domingo, 29 de julho de 2012

Fé prática

Não estou esperando pelo impossível. Não estou exagerando no otimismo, tampouco pedindo um milagre, mesmo porque não acredito em milagres: acredito em coisas que podem acontecer (ah, possibilidade é uma palavra vaga mas muito poderosa), ainda que as circunstâncias e estatísticas apontem para o contrário - "não há nenhum sentido em usar a palavra 'impossível' para descrever algo que já aconteceu uma vez", disse Douglas Adams; e se já aconteceu uma vez, por que não pode acontecer de novo? Por que não pode acontecer comigo?

Não é só uma questão de fé; mais que isso, é uma questão de lógica. Se a possibilidade existe, não há porque não considerar que ela pode se concretizar. O que é possível, é possível; e se pode acontecer, é porque talvez aconteça. Que mal há em crer que pode? Sou suficientemente confiante para crer de verdade que o melhor pode sim vir a acontecer; sou suficientemente prática para crer que o difícil é possível; e tenho suficiente amor próprio para crer que eu posso merecer este possível. Por que não? Não sou eu quem sabe. Não tenho as respostas para todos os questionamentos, não tenho certeza nenhuma das coisas às quais faço jus; mas de uma coisa tenho certeza: as possibilidades existem. Se existem, pode ser que eu as mereça e as alcance. É preciso ser muito derrotista para crer que o 'talvez' não é algo positivo. 

O 'não' só é 'não' quando não é mais possível buscar o 'sim'. Enquanto houver chance, há chance. Enquanto não chegar o fim, há sempre a possibilidade de um 'sim'. Ter esperança é uma questão muito prática; eu diria que é quase matemática, pois trata-se de probabilidades: se existe uma boa, ainda que uma única, umazinha sequer, então ainda não se pode falar em fracasso. Afinal, se existe, pode ser que aconteça. Eu não tenho ilusões, não sonho, não fantasio sobre um futuro melhor: eu creio, porque sei que é possível.  "Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos", é o que Pessoa me diria agora (e disse, no Livro do Desassossego). 

Eu não acredito em milagres: acreditar em milagres é não crer que Deus é perfeito. Acredito nas razões que movem o mundo, acredito no engenho Divino, acredito em um sistema perfeito que rege o Universo e a humanidade. Tudo que é possível, o é nos conformes deste sistema. E se ele permite, por que eu descartaria esta possibilidade?

"Nada no Universo se produz fora do âmbito das leis gerais. Deus não faz milagres, porque, sendo, como são, perfeitas as suas leis, não lhe é necessário derrogá-las" (capítulo 13 de "A gênese", por Allan Kardec).

São nestes argumentos que eu me entrego... Okay, okay, um texto sobre esperar pelo melhor não deveria ser tão técnico e frio. Eu me rendo: espero pelo melhor porque tenho fé. Acredito que as coisas podem dar certo porque acredito em Deus. Tenho confiança na melhora porque sinto, de verdade, que ter esperança vale a pena. E apesar de todos os pesares, o desânimo não me contamina, porque minha vida é preciosa demais para ser consumida com tristeza enquanto eu ainda não tiver certeza de que devo ficar triste.



"Melhor viver, meu bem, pois há um lugar onde o sol brilha pra você...
("Felicidade", Marcelo Jeneci e Laura Lavieri)

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Otimismo, quimera ou apatia?


    "Põe-me as mãos nos ombros...
    Beija-me na fronte...
    Minha vida é escombros,
    A minha alma insonte.



    Eu não sei por quê,
    Meu desde onde venho,
    Sou o ser que vê,
    E vê tudo estranho.



    Põe a tua mão
    Sobre o meu cabelo...
    Tudo é ilusão.
    Sonhar é sabê-lo."

    (Fernando Pessoa)



Eis o personagem deste texto: incerto sobre ser um otimista incurável, um iludido involuntário, ou simplesmente, emocionalmente indiferente.

Sua dificuldade não exatamente era fincar os pés no chão: era acreditar que aquela realidade era mesmo real. Aliás, a dificuldade não de fato era acreditar na realidade: era agir e sentir como se acreditasse. 

Sabia que aquele era seu mundo, sua vida, mas por algum motivo, não vibrava suficientemente quando aconteciam coisas boas, tampouco sofria suficientemente quando aconteciam coisas ruins.

Tudo aquilo era real, ele tinha consciência disso. Não duvidada sobre a veracidade dos fenômenos à sua volta; mas algo lhe dizia que deveria. Afinal, se eram mesmo tão reais, por que não lhe causavam o impacto e as sensações que deveriam causar em um ser humano normal?




"Francamente, o que você esperava aprender a respeito daqui?
Se eu fosse outra pessoa, será que tudo isto desabaria?
Estranho, onde você estava quando o show começou?
Eu queria que o mundo real parasse de me perturbar..."
("Real world" - Matchbox Twenty)



Naquele exato momento, não estava sofrendo como era de se esperar que sofresse. Invariavelmente, estava ali como sempre. Estranhamente, conservava em si uma forte (apesar de desapaixonada) fé de que tudo acabaria bem. Sim, tinha certeza dessa fé, este sim era um sentimento do qual estava convencido. Mas como poderia descrever-se com base nisto? O que este sentimento dizia sobre os demais sentimentos que tinha (se é que os tinha)? Estava tranquilo ou alheio em relação a tudo? Por que não estava apavorado? Incomodava-se com o fato de não estar com medo: será que estava simplesmente confiante?, ou simplesmente desinteressado?, ou simplesmente não sabia de que havia algo para temer?  O que é que o confortava? O que é que lhe faltava: noção ou coração? 

A única explicação para o seu comportamento era que tudo fosse uma ilusão... Mas não era. Ou talvez a justificativa fosse o fato de que ele vivia sempre no seu próprio mundo imaginário, prendendo-se demasiadamente às suas distrações e suas ilusões de estimação ("a realidade pode ser combatida com um pouco de imaginação", disse Mark Twain), mas nem isso explicava. Ele já tinha passado por várias situações que despertariam em qualquer pessoa normal um sentimento inelutável; caso fosse ele também normal, haveria de sentir algo, pelo menos alguma coisinha. 




"Eu posso te fazer feliz..."
("Verdade, uma ilusão" - Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown)



Às vezes ele tentava agir como se não fosse do jeito que era: forçava reações usuais de pessoas realmente sensíveis, assumia comportamentos característicos de cada determinada ocasião, apenas para tentar fazer emergir de dentro si o sentimento típico de um ser humano que se importa de verdade com as coisas da vida... Mas não gostava daquilo. Não queria forçar normalidade. Se ele era humano, deveria sentir-se como um. 


"Eu quero que você chute a minha canela
Eu quero que eu deite na cama e sinta a dor de dividir...
(...) Pode rir de mim, pode rir comigo
Eu mamei em todas as tetas
Eu não pareço ninguém"
("Anatomia sexual" - Letuce)


Bobo. Se era mesmo tão pouco impressionável, deveria estar contente com isso. Imunidade é uma coisa boa. Todavia, deveras, a única coisa que o impedia de estar satisfeito era a paranoia, a possibilidade de haver algo além. Era muito desconfiado, não conseguia crer que tudo era tão fácil; teimava em imaginar que a vida guardava um propósito oculto. Talvez a realidade, como disse Einstein, fosse uma mera ilusão, embora uma ilusão muito persistente.

Entretanto, restava ainda a possibilidade de que a resposta fosse mais simples do que ele imaginava: o incômodo pela ausência de incômodos era, por si só e outrossim, um sentimento, e um sentimento que fazia dele tão humano quanto os demais. E, como não existem sentimentos isolados, talvez também ele tivesse outros. Onde estavam? Por baixo de uma provável barreira construída por alguém que tem medo de sofrer? Estava ele tentando proteger a si próprio? Seria sua apatia um mecanismo de defesa? Talvez. Não parecia, não era assim que se sentia; mas provavelmente... Era a melhor explicação.


"A consciência humana está quase sempre envolvida por ilusões, que impossibilitam, por um lado, a capacidade de autopercepção; por outro, dificultam o contato com a realidade das coisas.

            Não culpemos ninguém pelos nossos desacertos, pois somos os únicos responsáveis – cada um de nós – pela qualidade de vida que experimentamos aqui e agora.

(...)             Procuremos auscultar nossas percepções interiores, usando nossos sentidos mais profundos e observando o que nos mostram as leis naturais estabelecidas em nossa consciência. Confiar no sentimento de justiça que sai do coração, conforme asseveram os Guias da Humanidade, é promover a independência de nossos pensamentos e viver com senso de realidade. Aliás, são essas as características mais importantes das pessoas espiritualmente maduras.
            Estamos na Terra para estabelecer linha divisória entre a sanidade e a debilidade; portanto, é imprescindível discernir o que queremos forçar que seja realidade daquilo que verdadeiramente é realidade. Muitas vezes, podemos estar nos iludindo a ponto de negar os fatos preciosos que nos ajudariam a perceber a grandiosidade da Vida Providencial trabalhando em favor de nosso desenvolvimento integral."
("Ilusão", por Hammed, psicografado por Francisco do Espírito Santo Neto, no livro "As dores da alma")

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O inimigo interno

Ameaças externas, quaisquer que sejam, são potencializadas uma vez descoberto o verdadeiro perigo que reside em cada um. O nosso maior inimigo não é quem quer nos fazer mal: é o próprio mal dentro de nós.

Assistir ao 23° episódio da terceira temporada da série "Arquivo X" me fez pensar sobre isso. No episódio, enquanto os protagonistas Dana Scully e Fox Mulder investigam um estranho caso em que pessoas de uma mesma cidade passam a cometer crimes após assistirem determinados vídeos que supostamente transmitiam "mensagens subliminares", Dana acaba sendo "contagiada" também, e isto traz à tona o medo que ela tinha de ser traída pelo parceiro Mulder, que era uma das poucas pessoas no mundo em quem ela confiava.

Os supostos vídeos estavam programados (permitam-me lembrar que esta é uma série de ficção científica) para despertar em seus telespectadores os maiores receios e sentimentos negativos que elas guardavam dentro de si próprias, e é por esta razão que eles se tornavam criminosos após assistirem-nos. No caso de Dana Scully, é evidente que ela tinha medo de não poder confiar no parceiro de trabalho, e após desenvolver a paranoia, passou a se tornar agressiva com ele, acreditando que ele estava usando-a e enganando-a. 

Imagem retirada do site  http://www.impactlab.net/
2009/05/14/amazing-photos-using-conformal-photography/
 
Deixando de lado todas as discussões sobre paranoias e alienação em massa, um grande trunfo do episódio é mostrar que a forma mais eficiente de evocar o mal que existe em cada pessoa é despertando as tendências negativas que existem dentro dela. É mais fácil potencializar um mal já existente que plantar uma semente nova e esperá-la germinar.



"A habilidade das Trevas é incomum, porquanto, usando da inteligência direcionada para os seus fins macabros, sempre encontra instrumentos próprios para alcançar os objetivos a que se dedicam. Esses instrumentos estão no íntimo das criaturas, e são as suas imperfeições morais, que se tornam fáceis de manejo seguro por elas,  atendendo aos objetivos nefários a que são aplicados."
(Trecho da mensagem "Jesus e o Espírito do Mal", de Joanna de Ângelis, psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, em 21.06.08)


Seja qual for o mal a que estejamos expostos em nossas vidas e contra o qual precisemos lutar, uma boa forma de nos protegermos dele é trabalhando nossas próprias fraquezas. 

domingo, 22 de julho de 2012

Vaginismo e autoconhecimento: complicações na fase anal


Antes de começar a dizer qualquer coisa, devo esclarecer: não possuo conhecimentos na área da psicologia ou medicina, não sou uma estudiosa da área, tampouco uma profissional; trata-se apenas de um assunto que me interessa, e sobre o qual gosto de pesquisar e ler. Não tenho a pretensão de querer acrescentar ou representar algo para as pesquisas relacionadas a este assunto – e em razão disso, submeto-me ao crivo de quem realmente possui formação e experiência nesta área; estou aberta a críticas e esclarecimentos. Meu único objetivo é escrever sobre algumas conclusões que cheguei após ler e pesquisar um pouco a respeito, até porque acredito que isso possa trazer alguma ajuda a pessoas que estão passando por este problema – o qual, de acordo com tudo que já li, é bastante sério e proporciona enormes sofrimentos.

O vaginismo é uma disfunção sexual feminina que dificulta ou até mesmo impossibilita a penetração. Segundo os doutores Márcio Pinheiro e Márcia Estarque (http://www.marcelomarcia.na-web.net/Vaginismo.html#A), é uma "síndrome psicofisiológica cuja característica fundamental é a contração involuntária, recorrente ou persistente, dos músculos do períneo adjacentes ao terço inferior da vagina, quando é tentada, prevista ou imaginada a penetração vaginal". Em outras palavras: a penetração torna-se difícil/impossível, em razão de a vagina da mulher contrair-se e impedir que o pênis (ou mesmo o dedo, ou o espéculo usado pelo ginecologista para colher material para exame) adentre. É importante destacar que a contração da musculatura da vagina dá-se de forma involuntária; ou seja, ainda que a mulher deseje que o ato dê certo, ela não consegue.


O vaginismo é um fenômeno psicológico. As mulheres que sofrem com esta disfunção geralmente não possuem qualquer problema físico em seu sistema reprodutor. Dentre as causas mais comuns citadas pelos profissionais estão: trauma sexual (estupro, por exemplo), medo de sentir dor, passado de tentativas dolorosas ou mal sucedidas de fazer sexo, educação religiosa severa, angústia e culpa. 


Uma coisa é certa: há uma razão enterrada no subconsciente da mulher que a impede de abrir-se para o sexo. 


Já li sobre tratamentos fisioterápicos eficientes para tratar o vaginismo; entretanto, parece-me que o cerne da questão está mesmo no lado psicológico, passando pelo estudo da personalidade da mulher (e de todos os fatos que a moldaram desta forma), sua história de vida, sua relação com o sexo oposto, sua relação com o seu próprio corpo, a maneira como ela vê a si própria e ao mundo, entre outros aspectos – tanto que os profissionais recomendam uma abordagem holística e necessariamente o acompanhamento por um profissional da psicologia. Afinal, como bem diz o psicanalista Alexander Lowen, o pai da bioenergética (de cujo trabalho sou uma grande fã, embora eu não entenda sobre psicologia e sequer saiba se ele é um nome de peso para os estudiosos e profissionais da área), “o sexo não é um fenômeno isolado”, e ainda, “o problema não é o sexo e sim a sexualidade” (“Amor e orgasmo”, 1988: págs. 306 e 245).

O assunto é curioso, pois há uma porção de fatores que podem desencadear o vaginismo. Todavia, há algo sobre cuja relação com esta disfunção eu nunca li a respeito, mas não creio que seja tão insano imaginar que possa ser também considerado um fator gerador: possíveis conflitos ou frustrações sofridas pela mulher quando criança, em sua fase anal.

Freud, o “pai da psicanálise”, em seus estudos e escritos na área da sexualidade, chegou à conclusão de que o desenvolvimento psicossexual do ser humano passa por cinco fases, nos seus primeiros anos de vida: fase oral, fase anal, fase fálica, fase da latência e fase genital. A fase anal, segundo Freud, é aquela que se passa entre os 1,5 e 4 anos de idade da criança, aproximadamente. Nesta fase, a zona anal torna-se a zona erógena, e é através dela que a criança encontrará meios de gratificação libidinal, ou seja, satisfação de seus prazeres e necessidades. A sua excitação dar-se-ia por meio da defecação. Não vou entrar em detalhes, pois não tenho conhecimento suficiente para tal.

É muito importante a forma como os pais e próximos da criança se portem diante dela nesta fase. A defecação é, para a criança, um ato agradável, e as fezes representam o produto daquele ato, algo da qual ela se orgulha, pois é feito por si própria. É comum ver crianças brincando com as fezes ou querendo “presentear” seus pais com suas fezes, pois elas crêem ser algo valioso, já que saiu de dentro de si e foi feito por ela própria durante um momento de prazer; as fezes são, portanto, “parte integrante de si mesma” (http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/sexologia.html), e por isto é tão perigoso reprimir a criança neste período. Há pais que penalizam seus filhos quando os vêem manuseando as próprias fezes, na tentativa de ensiná-los sobre higiene e organização. Porém, “apesar deste valor (indesejado) que é transmitido pelos pais para as crianças no seu consciente, para o inconsciente irá uma mensagem de repressão devido ao valor atribuído às fezes pela criança” (http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/sexologia.html).

Ao censurar a criança no que concerne ao seu ato de defecar, o adulto (embora sem saber, e sem ter esta intenção) pode estar reprimindo-a, contendo sua criatividade e sua capacidade de abrir-se com os outros, o que pode acarretar consequências futuras, afetando-a em seus relacionamentos de uma forma geral, e também em sua sexualidade.

Neste mesmo site sobre psicanálise freudiana, o autor afirma que “a recusa de uma criança em defecar é um modo de desafiar a autoridade parental e reafirmar que as fezes ‘são delas’, tendo um prazer adicional na sensação em manter o reto cheio”. Destarte, a criança que é refreada por defecar em demasia ou por querer fazer uso de suas fezes para algo pode passar a adotar uma atitude introspectiva, contendo as próprias fezes, como uma forma de não querer dar de si aos outros, não querer compartilhar suas ideias e seus sentimentos. No futuro, pode ser um adulto pouco amável, pouco aberto a novas amizades e relacionamentos, ou mesmo uma pessoa egocêntrica, orgulhosa, ou mesmo alguém que tem dificuldade de confiar ou de expor-se.

Aqui começam minhas divagações a respeito da relação entre fase anal e vaginismo. Já se estudou que muitas mulheres com vaginismo têm um histórico problemático de relacionamentos amorosos, pois têm dificuldades de se abrirem com seus parceiros. Também já se analisou que um dos inúmeros perfis de mulheres com vaginismo é o da mulher forte e “durona”, que não gosta de expor suas fraquezas e quer sempre manter a pose de perfeita. Abrir sua vagina para receber um pênis poderia ser uma maneira de deixar o parceiro adentrar não só em seu corpo mas também em sua alma, no primeiro caso; e no segundo caso, ser penetrada e permitir o sexo seria uma forma de descobrir um novo lado de si mesma, e o que parece mais atemorizante: descobrir-se ao mesmo tempo em que o parceiro também a descobre.

É claro que esta não é uma teoria de minha exclusiva autoria: em 1965, Alexander Lowen já havia falado sobre a relação e as semelhanças entre o sistema excretor e o ato sexual. No já citado livro “Amor e orgasmo”, mais especificamente no capítulo “Impotência orgástica na mulher”, o Dr. Lowen fala sobre Dóris, uma paciente que não conseguia ter orgasmos, e que tinha um histórico de repressão materna quando em sua fase anal. Vou transcrever o fragmento:

“Pedi-lhe que fizesse associações com a palavra ‘orgasmo’. ‘O que esta palavra quer dizer para você?’
Se soltar, dor, sujeira. Perda de controle e o medo de que vai aparecer alguma coisa de que irá me deixar envergonhada’. Esfregou os olhos e disse: ‘Meus olhos não querem ver alguma coisa’.
‘O que é que você não quer ver?’, perguntei.
‘A sujeira, e não quero ver mais ninguém vendo isso também’, respondeu.
Em vista dos antecedentes do caso, a ‘sujeira’ só poderia ter uma única interpretação. Representava a grande massa fecal dura, presa em seu reto, e que sentia medo de expelir. Ficava com medo de que assim ‘faria uma meleca’, e sua mãe iria ficar zangada, aborrecida; ela sentia medo de evidenciar, desse modo, que era um bebê.
(...)
O conceito psicanalítico de identidade entre fezes e filhos está bem documentado por esse caso. Mas minha preocupação, agora, é com a relação entre fezes e a importância orgástica. Para Dóris, orgasmo representava se soltar, liberar. Fezes é o mesmo que filho, equivalente a sensações sexuais. Qualquer perturbação na função dos movimentos intestinais se reflete numa alteração correspondente dos movimentos sexuais.
A unidade funcional do canal alimentar é de tal nível que se encontram nas duas extremidades do tubo perturbações de qualidade semelhante. Assim, a incapacidade de deixar sair pode ser equivalente à incapacidade de deixar entrar.” (grifos meus, pág. 241)

Esta última frase, é claro, parece-me ser a chave de tudo. A mulher que, quando criança, passou a reter as próprias fezes por receio do que poderia acontecer caso elas fossem excretadas, pode vir a ser a mulher que “abstém-se” de abrir a vagina, por receio do que pode acontecer caso ela se deixe penetrar.

Apesar de minha inexperiência e total ausência de formação acadêmica e profissional nesta área, não me é difícil entender como a dificuldade de deixar algo sair do corpo pode ser similar à dificuldade de deixar algo entrar no corpo. A pessoa passa a encarar o próprio corpo como “uma caixa fechada”: nada entra e nada sai. Assim, para a mulher, qualquer coisa que possa entrar passa a ser considerada uma ameaça; não à toa muitas mulheres não conseguem permitir a penetração do pênis ou do espéculo, por mais gentis que sejam o parceiro e o médico, e por mais que elas queiram e entendam que não lhes fará mal. A mensagem de “não vou deixar que me machuquem” está gravada em seu subconsciente, desde aquela época da infância em que ela aprendeu que colocar algo para fora trará reações inesperadas que possam chateá-la.

O vaginismo nada mais é que o medo da penetração, e é lógico que a penetração é apenas uma simbologia para outra coisa. A mulher com vaginismo tem medo de algo muito maior e mais significativo, embora nem sempre esteja apta para descobrir o que é. Ouso crer que pode ser (claro que para nem todos os casos) o medo de ser descoberta, o medo de ela própria descobrir em si algo que não a agradará ou não agradará o parceiro. No caso de Dóris, relatado acima, o ato de “abrir-se para o sexo” remontava ao ato de excretar livremente, e por isto ela não conseguia ter uma vida sexual feliz: temia que aparecesse a sujeira, temia que viesse à tona um lado desagradável de sua personalidade, e tinha vergonha de que vissem isso. Ela não conseguia se soltar, não conseguia se entregar ao sexo de uma forma livre, despudorada e relaxada; o que a impedia eram o medo e a vergonha.

Como fiz questão de frisar ao longo de todo o texto, não sou uma expert em psicologia ou qualquer área da saúde, e sequer posso afirmar que minhas ideias estão corretas; mas, mesmo assim, de duas coisas posso ter certeza. A primeira: é evidente que a mulher com vaginismo não se conhece muito bem, e precisa trabalhar melhor isto. A segunda: é normal não se conhecer, e certamente que o autoconhecimento é um dos caminhos que a mulher precisa percorrer para superar este problema; porém, não há nada de errado em percorrê-lo juntamente a alguém. A mulher com vaginismo não precisa ter medo de ter seu parceiro como expectador e ajudante na sua jornada de autodescobrimento. Talvez esta seja uma das maiores lições que a mulher com vaginismo precisa aprender: desprender-se de seu orgulho, não ter medo de expor-se, aprender a aceitar que possui fraquezas e que é normal que outra pessoa as conheça.

Deveras, conviver com o vaginismo deve ser bastante difícil. Trata-se de um fardo que as mulheres precisam deixar de carregar, pois atrapalha suas vidas; e para isto, precisam conhecerem-se melhor e vencerem o orgulho para, então, vencerem também seus medos.

Um bom exercício para as mulheres com vaginismo seria começar a desprender-se do seu orgulho, tentando livrar-se dele aos poucos, adotando posturas mais humildes em ocasiões simples do dia a dia, tentando confiar mais nos outros, e outras coisas do tipo; tudo muito lentamente, muito aos poucos, respeitando o seu tempo e a sua natureza.

Em todos os textos que encontrei na blogosfera acerca do vaginismo, uma frase em um deles chamou a minha atenção: “Sua vagina está tentando lhe dizer alguma coisa e nós acreditamos que ela merece ser ouvida”. Há outros fragmentos interessantes no texto:

“Descobrir o que causou o vaginismo pode ser uma experiência enriquecedora e proveitosa viagem, e pode ajudar a colocar a sua dor e mágoas passadas negativas para trás e avançar com a cura de sua vagina.
(...)
O vaginismo pode realmente ser uma oportunidade para parar, pensar e ouvir o seu corpo e aprender a amar e cooperar com ele.
A mensagem que sua vagina está tentando dizer a você pode ser um choque, e geralmente, poderoso, ele pode mudar sua vida...”


Eu imagino que muitas mulheres devem ter medo de descobrir qual é esta mensagem que o seu corpo está tentando passar a cada vez que se fecha para a possibilidade do ato sexual. É um medo compreensível, mas que precisa ser vencido, pois ele acarreta prejuízos não somente à vida sexual e amorosa da mulher, mas também, às suas emoções de uma maneira geral, repercutindo sobre tudo em sua vida.

 “As coisas ignoradas geram mais medo do que as conhecidas. (...)
Muitas criaturas têm medo de si mesmas. Desvendar, gradativamente, nossa ‘geografia interna’, nosso próprio padrão de carências e medos, proporciona-nos uma base sólida de autoconfiança. (...)
O somatório dessas emoções negadas nos causa medos inexplicáveis que nos oprimem, (...) prejudicando o nosso crescimento interior. Muitos de nós continuamos, anos a fio, sentindo temores injustificáveis por tudo aquilo que reprimimos e para evitar que pensamentos, recordações ou impulsos cheguem ao consciente.
O medo indefinido provém da repressão de impulsos considerados inaceitáveis que existem dentro de nós, da ausência de contrição de nossas faltas, da não admissão de nossos erros, descompensando nosso corpo energeticamente com o peso dos fardos do temor e do pânico.”
(Francisco do Espírito Santo Neto, psicografado por Hammed, no livro “As dores da alma”)

De qualquer maneira, o que gostaria de dizer às mulheres que porventura tenham chegado a este blog e a este texto na procura por mais respostas às suas dúvidas, é que devem buscar conhecerem a si próprias, sempre com a consciência leve e o espírito positivo (apesar de todas as aflições e dores que essa jornada pelo autoconhecimento possa proporcionar), sem medos, sem pressa, sem vergonha, sem se preocupar com o que vão encontrar.

“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará
(João 8:32)

A resposta está dentro da própria pessoa; no entanto, a pessoa deve entender que, apesar de se tratar de uma experiência interna e íntima, a abertura e a receptividade ao companheiro são muito importantes; afinal, sexo envolve duas pessoas, e sem a tranquilidade para receber a segunda pessoa, não há como resolver o problema. Portanto, mulheres, busquem viajar dentro da própria alma, mas permitam que o parceiro viaje junto com vocês. Gostaria de fechar este texto com uma frase do filme “Dirty Dancing 2”, dita pelo personagem do sempre incrível Patrick Swayze a uma mocinha que mal conseguia permitir-se ser tocada:

Deixar alguém fazer parte de você pode ser atemorizante, mas se você deixar, vai valer a pena