sábado, 26 de novembro de 2011

"Time of your life": tornando-se adulto na virada da década

Em um momento nostálgico nas férias do fim do ano passado, lembrei-me do seriado "Time of your life" e escrevi sobre esta lembrança em um texto aqui no blog. Lamentei por não conseguir ter acesso aos episódios, pois não há links para download na Internet, e tampouco DVDs para serem comprados.

Qual não foi a minha surpresa e alegria quando soube, há três semanas atrás, que o canal Sony Spin está reexibindo "Time of your life"! Eu já havia perdido todas as esperanças, já estava quase decretando que teria que viver o resto da vida com apenas algumas pequenas e insuficientes recordações dos dramas de Sarah Merrin.

A série tem apenas uma temporada, com 19 episódios. Assisti praticamente todos, agora nas últimas semanas. Não tinha noção de que era tão boa! Quando foi exibida pela primeira vez, no ano 2000, pelo canal Sony, eu assisti a poucos episódios. A série me cativou à primeira vista, justamente por ser do meu gênero favorito: o drama. É exatamente o estilo de série que me agrada: intensa, sentimental, cheia de diálogos reflexivos, céus nublados, ruas lotadas de pessoas tentando encontrar um sentido na vida, amores e amizades nascendo e morrendo em uma cidade onde cada um é só mais um. 

Por que não deu certo? Eu lamento tanto que tenha durado apenas uma temporada. Pelas minhas pesquisas, o público dos Estados Unidos não recebeu bem a série, a despeito de todo o frenesi que Jennifer Love Hewitt causava naquela época. 

Sim, ela foi a namoradinha da América no final dos anos 90. Com seu rostinho lindamente angelical e aquele sorriso que fazia os olhos brilharem apertadinhos, era de se esperar que um seriado estrelado por ela, no qual ela representava o mesmo papel que representou em "Party of Five", atraísse a audiência. Porém, não foi assim... E eu sinceramente não consigo entender por quê. Não há em "Time of your life" nada que não também não se veja em outros dramas juvenis que fizeram sucesso nos anos 90, como "Felicity", "Dawnson's Creek", "Jack and Jill" e o próprio "Party of Five".

(SPOILERS A PARTIR DE AQUI)

Mas enfim... "Time of your life" mostra a trajetória da jovem Sarah Reeves Merrin, que deixa sua cidade e vai morar no antigo apartamento da mãe, em Nova York, para procurar seu pai. Ao longo dos 19 episódios (dos quais apenas 12 foram exibidos nos Estados Unidos, e nós brasileiros temos a felicidade de ver a temporada integralmente no Sony Spin), ela faz novos amigos, apaixona-se, decepciona-se, tenta ser cantora, tenta dar certo em vários empregos, tenta se adaptar à agitada Nova York... Várias vezes ela acerta, várias vezes ela erra, e no fim das contas, a temporada termina sem que ela tenha muita certeza a respeito de nada.

"Time of your life" é um retrato do fim da adolescência e do início da vida adulta. É uma série de crônicas sobre tornar-se adulto em Nova York, na virada da década de 1990 e início dos aclamados anos 2000. No décimo episódio, em que Sarah completa a maioridade civil, ela diz algo que resume muito bem a essência de toda a série: "Eu sempre imaginei como seria isso. Desde criança, eu sempre imaginei: 'Vou ser adulta no ano 2000. Vou ter 21 anos no novo milênio'. E hoje, esse dia chegou, e eu sinto que pouca coisa mudou". 

É interessante ver as peculiaridades notáveis da transição 1990-2000 estão presentes na série: a expansão da tecnologia e a familiarização com a Internet (o episódio em que Sarah é apresentada ao bate papo virtual é impagável), o medo do bug do milênio (há um episódio todo dedicado ao fatídico reveillón da virada 1999-2000... Como éramos bobos de achar que o mundo poderia até acabar!).


Destaque-se ainda todos os outros conflitos típicos do início da vida adulta: a ânsia de independência (nos episódios finais, Sarah tenta abrir seu próprio negócio; antes, Maguire e J.B. tentam fazer carreira como DJs), a luta pelo sucesso e pelo reconhecimento (Romi sonha em ser atriz), ou mesmo a busca da própria identidade profissional...

É bom acompanhar Sarah e seus amigos, arriscando, amadurecendo, procurando respostas para seus questionamentos, tentando dar certo, tentando ser alguém, ou ainda, acima de tudo, tentando descobrir quem são.

Ao fim do já citado décimo episódio, Sarah lê um poema de Robert Frost, sobre fazer escolhas. O poeta diz que escolheu a estrada menos usual, e isso faz toda a diferença. Creio que estes versos também dizem muito sobre os personagens de "Time of your life".


"Dois caminhos saem da floresta
E eu escolhi o menos utilizado
E isso fez muita diferença"


É uma pena que a série tenha sido cancelada tão prematuramente. Eu adoraria saber como a turma de Sarah se virou, o que eles fizeram, no que eles se tornaram. 

Uma triste coincidência é que o fim da série marcou também o início de uma fase em que Jennifer Love Hewitt deixou de ser a queridinha do público jovem, e séries como "Time of your life" foram, pouco a pouco, deixando de ganhar espaço nas programações durante os anos 2000. 



Assistir ao último episódio de "Time of your life" deixa-nos com um vazio no peito. A sensação que fica é que tudo valeu a pena, os sofrimentos dos personagens foram necessários, os altos e baixos deixaram lições, mas ainda assim, parece que o fim não era aquele. Ainda havia muito a ser vivido, aprendido, conquistado, experimentado, tentado. 

Sarah, Romi, Cecilia, Joss, Maguire e J.B. ainda não tiveram "o tempo de suas vidas" (engraçado observar que, no linguajar brasileiro, não existe uma expressão equivalente à expressão americana "time of your life"; nenhuma tradução chega perto do que realmente significa: "time of your life" quer dizer algo como o momento da sua vida, a ocasião pela qual você sempre esperou, os instantes que podem definir toda uma vida). Não devia ter acabado daquele jeito.

Sarah encontrou seu pai, mas não encontrou a si mesma. Romi conseguiu um pouco de prestígio, mas ainda não alcançou o posto que merece e pelo qual sempre lutou. Cecilia e Joss continuaram seguindo seus caminhos, sem definir nada, sem saberem exatamente o que querem da vida. Maguire voltou para o início, não ganhou nada, não conseguiu nada além do que sempre teve. E J.B. foi o que acabou pior, pobre coitado. Em suma, após tantos percalços, nenhum deles realmente obteve êxito em sua jornada de autoconhecimento. 

É como na vida. Era de se esperar que o final feliz não caísse do céu. A vida é difícil. Crescer é difícil. Conquistar seu espaço é difícil. É essa a mensagem que fica.

A suposta ocasião perfeita

É isso que dói. É jogar todas as sementes e não ver nada brotar. E esperar, e esperar, e esperar, e nada brotar.

O que dói é dar todas as indiretas, forjar uma ocasião ridiculamente sugestiva para que você diga as palavras certas, e ainda assim você não as diz. Nem espontaneamente, nem quando o momento quase te força. 

Eu fiz o que pude. Preparei o terreno, ajeitei todas as circunstâncias, de modo que jamais fosse possível haver melhor oportunidade de você proferir as fatídicas frases, e nem assim eu as escuto. 

Você, pelo visto, não se culpa. A sua consciência não pesa por saber que eu esperava tanto por isso. E, no fim das contas, talvez você realmente tenha razão. Eu é que errei ao acreditar que a situação era propícia, que o tempo era adequado, que o local era perfeito. O principal elemento ainda não estava pronto. 

domingo, 6 de novembro de 2011

Acúmulo de ser

Livros que você não lê, presentes que você não abre, reservas que você não usa. Acúmulo, acúmulo, acúmulo. 

Em tese, estoca-se coisas quando se crê que farão falta posteriormente. No seu caso, porém, seu ideal é ser o próprio estoque. Acha que pode reter tudo. Mas você não é uma super máquina, e quem pode convencê-lo disso?, quando parece tão verdadeiro que o ser humano é capaz de tanto...

É verdade que, com um pouco de organização e boa vontade, é possível ter tempo para tudo. O problema é que, quando se tem tempo para tudo, não sobra tempo para nada.

Sua paranóia de vivenciar tantas coisas é tamanha que você mal vivencia o prazer de vivenciá-las. O 'aproveitar naturalmente' é um dos seus compromissos. Será que você não vê que não se programa aquilo que é natural? É espontâneo justamente por ser espontâneo.

As vidas são muitas, mas cada vida é muito curta, e não se pode ao certo saber o que é necessário fazer nela, ou dela. Quando chegar o momento de fazer o que é preciso fazer, ou ainda, quando chegar a próxima vez, o que você fará com tudo que guardou? 

Ter tanto te faz especial, mas quem saberá quão especial você é? Você não se dá espaço para viver, de tanto que ocupa a própria vida com tanto acúmulo, acúmulo, acúmulo. Você acumula ser, estar, ter, saber, conhecer, comer, cheirar, ouvir, entender. E jura que vai precisar de tudo isso no futuro. Se não vai precisar, ao menos saberá usar de uma forma interessante. E enquanto esse momento não chega, que momentos você vive? 

O que vai restar ao fim de tudo isso? Qual é o fim de tudo isso? A sua busca nunca vai acabar, pois nem todo o tempo do mundo é suficiente para absorver tudo que existe no mundo. O tudo do mundo não é todo feito para uma só pessoa. O infinito não cabe no finito. O que você vai fazer? 

Ninguém nunca está suficientemente atualizado o tempo inteiro. Ninguém tem braços suficientemente compridos para poder abraçar o mundo. 


"O desejo de ter coisas não tem fim. Quando inflamos esse sentimento não aproveitamos o que já temos – e acabamos ficando sem nada."

[Eugênio Mussak]

sábado, 5 de novembro de 2011

O álbum "Up", de Shania Twain

Dias atrás, selecionei "Up", o quarto álbum da cantora country Shania Twain, para escutar no carro. É sempre bom escolher álbuns os quais não escuto há tempos, pois sempre ouço as canções e interpreto suas letras de uma maneira diferente de como foi à época em que adquiri o álbum.
"Up" foi lançado em 2002; eu era, então, uma adolescentezinha quando o comprei. Lembro que não gostei de imediato: seu antecessor, "Come on over", de 1997, era maravilhoso, foi um fenômeno de vendas e de prestígio, e causou uma verdadeira revolução no mundo da country music. Com certeza eu esperava mais de "Up". Mas é preciso dar um desconto: nunca é fácil dar o próximo passo após fazer tanto sucesso assim. Todos depositam muitas expectativas. 
O que me decepcionou, na época, foi o fato de o álbum ser pop demais. Eu senti que Shania estava perdendo sua essência country - e o fato de o encarte trazer, de cara, dois CDs, um com as versões originais e outro com versões remixadas, só me fez acreditar ainda mais nesta tese. Ademais, achei algumas canções bastante fúteis e sem sentido. 
Hoje, porém, já tenho um conceito bem melhor de "Up". Entendo melhor algumas letras, e encaro algumas canções com menos seriedade. Várias delas realmente não têm outra intenção a não ser divertir, então por que exigir mais que isso? 

"Up" tem suas canções sobre o amor e sobre a vida, como praticamente toda obra de um artista popular; entretanto, uma característica muito peculiar do álbum, e que chamou a minha atenção, é o tom crítico e ironizador a respeito da sociedade contemporânea e seus padrões. 

"What a way to wanna be", por exemplo, fala da ditadura da beleza e da magreza (Shania canta: "Nós gostamos de comprar, nós gostamos de gastar / Para nos manter atualizados com a última tendência / Mas nós não nos satisfazemos / Vivendo como um escravo da moda / Sem pensar por nós mesmos ... Por que sermos perfeitos? / Não vale a pena / Descanse / Isto não é um concurso de beleza"), e "Ka ching" ironiza o consumismo e a obsessão por dinheiro ("Vivemos em mundinho que ensina cada menino e menina a ganhar o tanto quanto puder, e então gastar tudo frivolamente. Nós criamos problemas com cartão de crédito, e gastamos o dinheiro que não temos ... Tudo que sempre queremos é mais, mais do que tivemos antes, então leve-me à loja mais próxima!").




"Up" também traz canções que frisam a questão da independência feminina. A penúltima faixa, "In my car (I'll be the driver)", é um manifesto tipicamente feminista, em que a mulher se recusa a deixar que o homem assuma o papel principal no que se refere a um bem que ela adquiriu com o próprio esforço, como se permitir que ele dirija seu carro fosse anular sua autonomia ("Você pode escolher o canal enquanto assistimos TV, tudo bem / E pode escolher o sabor do sorvete, eu não me importo ... Mas no meu carro, eu dirijo / No meu carro, eu estou no controle!"). Já a terceira faixa, "She's not just a pretty face", ressalta a importância de encarar as mulheres bonitas como muito mais que "um rostinho bonito", como o próprio título sugere.


Contudo, em minha opinião, são as canções românticas que realmente se destacam. "(Wanna get to know you) That good" é a minha predileta, e inclusive rendeu um texto inteiro aqui no blog. É uma canção linda e envolvente, com uma letra tocante que fala sobre o desejo de conhecer cada detalhe da personalidade e da vida da pessoa amada ("Quero te conhecer por inteiro até te saber de cor / Quero te conhecer com todas as minhas forças / Quero te conhecer muito bem / Como ninguém te conhece / Quero alcançar as profundezas da sua mente...").


O estilo e a batida levemente new wave de "Thank you baby" me faz lembrar Tears For Fears, e a letra, igualmente bela, é um agradecimento ao ser amado, por tudo que ele representa na vida do eu-lírico ("Eu desisti de esperar o amor chegar / Teria que acontecer algum dia / Eu sabia que encontraria, algum dia / Obrigada, querido / Por fazer esse dia chegar tão cedo").


"I'm jealous" também é uma das mais lindas canções do álbum, cuja letra, que mais parece uma poesia, lembra muito a letra de "Inveja", canção de Sandy e Junior que consta do álbum lançado um ano após "Up" (será que o compositor se inspirou na canção de Shania?). 


"Eu queria ser o sol brilhando em sua face, acariciando-a como um amante
Eu te envolveria em um abraço caloroso, e nos abraçaríamos mutuamente
Tenho ciúmes do sol
Eu não quero dividir você com nada
Quero te ter só para mim
Não posso evitar, estou tão apaixonada
Não consigo estar suficientemente próxima de você..."
("I'm jealous")

Não obstante, "When you kiss me" e "Forever and for always" é que são consideradas as grandes baladas do álbum: ambas foram lançadas como singles e são favoritas dos fãs. Ambas são realmente lindas, em melodia e letra, embora eu prefire as acima citadas. A letra de "Forever and for always" é quase que uma continuação de "From this moment", hit do álbum anterior de Shania.


De uma maneira geral, "Up" é um ótimo álbum. Gosto muito mais dele hoje do quando o escutei pelas primeiras vezes. Todavia, permaneço acreditando que há poucos resquícios de country nas 19 canções: inegavelmente, "Up" é o álbum mais pop de Shania Twain - o que não é necessariamente ruim, apenas um pouco desapontante, se levarmos em conta que Shania é uma das cantoras mais aclamadas do mundo da country music e foi a grande responsável, nos anos 90, por alçar este estilo a uma posição mais popular.


Eu consigo identificar um potencial country na grande maioria das canções de "Up"; entretanto, é notável a intenção dos produtores musicais de fazê-las soarem menos assim, e mais como canções pop. As grandes exceções talvez sejam a própria faixa-título, e também "Waiter, bring me water", "Ain't no particular way" e "I'm gonna getcha good"  - não à toa, esta última foi lançada como o primeiro single, e foi o maior hit do álbum. Estas sim têm uma toada bem country, apesar de eu ainda achar que poderiam ser bem menos pop do que efetivamente são. 


Escutando o álbum, a impressão que temos é que ele só não é mais country porque não quer. O excesso de remixes, batidas eletrônicas e a escassez de elementos típicos deste gênero musical, como o banjo, a guitarra e o violino, fazem-me concluir que Shania e Robert 'Mutt' Lange (seu marido e produtor do álbum) realmente tencionavam produzir algo mais comercial, mais universal e menos segmentado.  


Entrementes, é provável que eu seja voz minoritária quando afirmo estas coisas. Em uma resenha do site Country Music, "Up" é avaliado como um álbum country normal. "Não há nada no CD verde [o que contém as versões originais das canções] que diga que Shania não é uma excelente e moderna cantora country. Se você gosta de algum dos seus álbuns anteriores ou música country popular, vá em frente e adquira este álbum", diz o crítico Matt Bjorke (fonte: http://countrymusic.about.com/library/bluprev.htm). Outrossim, a Billboard afirma que a essência de "Up" traz "a quintessência de Shania, leve como vapor, doce como açúcar, temperado com personalidade e inegável carisma"; e a Rolling Stone, por sua vez, disse, à época, que o álbum "teria sido um nocaute mesmo se fosse limitado ao disco de country music... Mas o segundo disco, de incessante e cinético pop, é uma revelação" (fonte: http://www.metacritic.com/music/up!/critic-reviews). Eu devo mesmo estar errada, pois trata-se de críticas elaboradas por revistas especializadas. 


Mas, de qualquer forma, "Up" constitui bom entretenimento. Só lamento que tantas canções incríveis foram desperdiçadas.


No fim das contas, mais de 20 milhões de cópias foram vendidas no mundo inteiro, e a todos (eu, por exemplo) que compraram uma, especialmente se o fizeram despretensiosamente, certamente gostaram do que levaram para casa.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

As coisas normais e as coisas naturais

Nem tudo que é natural é normal, e nem tudo que é normal/natural pode ser considerado moralmente admissível. 

A natureza segue seu curso conforme suas próprias leis, contudo, nem todas elas são recepcionadas entre os seres racionais. 

Ao homem que já conquistou a sabedoria necessária para distinguir,  segundo os princípios divinos, as coisas reprováveis das razoáveis, não lhe é dado culpar a sua própria natureza, ou as usualidades de uma sociedade.  

Em toda parte, deparamo-nos com uma série de estímulos e engenhos aptos a nos fazer cair em tentação e ir contra os nossos preceitos morais. O fato de eles serem inatos ao homem não quer dizer que são corretos e devem ser respeitados. Sim, parece loucura, mas há, em nossa própria natureza, várias tendências que sobreexistem para serem domadas. 


"O fato de uma coisa ser instintiva ou natural não quer dizer que seja boa. Os circuitos cerebrais da mariposa fazem com que se sinta atraída pela luz. Assim, pode voar à noite se orientando pela lua e pelas estrelas. Infelizmente, esse bichinho vive agora em um mundo completamente diferente daquele em que evoluiu. Hoje existem aparelhos que atraem e queimam mariposas e mosquitos. Seguindo seu instinto, a mariposa voa em direção à luz e é incinerada imediatamente. Conhecendo suas necessidades biológicas, o homem moderno pode decidir e evitar ser incinerado por fazer o que lhe parece natural."
(PEASE, Allan; e PEASE, Barbara. Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor? 21a. edição. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. Págs. 135/136)


Deus, em toda a sua perfeição, é sábio ao permitir que o homem venha dotado de disposições e aptidões ingênitas contra as quais deva lutar. Somente no empenho de subjugar as más tendências é que pode o indivíduo acionar a sua própria racionalidade e progredir moralmente. Se persistisse sempre acatando aquilo que lhe é natural, o homem jamais evoluiria, posto que esforço nenhum teria de fazer, e ainda, mal precisaria pensar, refletir, valorar. 


"Tendo o homem que progredir, os males a que se acha exposto são um estimulante para o exercício da sua inteligência, de todas as suas faculdades físicas e morais, incitando-o a procurar os meios de evitá-los. Se ele nada houvesse de temer, nenhuma necessidade o induziria a procurar o melhor; o espírito se lhe entorpeceria na inatividade; nada inventaria, nem descobriria. A dor é o aguilhão que o impede para a frente, na senda do progresso." (KARDEC, Allan. A Gênese - Capítulo III, item 5)


Natural é toda a espontaneidade congênita, é tudo aquilo que é inerente à própria natureza de algo ou alguém. Normal, por outro lado, é aquilo que a sociedade tolera, é tudo que é tido como socialmente aceitável. Pois bem, nem tudo que brota da natureza humana é normal, assim como, nem tudo que é aceito pela sociedade é moralmente ideal. A sociedade também pode se enganar, e isto não é de ser estranhado; afinal, vivemos em mundo de provas e expiações no qual a imperfeição ainda reina. 

O que é moralmente ideal é tudo que vai ao encontro das leis divinas. Portanto, ainda que aceitos pela sociedade, sem censura ou preconceitos, nem todas os costumes sociais e práticas consideradas "normais" são moralmente corretos. 

A voz do povo é a voz de Deus? Claro que não! Estamos ainda muito longe de saber o que verdadeiramente é avindo de Deus; e se isso não fosse verdade, certamente viveríamos em mundo melhor. Não é lógico pensar que o povo conhece os verdadeiros princípios divinos, quando o fato é que, deste mesmo povo, brotam repugnâncias e atitudes cruéis de toda espécie.

É verdade que, outrossim, as concepções de cada indivíduo ou sociedade dependem e estão intrinsecamente ligada à cultura desta sociedade, ou seja, àquilo que se convencionou tolerar. É isto que defende a corrente antropológica do relativismo cultural:


"O princípio do relativismo cultural decorre de um vasto conjunto de fatos, obtidos ao se aplicar nos estudos etnológicos as técnicas que nos permitiram penetrar no sistema de valores subjazcentes às diferentes sociedades. Este princípio se resume no seguinte: os julgamento têm por base a experiência, e cada indivíduo interpreta a experiência nos limites de sua própria enculturação."
(Herkovits, Melville. Man and His Works, New York, Alfred and Knopf, 1948, p.?; Kroeber, A.L.; Kluckhon, C. Culture: a critical review of concepts and definitions, Cambridge, The Museum, 1952, p.176. Disponível em: http://www.revistaalambre.com/Articulos/ArticuloMuestra.asp?Id=33)



E, muito embora se possa consentir que o meio exerce influência sobre o homem (na pergunta 846 do Livro dos Espíritos, encontramos que "é inegável que sobre o Espírito exerce influência a matéria"), não se pode compactuar com a assertiva de que certas condutas são aceitáveis em razão de assim serem consideradas, conforme os padrões culturais de uma época ou de uma comunidade específica. 

Aos olhos de seus conterrâneos e contemporâneos, um indivíduo até pode justificar seu comportamento alegando que "todos agem assim", ou "é normal", ou "a sociedade admite essas coisas". Aos olhos de Deus, portanto, uma vez tendo o indivíduo a consciência do que é moralmente adequado e do que não é (importante frisar isto; afinal, não se pode condenar as decisões de uma pessoa que não tem a noção do que é certo ou errado), tais subterfúgios não valem. 

O homem racional, contanto que saiba o que é certo fazer, é sempre capaz de fazê-lo. Afirmativas como "a carne é fraca" ou "não se pode resistir a certas coisas" não passam de pretextos para quem não está verdadeiramente interessado em agir corretamente. É mais fácil sucumbir às tendências naturais ou sociais; entretanto, nem todas as coisas fáceis são aquelas que proporcionarão maturidade, sabedoria e evolução espiritual - aliás, na grande maioria das vezes, as coisas difíceis é que realmente impulsionam-nos em direção a estas virtudes.


"Assim, de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao mal, como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos bons Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a oração dominical, quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.” Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também, acrescentaremos, eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso próprio, pois que, em definitiva, ele é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito. Conseguintemente, as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do nosso próprio Espírito,que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de suas imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai vencedor ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma prova que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa alternativa."


(Pergunta 872 do Livro dos Espíritos)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Pensando por nós dois

"Vem que eu te ensino como ser bem melhor...
('Como eu quero', Kid Abelha)


Se você seguir comigo, conseguirei te levar exatamente para onde quero, para onde sempre quis. Talvez não seja para onde você sempre quis ir, mas confie em mim, você vai gostar. 


Você admite que não tem um plano. Bem, eu tenho. Minha proposta é estender a você tudo que eu programei para mim. Topa ou não topa?

Aos outros, até pode parecer que sou arbitrária ou que esteja tentando te moldar. Entretanto, é preciso lembrar que você está de acordo. A sua vontade consentiu em deixar a minha vontade assumir a direção.


Se você me permitir guiá-lo, tomarei sua mão e seguiremos juntos. Não há quem possa nos condenar por isso. Nós decidimos nossos próprios caminhos; e se você confia em mim, isso é suficiente. Farei o possível para merecer sua confiança, e agirei com toda a prudência e responsabilidade; afinal, trata-se de duas vidas.


É claro que deixarei algum espaço para você respirar, manifestar-se, opinar, decidir. Você não vai parar de pensar por si próprio apenas porque decidi pensar por nós dois. Fale quando quiser falar, e eu estarei pronta para ouvir. Prometo que te ouvirei sem medos, confiante que estou nos princípios que eu sei que você tem. Nós partilhamos dos mesmos preceitos morais, e isso me tranquiliza, pois me faz ter certeza de que você nunca proporá nada absurdo.


E caso você queira mudar, nós conversamos, e se nos parecer melhor, mudamos. Jamais te excluirei. Delibere quando sentir-se preparado. Expresse-se quando quiser se expressar. Quando tiver de ser, será. Fique tranquilo. Eu conduzo por nós dois, até você se sentir preparado para conduzir comigo. E então, conduziremos juntos.


Mas, enquanto esse momento não chega, eu posso pensar por nós, pois estou sempre pensando em nós. Confie em mim. Vai dar tudo certo.





"Quando a estrada fica escura
E você não consegue mais ver
Só deixe meu amor jogar uma faísca
E tenha um pouco de fé em mim


E quando as lágrimas que você chora
São tudo em que você pode acreditar
Apenas dê a esses braços amorosos uma chance
E tenha um pouco de fé em mim..."
('Have a little faith in me', John Hiatt)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O amor encontrará um caminho

Pode ser que eu esteja me iludindo ao crer que tudo sairá exatamente da maneira como eu quero, pois a verdade é que não depende só de mim. Far-se-á necessário o esforço conjunto; trata-se de duas vontades, e não uma apenas. 

Afinal, de que adianta eu fazer tantos planos e ter a maior boa vontade do mundo, se eu não puder contar com a outra parte? As circunstâncias são aquilo que fazemos delas, e eu tenho determinação suficiente para transformá-las de acordo com os meus anseios; mas só a minha força basta? 

É impossível impedir que as forças externas atuem sobremaneira sobre nossa vida, atrapalhando nossos sonhos; mas e se a outra parte do acordo, da qual dependo tanto, não estiver disposta a lutar contra isso?

Não vou me deixar dominar por este tipo de pensamento. Não posso ser tão fraca a ponto de me deixar convencer que a vida correrá como os outros querem que seja. Não vou renunciar aos meus planos.

Vou encontrar uma maneira de fazer dar certo. Nós vamos. Porque é preciso.


"O tempo vai passar e tudo vai entrar no jeito certo de nós dois..." ('Pra ser sincero', Marisa Monte)


Com amor, força de vontade paciência, é só uma questão de tempo até fazer tudo dar certo. Minha perseverança é suficientemente potente para alcançar o outro lado. Eu devo acreditar quando ele diz que quer, e devo ser forte para quando ele desanimar. 

Um dia nós ousamos sonhar; mas, para mim, já deixou de ser sonho: é uma meta. Talvez até mais que uma meta: é uma previsão. Não é só que eu quero que seja: é o que eu sei que será. Trata-se de um fim, e tudo que falta para atingi-lo é percorrer o caminho. Caminho esse que percorreremos juntos.


"Ninguém nunca disse que o amor seria fácil
É preciso passar pelos altos e baixos, e pelos meios
Se aceitar esta jornada, você precisa se doar completamente
E nunca deixar que ninguém impeça um sonho

(...)

Não, a chuva não durará para sempre
Encontraremos uma maneira de melhorar tudo
Contanto que estejamos juntos,
O amor encontrará um caminho..."

('Love will find a way', Christina Aguilera)