que seja, pode fazer bem a alguém. E se é apto a fazer o bem, talvez não me faça tão mal assim.
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