quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Escolhas e questionamentos

"Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
Em nosso espírito sofrer pedras e setas

Com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
Ou insurgir-nos contra um mar de provações
E em luta pôr-lhes fim? 

(...)

O pensamento assim nos acovarda, e assim
É que se cobre a tez normal da decisão

Com o tom pálido e enfermo da melancolia;
E desde que nos prendam tais cogitações,
Empresas de alto escopo e que bem alto planam
Desviam-se de rumo e cessam até mesmo
De se chamar ação."

(Shakespeare, em 'Hamlet', Terceiro Ato)


Não tem jeito, essa é a vida. Em algum momento ou outro, temos que fazer escolhas e tomar decisões. É inevitável e não se pode fugir disso. Ou você faz escolhas enquanto é cedo e então passa a pautar toda a sua vida com base nelas, ou leva a vida sem maiores preocupações até chegar o instante em que a vida te força a decidir.

Eu escolhi ser precavida. Fiz escolhas muito significativas enquanto ainda era muito jovem, e desde então tenho lidado com os ônus e vantagens delas. Por pouquíssimas vezes desviei-me do meu caminho escolhido, e mesmo quando o fiz, não foi suficientemente grave a ponto de trazer prejuízos à caminhada. 



'I choose a road when I was young... If I had a chance to go back now would I redeem my moral vows or would I repeat for my own laughter?'

'Eu escolhi uma estrada quando eu era jovem... Se eu tivesse a chance de voltar atrás, eu me redimiria de meus valores morais ou repetiria tudo apenas para minha diversão?'
("Sometimes", No Doubt)


Toda escolha implica em renúncias, eu sei. Eu renunciei a uma parte supostamente natural da vida para poder realizar meus ideais. Houve vezes em que sofri, não nego; porém, de uma maneira geral, fui feliz. Sinceramente, fui muito feliz. Encontrei prazer no que acredito ser correto sem precisar passar por todos os estágios. Queimei algumas etapas, mas foi benéfico, pois agora vejo que estou alcançando a linha de chegada ao mesmo tempo em que o restante das pessoas (estou sendo modesta? Há quem diga que alcancei primeiro).


"To be or not to be", obra de  Raceanu Mihai Adrian

Tenho me saído muito bem. Até agora tem sido fácil aguentar. As recompensas têm sido infinitamente maiores que os fardos. Entretanto, algo me desassossega: quem me garante que o futuro também será assim? Será que será sempre fácil? Nunca foi extremamente fácil, mas também nunca foi muito difícil. Continuará sendo assim? A tendência natural das coisas é que elas se tornem mais difíceis. Definitivamente, vai ficar mais difícil com o tempo. E no futuro, provavelmente não terei as compensações que tenho hoje. Então como é que vou conseguir manter a pose?

O ensaio está terminando, e logo vai começar o show. Chamariam-me disciplinada e diligente por eu ter levado o ensaio tão a sério, mas agora que chegou a hora de fazer as coisas de um jeito realmente sério, pergunto-me se não deveria ter sido um pouco mais relaxada.

Estou sendo testada. Não pode ser coincidência que estas oportunidades apareçam justamente no período mais propício para me arrepender de aproveitá-las (ou de recusá-las).

Mas quem é que falou em oportunidades? Elas existem mesmo, ou são só criação da minha imaginação? Quando se quer que algo aconteça, é possível criar as condições adequadas para que ela aconteça. Será que é isto que estou fazendo? Pensamento é matéria. 

A realidade é mesmo um pouco diferente da imaginação. Fico frustrada quando uma não corresponde à outra. 

Não tem jeito, há pouco a ser feito quando a possibilidade é mesmo negada. Se me fosse concedida, será que eu resistiria? Às vezes penso que a graça é ver até onde consigo me controlar... Talvez por isto há momentos em que costumo provocar a situação, só para ver até onde ela é capaz de ir. Nunca cheguei ao ponto em que meu autocontrole é verdadeiramente colocado em xeque. Mas será que consigo mesmo me controlar? Acho que nunca me vi diante do ápice, mas se ele chegasse, será que eu resistiria? Dizem que Deus não dá asas a cobras. Isto deve significar algo. 



'You push and shove... I take the bait... It's a risky business, gonna play it anyway'
("Push and shove", No Doubt)


O problema não é externo, ele vem de dentro. Embora os estímulos venham de fora, os impulsos e sensações residem em nós. Sou capaz de me defender de mim mesma? 

Estaria eu tentando testar a mim mesma? É evidente que estou passando por um momento crucial na vida de qualquer ser humano, e ele coincide com o advento destes questionamentos e destas sensações tortuosas. Seria tudo isto uma prova? Estou eu querendo saber se estou preparada para o futuro que me espera?

Seja lá o que for, é angustiante. Nunca fico satisfeita com a forma como as coisas se deslindam. Quando quero, não acontece. Quando acontece, não quero. Quando coincide de acontecer e eu querer, recuso-me a aceitar, e depois fico remoendo, pensando se deveria ter aceitado. Mas, por outro lado, se eu tivesse aceitado, também ficaria remoendo, arrependida. O que é mesmo que eu quero?

Eu me esforço para manter esta imagem, pois é o que ditam os meus princípios, e ainda há o bônus de eu parecer interessante. Mas, em razão disso, dessa obsessão por ser tão como sou, acabo me tornando uma versão exagerada de mim mesma. Em contrapartida, causo a reação planejada, mas não usufruo disso, pois o mesmo trunfo que atrai o desejado acaba também repelindo-o. Meu jeito de ser é minha ventura e meu infortúnio ao mesmo tempo.



'Às vezes escondo alguma coisa, como uma lâmpada atrás da sombra
E às vezes me pergunto por quê
É por que as luzes estão muito fortes?
Ou é porque meus olhos estão fechados demais?'

'Sometimes I hide somewhat
Like a bulb behind a shade
And sometimes I ask myself why
Is it 'cause the lights are too bright
Or because my eyes are closed too tight'
("Sometimes", No Doubt)


Tenho descoberto que, ao menos para mim, é mais difícil querer ser coerente do que efetivamente ser coerente. É em nome da coerência que não me permito mostrar algumas das minhas fraquezas. E a cada vez que me abstenho de evidenciá-las, perco a chance de saber como seria o processo de superar a fraqueza e conquistar a força, e de saber como eu seria vista quando me vissem tão exposta.

Eu poderia esquecer tudo isto e simplesmente fazer o que quer que sentisse vontade de fazer, mas e como ficariam todas as coisas em que acredito?, tudo que conquistei? Sou capaz de jogar tudo para o alto apenas para experimentar a sensação?, apenas para ver como seria? E se fosse, será que faria isso mesmo? Será que valeria a pena?

Vanglorio-me tanto da minha distinção, de ser diferente, de ter gostos e hábitos diferentes, mas no fim das contas, não sou melhor que ninguém. Critico as pessoas que afogam as mágoas e as alegrias no álcool, pois nesse mal não incorro, mas nem por isso sou superior, pois tenho também os meus maus costumes. Não sou muito diferente de ninguém. Julgo-me mais madura que os demais por me identificar com os ideais dos jovens de outrora, aqueles que se preocupavam com princípios e valores, mas hoje, na vida real, na minha vida, quando é hora de me impor e impostar a voz para gritar a verdade, sou covarde. Eu não teria peito para enfrentar a repressão à liberdade de expressão, ou para protestar contra um governo ditatorial. Considero-me tão nobre, mas são eles, os imbecis que eu critico, eles é que têm coragem de falar o que pensam e viver a vida do jeito que querem. São eles que dão a cara a tapa todos os dias, enquanto eu fico aqui me escondendo sob uma máscara que me exibe melhor do que realmente sou.

E estas reflexões só me vêm à mente porque está chegando ao fim o tempo em que ainda se pode errar. A era para a qual me preparei durante a vida toda está finalmente chegando. Saberei como me portar? Terei fôlego para continuar sendo o melhor de tudo que sempre fui, ou melhor ainda? Continuarei satisfeita e resignada por ser o que escolhi ser? 

Agora já não adianta reavaliar meus atos, porque não posso refazê-los, e também porque não há o menor sentido em tentar me arrepender, pois não há nada de que eu deva me arrepender. Estou orgulhosa de tudo que fiz, de como procedi, das sementes que lancei, dos frutos que colhi, e estou feliz em saber que há muitos outros frutos preciosos a serem colhidos. E danem-se estes ímpetos de agora. Amanhã eles não valerão mais nada.



"A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos."  

(Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes')

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

As tentações da proximidade do fim

Não é que seja difícil admitir certas coisas... O problema é o que fazer com elas depois que já se sabe que elas existem. 

Uma vez tendo confessado a mim mesma o sentimento, já aceitei, mas ainda não planejei muito bem como vou lidar com isso. Estou lúcida o bastante para entender que isto existe e que não é certo, mas não estou imune às perturbações que isto me causa. Agora não era o momento para isso... Estou ocupada demais para me ocupar de coisas que não vão levar a lugar nenhum.

A pior parte de tudo isso é que eu sei que não tem propósito nenhum. Não leva a nada, não tem serventia nenhuma agora e nem nunca vai ter. É sempre a mesma história: quando enfim me apercebo quão próximo está o fim, mais começo a divagar sobre as mil coisas que poderiam ser, e que ainda há tempo para serem. É como se um agente vilanesco agisse sobre minha mente apenas para atormentar, apenas para me fazer perder tempo com cálculos de possibilidades mirabolantes, como se tentasse me induzir a fazer coisas que não quero e não posso... Como se estivesse me testando.

Sempre passo no teste. Sei me controlar, sei me defender das investidas maliciosas. Mas não acho que eu passe no teste com louvor. A luta contra os impulsos não é intensa, mas existe. Não preciso fazer muito esforço para me desvencilhar das emboscadas, mas ainda assim, ao menos algum esforço sempre me é necessário. 

É isto que me deixa desarranjada. Estes sentimentos não deveriam existir. Eu não deveria estar sentindo nem ao menos este lasco de vontade de não resistir. Estou treinada o suficiente para não cair nas armadilhas, mas não o suficiente para não me sentir ao menos um pouco tentada. É uma fraqueza minha, e me incomoda muito.

O que me aborrece é a minha própria estupidez: por que desperdiço minha vida dedicando pensamentos a algo que só existe para me afligir? E, pior ainda: se sei que é efêmero, que vai passar depois, por que o durante é tão inquietante? Quando a oportunidade chega, eu digo não, e depois, passado algum tempo, logo me desligo disto, os sentimentos se vão e nunca mais voltam; até esqueço que um dia existiram. É sempre assim, e sempre será, então qual o sentido de me preocupar?

O problema é que o agora é o momento mais difícil de nossas vidas. O passado já passou, e o futuro sempre pode ser algo diferente daquilo que se espera ou almeja... Mas o presente, ah, este é complicado, por que não dá pra fugir dele: ou você o vive ou você o vive, não há outra opção. 

É sempre a mesma coisa comigo: depois que tudo passa, pode até parecer que foi fácil, mas enquanto está acontecendo, parece que não vai ter fim. 

É uma idiotice cogitar a possibilidade de fazer o que as circunstâncias estão instigando que eu faça, é ridículo até mesmo pensar nisto, falar sobre isto, escrever sobre isto agora. Contudo, quando eu escrevo, a sensação se ameniza, pois o problema fica menor, pequeno o suficiente para caber nestas letras que digito. É por isto que preciso tirar isto de dentro de mim: okay, eu confesso o que estou sentindo. Não tenho muito orgulho de me sentir assim, mas enfim, é o que é, o que posso fazer?, isto é o que sou, sou humana e, infelizmente, como disse Terêncio, nada humano me pode ser totalmente alheio.

É natural que eu esteja sujeita a este tipo de coisa, mas isto não quer dizer que devo negligenciar. Tenho plena consciência de que estes convites só me açoitam porque sei que devo recusá-los - certamente jamais me perturbariam se eu fosse o tipo de pessoa que os aceita. Sou forte e sou fiel às coisas em que acredito, embora provavelmente não sou tanto quanto penso - pois se fosse, não precisaria ser tentada. 

Mas eu não vou sucumbir. Não vou esmorecer, vou continuar lutando contra qualquer indício de insubordinação minha. Vou golpear estes ímpetos, por menores que eles sejam, não vou ter pena.

Tudo vai passar. Agora eu deixo de me dedicar ao que realmente importa para ficar imaginando tudo que ainda posso fazer enquanto o fim não chega... Mas um dia, o fim vai chegar, e quando o tempo passar, nenhuma dessas angústias vai significar nada. Sequer me lembrarei destas tolices que me importunam hoje, ou, quando eu me lembrar, rirei delas. E  o mais importante de tudo: quando o fim chegar e tudo isto passar, vou sentir orgulho e alívio por não ter deixado o impulso me vencer. Nada é mais importante que os nossos princípios. Eu nunca me arrependi de tê-los colocado em primeiro lugar, e não vai ser agora que isto vai acontecer.

domingo, 26 de agosto de 2012

Anseios de um pateta

Sempre quero mais do que tenho, e o pior, mais do que posso ter. Esta sou eu: nunca estou satisfeita. Tenho quase tudo e ainda quero mais. Se me derem o mundo, quererei mais um planeta. 

É ridículo admitir que eu quero isto agora, mas a verdade é que eu quero. Eu nem preciso... Mas quero. Nem precisaria acontecer, bastaria que fosse possível.

As possibilidades me afligem e me encantam. Quase nunca estou a par delas, e isto me reconforta, pois não conhecê-las sempre pode significar que elas podem ser como quero que sejam. É torturante ignorar o que se passa fora de mim; todavia, por outro lado, é uma delícia, pois a incerteza nunca é a certeza do 'não': é sempre a probabilidade do 'sim'. 

Sinto-me frívola por despender tempo e energia querendo o que quero. É uma bobagem, não faz sentido, jamais poderia se concretizar, mas é o que sinto: quero, quero mesmo que abstratamente. E sou ridícula, porque certamente, se eu conseguisse o abstrato, passaria a querer o concreto.

Esta sou eu. Meu problema é ser feliz demais. Estou sempre sendo agraciada com bênçãos e presentes da vida, mas nem assim minha mente escapa das perambulações sobre o resto das coisas que ainda não tenho. 

E o pior de tudo isto é que geralmente não me sinto atraída por coisas tão substanciais quanto as que já possuo. Sou tão abençoada, quase nada em minha vida é superficial, tenho tudo de melhor, sólido e verdadeiro... Meus olhos não deveriam brilhar ao avistarem coisas menores do que as minhas próprias. Sou mal acostumada, isto é um fato; e sou tola, e vou pagar caro por isto, pois estou desvirtuando a ordem das coisas. Se Deus me dá sempre tantas joias, certamente não é para que eu perca tempo desejando bijuterias. Eu deveria me colocar no meu lugar e fazer bom uso do que tenho.

Está mais do que claro que o mais inteligente para mim é me regozijar com o que tenho, em vez de querer sempre mais, pois a verdade é que eu já tenho demais. Está tão claro que não vejo. E se eu tivesse ao menos um mínimo de bom senso, já teria parado de olhar para os lados e desejar o que não mereço (pois se eu merecesse, já teria recebido). É que o devo fazer: ser feliz com o que tenho, e extrair bom proveito do que tenho, antes que até mesmo isto seja tirado de mim. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Tempo, tempo, tempo, tempo...

"Por seres tão inventivo e pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo

És um dos deuses mais lindos..."
('Oração ao tempo', Caetano Veloso)



Imagem extraída da página do site
Musicoteca no Facebook
Há alguns atrás (não muitos, talvez uns três ou quatro), lembro-me de ouvir uma matéria em um programa de rádio na qual se dizia que, pelo número de títulos e medalhas, o Brasil já deveria ser considerado o país do voleibol, em vez de continuar sendo chamado de "país do futebol". Poucos anos (como eu disse) se passaram até o dia 07 de agosto de 2012, dia fatídico em que a seleção feminina de voleibol reinou absoluta em um eletrizante jogo contra a equipe russa nas Olimpíadas de Londres. A imagem que ilustra este parágrafo foi postada simultaneamente à transmissão do jogo na TV, com a legenda: "Brasil, o país do vôlei". Em todas as redes sociais, manifestos emocionados de quem torcia pelas meninas do Brasil. Apenas quatro dias depois, elas venceram os Estados Unidos na grande final e sagraram-se medalhistas de ouro, ocasião que ensejou uma enxurrada de mensagens e ilustrações nos blogs e Facebooks (enxurrada esta que eu endossei, confesso) nas quais todos se orgulhavam em afirmar que "vivem no país do vôlei". 

"Os anos dourados do futebol já vão longe", "a época do futebol já se passou", "já deram tudo que tinham pra dar", "agora é a vez do MMA, das lutas, do vôlei"... Tenho ouvido muito isso ultimamente. Francamente, dou o maior apoio. O futebol como esporte, em tese, tem muito a ensinar sobre cooperação, união, cumplicidade e atuação em equipe... Mas, infelizmente, na prática, está perdendo muito deste encanto. Nada tenho de ruim a dizer sobre o desempenho da seleção masculina nas Olimpíadas; porém, seria maravilhoso se começássemos a reconhecer o brilho de outros esportes e fazer-nos notar perante o mundo em razão de outros atletas.

Eu poderia citar razões pelas quais o voleibol, as artes marciais ou até mesmo outros esportes mereceriam destronar o futebol desta hegemonia, mas não vêm ao caso, a discussão não é esta. O assunto no qual realmente fico pensando em virtude disso tudo é sobre a concepção de mundo que as futuras gerações terão, e de que como esta transição supostamente lenta tem culminado bem diante de nossos olhos.

Minha geração pode ter sido a última a receber ordens dos pais sobre hora para chegar em casa, uma das últimas a enxergar o Brasil como o país do futebol e do samba, uma das últimas a ver a homossexualidade ou mesmo a sexualidade livre como tabu, e definitivamente foi a última que aprendeu na escola que Plutão é um planeta e que o Brasil nunca teve uma presidente do sexo feminino e os EUA nunca tiveram um presidente negro.

Eu me sinto velha quando digo a um conhecido que a geração de seu filho, que tem menos de 10 anos de idade, não vai mais conseguir qualquer tipo de emprego sem ter estudado; mas é a verdade.   Parece que fiz parte de uma era que durou muito tempo mas já passou há muito tempo. Da mesma forma, reluto em aceitar quando um conhecido, que tem a mesma idade que eu, diz a mim que quando seus filhos forem adolescentes poderão trazer namorados(as) para dormir em sua casa sem o menor problema; o resquício de conservadorismo que há em mim exclama que não, que não deixarei, que é preciso manter um mínimo de respeito à família que habita aquela casa... Mas será mesmo que isto constituirá falta de respeito daqui alguns anos? 

Imagino que daqui alguns anos - apesar de eu me considerar flexível, aberta às mudanças e receptiva às novidades - manterei a maioria dos princípios morais que abrigo hoje. Todavia, o que me deixa intrigada é o seguinte: até onde vai a linha que separa a conservação dos próprios ideais e a resistência em aceitar que o mundo simplesmente muda? Ao manter-me fiel a tudo que aprendi e sempre acreditei, até que ponto estou sendo prudente e sensata?, e até que ponto estou apenas teimando em abrir minha cabeça para aceitar as transformações pelas quais a sociedade passa?


Obra "Past, present, future", de Tito Salomoni

Noto que em alguns livros didáticos atuais há uma menção, no capítulo que narra a ida do homem à Lua, sobre a possibilidade de tudo ter sido uma grande armação dos Estados Unidos para poder intimidar a União Soviética. Rio quando penso sobre isso. Trata-se de uma hipótese totalmente inconcebível de ser discutida em sala de aula quando eu tive idade de estudar sobre isso. Isso faz com que eu me pergunte se é melhor aprender as verdades impostas e preestabelecidas para depois, já com maturidade e senso crítico, questioná-las e "desaprender" tudo, ou se é melhor mesmo aprender sobre a realidade e as possibilidades desde o início. 

Há uma porção de coisas que sabemos que não precisam ser levadas à risca mas que devemos achar que sim para que o mundo continue a girar. "Você não deve mentir nunca", "se não comer bem, nunca vai crescer", "se não estudar, nunca vai ser alguém na vida"... Não são verdades absolutas, não é exatamente assim que a vida funciona; mas, se desde a infância não aprendermos que estes mandamentos são inquestionáveis, será que  assimilaríamos ao menos um pouco estas lições? 

Eu dediquei uma vida inteira aos livros, e ao fim do Ensino Médio, vi vários colegas que passaram toda a adolescência trocando os estudos pelas aventuras passando no vestibular assim como eu. Será que eu teria me dedicado tanto se soubesse que seria capaz de conseguir isso sem o menor esforço? E, pior ainda: será que teria mesmo conseguido? Provavelmente não, pois não é assim que as coisas se dão comigo. Porém, não posso deixar de me questionar: como vou ensinar a meus filhos que algumas coisas realmente são como dizem que são e outras não?

Os tempos mudam, as ideias mudam. Não gosto de dizer que "evoluem", pois não posso afirmar que as coisas mudam sempre para melhor; e a menos que estejamos falando de moral, "evolução" para mim vai ser quase sempre um termo preconceituoso. O evolucionismo social (ou "darwinismo social") supostamente restou superado no século antepassado, mas me parece que ainda há muito dele arraigado na mentalidade das pessoas. Não suporto esta ideia de "o Brasil está atrasado, quando vai ser desenvolvido como os Estados Unidos?". Ora, desenvolvido em que aspecto? Certamente aqui a distribuição de renda é pior e o acesso à educação e à tecnologia também, mas se isto significa atraso, então por que as pesquisas sempre nos apontam como o povo mais feliz do mundo? Será que somos tão idiotas a ponto de sermos felizes sem motivo? O erro não está em nós: o erro é o parâmetro. Qualquer um hoje em dia vive com mais posses e lazeres que Jesus viveu ao seu tempo, porém, até hoje ninguém nunca teve moral mais elevada que Ele. E aí, o que é ser evoluído então!?

Não posso aceitar que tachem algo ou alguém de atrasado ou mal desenvolvido tomando como parâmetro algo cujos valores são questionáveis... Contudo, também não posso viver eternamente presa aos conceitos do passado. Já fui vítima disso, já fui prejudicada pela tirania de quem se recusa a repensar ideias velhas, e já testemunhei como é triste estar fechado para as coisas novas. E é triste não somente pela perda de oportunidades e pelo desperdício de prazer que a hodiernidade pode proporcionar, mas também pelo sentimento de impotência perante a dependência de algo que não tem mais lugar no mundo. 

Não é uma questão de aderir aos modismos, é uma questão de entender que certas coisas simplesmente ultrapassam outras. Muitas convenções não conseguem resistir ao passar do tempo, pois não são capazes de manter uma existência isolada das concepções novas que tomam seu lugar na sociedade. 

De uma forma ou de outra, acabo concluindo que não dá pra fugir muito da moda. Ao fazermos nossas escolhas e escolhermos nossas opções, mesmo que insistamos em não sucumbir às tendências momentâneas, é certo que a grande maioria de nós escolheremos por algo que seja pelo menos aceitável pelas pessoas de nossa época - talvez não algo popular, amado e idolatrado, mas no mínimo aceitável. Muitos conseguem, com muito ou nenhum esforço, ficar imunes às febres do momento; mas mesmo estes dubitavelmente optarão pelo arcaico. É fácil encontrar quem não se deixe afetar pela pressão capitalista de obter o modelo mais recente e moderno de celular, mas duvido que seja possível encontrar quem ainda opte pelo telegrama.

Enquanto escrevo, ouço a canção de um jovem cantor e aclamada "promessa da MPB", Leo Cavalcanti. A alguém que se nega a aceitar opiniões diferentes, ele canta: "Se você pensa que sabe tudo, que tudo que percebe é real, talvez lhe falte entender que o mundo é bem maior que o seu ideal"... A esta pessoa que "teima em se paralisar, para se defender e dormir na ilusão", ele adverte: "só julgar não leva a lugar nenhum". E atreve-se a dar lição de moral: "Os seus conceitos já não servem mais, pois toda teoria se desfaz". Considero esta canção como uma nova "Como nossos pais", uma versão atual e mais direta desta famosa canção de Belchior que vem nos lembrar que "o novo sempre vem"; uma verdadeira bronca às gerações antigas que recusam-se a ter fé na geração atual, ou pior ainda: que recusam-se a sequer darem ouvidos ao que ela tem a dizer.


Recentemente tenho escutado vários artistas jovens, novos nomes da música popular brasileira que não fazem questão de buscar fama, vender milhões de discos ou ter suas canções tocando nas FMs; nomes pouco conhecidos como Marina Wisnik, Danielle Cavallon, Thaís Gulin, Marya Bravo, Blubell, Estrela Ruiz e Téo Leminski, Rhaissa Bittar, Matheus von Kruger, Rômulo Fróes, Pipo Pegoraro, Arthur Nogueira, Ana Clara Horta, Lívia Rodrigues, Felipe Cordeiro, Qinho, 5aSeco,  Pélico, Gisele de Santi, Letuce, Marco Vilane, e o próprio Leo Cavalcanti (não posso deixar de mencionar que conheci boa parte destes talentos através do site Musicoteca, o qual adoro e recomendo). Esta é a chamada "nova MPB". Já li algumas reportagens que descrevem esta nova geração como "fortemente inspirada na Tropicália". 


"Uma revolução vem acontecendo na música brasileira, e sampleando as palavras de Raul Seixas, “não dá no rádio nem está nas bancas de jornais…”.
Desde que a chamada mpb viveu seus dias de glória, lá nos anos 60/70, nunca se viu e ouviu tantos bons e diferentes artistas surgidos numa mesma safra. Mas mpb talvez não seja exatamente o caso aqui…


Afinal, o termo significa música popular brasileira e costuma ser usado por dois grupo distintos em duas situações diferentes para rotular a mesma música: ou é engajada, panfletária e politizada, a ‘música cabeça’ tocada e retocada em bares da Vila Madalena; ou é romântica, brega e dançante, a ‘música alienada’ que toca nas rádios e vende milhões de discos.

E essa nova música brasileira não se encaixa em nenhuma dessas situações."

Fragmento da matéria "MPB 2.0", por Fábio Bridges (fonte: http://pequenosclassicosperdidos.wordpress.com/category/mpb-2-0/)


Vários outros nomes desta "nova MPB" têm alcançado relativo sucesso: Karina Buhr, Tiê, Lia Sophia, Bárbara Eugênia, Céu, entre outros, sendo que Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci são os expoentes desta geração, e também os casos mais famosos. Não deve ter sido coincidência que eu tenha encontrado justamente entre os comentários de um vídeo destes dois artistas (o vídeo da belíssima canção "Dia a dia, lado a lado") no Youtube um manifesto que expressa um pouco do que penso, o qual reproduzirei na íntegra:

"Muita gente besta fala que as musicas antigas eram boas e as atuais são ruins. Errado. O acesso às musicas boas antigamente era melhor. Se ouvia musica boa nas rádios, na TV (festivais)... hj em dia as rádios e as TVs estão em maior parte infestada por porcaria. As músicas boas de hoje é só pra quem procura, especialmente pela internet. Na TV não vejo Jeneci, Tulipa, Vanessa da Mata, Luisa Maita, Céu, Tiê, Roberta Sá... geração maravilhosa dos tempos atuais."
(Lucas P. Souza)

Discordo que as grandes mídias atualmente estejam completamente dominadas por entretenimento de má qualidade; entretanto, opiniões à parte, o ponto é este: enquanto muitos de nós repudiamos o novo ou mesmo acreditamos que ele não existe e que a única salvação é "viver de passado", há muita gente por aí trabalhando e construindo um milhão de coisas que podem nos provar o contrário. Talvez só não estejamos sabendo olhar para o lado certo... 

É difícil conciliar o "bom e velho" com o "doce novo". O bom senso poderia ser a solução, a chave para identificar o que deve ser rejeitado e o que deve ser aceito, mas ter bom senso é igualmente difícil.

Em "Tempos modernos" (eis um exemplo de clássico que não precisa ser abandonado), Lulu Santos canta: "Eu vejo um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera, com habilidade pra dizer mais 'sim' do que 'não'"... É tão adorável esta esperança. A obra de Lulu sempre me agradou, e pensar que ele cantou isso em 1982 me faz admirá-lo ainda mais. Ele foi de uma época que se sentiu usurpada por todos os 'nãos' que recebia: dos pais, do Estado. Esta geração entendeu por bem que deveria dizer somente 'sim' aos seus filhos, e em razão disso, boa parte da minha geração cresceu sem limites e vazia de ideais. Isto não tira o mérito das intenções de Lulu, Cazuza e todos os ídolos e heróis daquele tempo, mas também não prova que o melhor está sempre por vir e que a geração futura sempre saberá aprender com os erros do passado.

A verdade é que ninguém tem a receita. Ninguém sabe dosar muito bem as coisas. Todos achamos que saberemos fazer o que é certo quando chegar a nossa hora de fazer; e de fato, plantamos com a maior boa vontade, mas na hora de colher os frutos, sempre sentimos que poderia ter sido melhor. Porque a verdade é que sempre pode ser melhor, e só não é porque nós não somos melhores. Somos imperfeitos, e isto não é de todo anormal, porque somos humanos. A verdade é que somos todos tão humanos, tão iguais, tão errantes, e ao mesmo passo em que tudo muda tanto e tão rápido, quase nada muda. Ainda citando Lulu Santos: "Assim caminha a humanidade, em passos de formiga e sem vontade"... Em suma, tantos detalhes se alteram, a mentalidade das pessoas se transforma, mas somos todos ainda muito obstinados e ignorantes em tantos aspectos...

Lembro-me de Caetano Veloso, que semana passada completou 7o anos de idade, participando do programa "Altas Horas" em janeiro deste ano, e sendo questionado por um garoto (que não devia ter mais que 15 anos de idade) acerca de sua opinião sobre o grupo Restart e a atual condição da música produzida para a juventude contemporânea. O garoto obviamente esperava que Caetano, com toda a autoridade de quem desafiou os padrões do governo ditatorial militar com sua música revolucionária e postura ousada e corajosa nos anos 60, condenasse os jovens da atualidade. Mas Caetano foi sábio e respondeu que o que os cantores de hoje em dia fazem não é muito diferente do que os tropicalistas fizeram à sua época: cada um está em sua época, em seu lugar, em seu contexto. Entendi ele querendo dizer que não se pode esperar das pessoas as mesmas atitudes de outras que viveram outro contexto. Caetano disse ainda que o garoto estava tentando criar uma nostalgia que não existe, em vez de viver o seu próprio tempo.
Tela de Fátima Marques, "O sentido da vida, o tempo"

É verdade mesmo. Cada tempo tem sua magia e é perda de tempo perder tempo perdendo o tempo... Eu nasci no país do futebol, mas vai ser legal se meus filhos nascerem no país do vôlei. E mais legal ainda é eu estar aqui, vivendo o agora, presenciando esta transição.

Mais uma vez, sou obrigada a invocar Leo Cavalcanti, desta vez pela canção "Dentro", na qual ele, com toda a sabedoria de seus poucos anos de vida, repreende-nos: "A hora é agora e aqui". Até porque "não há tempo que volte" (pela terceira vez, faço minhas as palavras de Lulu Santos), então o jeito é mesmo "viver tudo que há pra viver", e com isso, nós vamos achando nosso jeito. Passado e presente, ideias novas e velhas, tradições e novidades... Aos poucos, vamos assimilando tudo. Um pouco de cada vez. Nem é sensato exigir que sejamos suficientemente sábios para saber tudo que é certo o tempo inteiro. Não somos perfeitos, falta-nos muito. O importante é tentar, e ter boas intenções, é claro; pois ainda que as consequências não sejam tão boas quanto planejamos, não vai haver culpa se a intenção inicial tiver sido boa.

As coisas sempre vão mudar, mudam o tempo inteiro, e estão mudando agora mesmo, diante de nossos olhos, debaixo de nosso nariz. Contudo, não há motivo para se desesperar! Não é o fim do mundo, é só o fim do mundo como o conhecemos (e aqui eu aludo à famosa canção do R.E.M.), para o nascimento de outros novos. Novos mundos, novas visões, novas coisas, novas concepções. 

Questionar a utilidade do passado, duvidar da capacidade do futuro, o que for: perder tempo com isso não tem o menor sentido a menos que se guarde um propósito verdadeiro de fazer alguma coisa boa para deixar aos que virão depois de nós. O que importa, no fim das contas, é querer contribuir. Porque se o plano é apenas viver a vida como se não houvesse amanhã, sem pensar no amanhã, não faz diferença se você está de acordo com o ontem ou com o hoje. 





Todo mundo continua a viver dos seus desejos

Mas os olhos buscam fora o que só se encontra dentro
Ah, e você ainda diz que as circunstâncias não te deixam ser feliz...

Vá tomar as rédeas de si, em vez de querer ir pra outro lugar
A hora é agora e aqui
Chega de brigar com o seu existir

Todo mundo tem conflitos, pra saber dos seus prazeres

Pois a mente se apavora com o amor e os seus deveres


Ah, pare de mentir que não acredita que é possível ser feliz

Vá tomar as rédeas de si, em vez de querer ir pra outro lugar
A hora é agora e aqui
Chega de brigar com o seu existir

Absorvendo a beleza do mundo

Há coisas que realmente não podem ser levadas conosco dentro do caixão quando morremos; e mesmo para as próximas vidas, algumas coisas simplesmente não podem ser levadas. 

Então, o que fazer com toda a beleza do mundo? Onde fica tudo de belo e incrível que absorvemos das paisagens, das boas músicas, dos bons livros? O que fazer com tudo isso? 

Sei que nada é por acaso. Algumas manifestações não passam do exercício da liberdade de expressão de pessoas que não têm muito a acrescentar ao mundo; outrossim, algumas belezas nada mais são que um demonstrativo da perfeição de Deus... Porém, há coisas que realmente nos tocam de tal forma que tornam muito difícil acreditar que não se destinam a um propósito maior.

Qual o sentido de apreciar a graça, o sentimento, a genialidade? De que forma estas impressões arquivam-se em nosso perispírito? O que faço com toda a beleza do mundo? Como a armazeno em minha alma? Eu quero entender. 

Vejamos.

- León Denis, no livro "O Espiritismo na arte", afirma que "a arte é, por si mesma, plena de ensinamentos, de revelações, de luz. Ela arrasta a alma em direção às regiões da vida espiritual, que é a verdadeira vida, e que a alma anseia tornar a encontrar um dia".
- Emmanuel, no livro "Roteiro" (psicografia de Chico Xavier), afirma que "nossos impulsos, emoções, paixões e virtudes" "se expressam fielmente" em nosso perispírito. 
- Manoel Philomeno de Miranda, no livro "Temas da vida e da morte" (psicografia de Divaldo Pereira Franco), afirma que "todo elemento irradia vibrações que lhe tipificam a espécie e respondem pela sua constituição", e ainda, que "saúde e enfermidade, beleza e feiúra, altura e pequenez, agilidade e retardamento, como outras expressões da vida física, procedem do Espírito que vem recompor e aumentar os valores bem ou mal utilizados nas existências pretéritas". 


A beleza das coisas seria, portanto, algo como uma forma de contágio, uma mensagem em código que, uma vez assimilada, atua como transmissora de vibrações, vibrações estas que se imprimem em nosso perispírito e, por conseguinte, moldam nossa constituição e são doravante levadas conosco. O amor, o carinho, a tristeza, a decepção, ou mesmo o ódio ou a raiva: são vibrações codificadas por meio de palavras, acordes, melodias, cores ou nuances, e que chegam até nós por meio da arte de quem as emite. Apreciada a arte, está feita a transferência, e a vibração chega até nós, ainda que não nos apercebamos. 

A emoção e o pensamento são matéria (ainda que muito diferente da matéria física, concreta, que conhecemos), constituem energia, e... 

Imagem também extraída do site
http://www.espirito.org.br/portal/palestras/carlos-parchen/
pensamento/pensamento.html
"O ser humano absorve energias das mais diversas, de forma automática, e as metaboliza em sua estrutura energética, que o espiritismo denomina de perispírito. Essa absorção e metabolização, faz parte normal do funcionamento do complexo humano, ocorrendo de maneira automática, ou seja, é um processo inconsciente ou transparente, numa linguagem mais moderna, que ocorre independente da percepção ou decisão voluntária da pessoa." (Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/palestras/carlos-parchen/pensamento/pensamento.html).

É uma explicação simplória para um tema complexo, que merece estudo mais aprofundado; mas, por ora, é suficiente para chegar a uma conclusão: a essência por trás das coisas não se perde.  



"Longe, lá de longe

De onde toda a beleza do mundo se esconde
Mande para ontem uma voz que se expanda e suspenda esse instante..."
('Lá de longe', Tribalistas)

Birra de criança

"Quando você passar por momentos difíceis e se perguntar onde estará Deus, lembre-se de que durante uma prova, o professor está em silêncio." 
(Aline Barros)


A postura do ser humano perante Deus tende a ser bastante egoísta - e tão mais egoísta quanto menor é a crença ou a noção de Deus, ou, aceitando a sugestão da inteligentemente elaborada primeira pergunta do Livro dos Espíritos, a noção de "que é Deus" (não "o que", nem "quem", mas "que").

Sempre demandamos d'Ele respostas para tudo, atendimento a todos os nossos pedidos, fazendo exigências em uma intensidade inversamente proporcional à nossa disposição em buscar entender como Ele opera e como se dá a sua Justiça, tão estúpidos quanto alguém que compra um aparelho eletrônico na esperança de que ele resolva automaticamente nossas necessidades, mas sem, no entanto, querer entender como ele funciona e como devemos manejá-lo.  

Não consultamos Deus quando tomamos decisões, mas gritamos com Ele quando é hora de sofrer as consequências, queixando-nos da sua suposta ausência, clamando por sinais, reclamando da sua demora em nos atender, como apaixonados ignorantes que tentam conseguir o que querem por meio da ameaça de terminar o relacionamento. Ridículos. A relação com Deus não é um trato. Com Deus não se barganha; não é possível chantageá-lo. A Justiça Divina existe e atua em nossas vidas independentemente de nossa (i)maturidade e nosso (des)conhecimento dela. Se escolhemos deixar de confiar em Deus, quem perde somos só nós. 


"Em momento algum deixa de confiar nos desígnios de Deus.

Não te encontras à deriva, apesar de supores que o rumo para a felicidade perdeu-se em definitivo.
A ausência aparente de respostas diretas aos teus apelos e necessidades faz parte de uma programática para o teu bem."
(Fragmento da mensagem 'Os desígnios de Deus', de Joanna de Ângelis, e psicografada por Divaldo P. Franco)

domingo, 12 de agosto de 2012

Cabeça cheia

Eu poderia - aliás, eu deveria - estar me ocupando das obrigações típicas de qualquer pessoa que se encontra em minha condição, mas em vez disso, escolhi estar aqui e escrever. Não é raro sentir o que sinto neste exato momento... Pelo contrário, são inúmeras as ocasiões em que sou assaltada por esta torrente de ideias, esta avalanche de pensamentos, e preciso, preciso colocar para fora; mais que isso, preciso expressar tudo que penso de uma maneira clara e bonita, pois também me realizo em planejar o encanto com que as ideias tomam forma, e comprazo-me em saber que, uma vez acabada a criação, estará ali para quem quiser ler, e vai dizer o que a pessoa quiser ou souber ouvir. 

"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir", disse Pessoa no Livro do Desassossego. Mas não é só isso. Não é só terapia. É em parte a respeito de mim mesma, e em parte a respeito de para quem tudo isto se destina. Para quem tudo isto se destina? Não sei dizer ao certo. Mas se o que eu escrevo algum dia servir a alguém, sentirei que o escrito cumpriu uma de suas finalidades - sei que é a mais importante de todas, mas, egoísta como sou, a que mais me interessa é a hedonista, é a delícia de ter feito, é a satisfação de ver que saiu de mim e agora é algo, e está ali, como uma extensão de mim, bem acabado e rico em conteúdo, como um 'eu' ambulante. 

Eu me deleito com isto, mas a sensação não me cega: sei que há algo maior, ou pelo menos sei que pode haver. Que deve haver. Caso contrário, não me seriam cedidas tantas oportunidades. Eu sei que pode parecer pretensão, tenho consciência de que não sou nenhuma mensageira, não trago comigo nenhum recado de Deus para a humanidade; mas então, por que tantas ideias, por que esta cabeça sempre cheia de coisas, por que a necessidade de falar? Deve haver alguém que precise ouvir.

"Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele." São, novamente, palavras de Fernando Pessoa, mas bem que poderiam ser minhas. Por que não é possível que tudo isto seja para nada.

A minha formação humanística faz de mim este ser que pensa demais, embora de fato pense pouco. Não sou dinâmica, meu cérebro é lento, mas está sempre repleto, não consigo me lembrar de nenhum segundo da minha vida em que eu não estivesse pensando em nada. A filosofia nos deixa loucos porque nos impossibilita aceitar as coisas como são, simplesmente viver a vida como se a vida fosse feita somente para viver. Estamos sempre pensando, pensando, maquinando, mil possibilidades, mil coisas, e se?, relações de istos com aquilos, o passado vem e volta, como páginas de um álbum de fotografias, e enquanto isto o presente está lá fora, e está se esvaindo.

E o déficit de atenção torna o fardo mais pesado. Pessoa me descreve novamente: "Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre". São oportunidades demais, existem coisas demais, o mundo é muito, simplesmente muito para mim. Como posso descansar enquanto há um universo de coisas a serem descobertas? Como posso impor algum sossego à minha mente se sei que lá fora existe um milhão de coisas que podem me interessar? 

Pensar demais é uma obsessão, é fruto de muita ansiedade, eu sei. E por quê? Tanta atividade mental, cansa tanto, e para quê? É certo que das perguntas convenientes brotam as respostas que vêm a salvar as pessoas, mas se tantas perguntas só levam a mais novas perguntas, preenchendo todo o nosso tempo com tanto pensar, então pra quê? Quando haverá um intervalo? Os raciocínios nos conduzem às conclusões, mas cada conclusão nada mais é que uma porta para novas linhas de raciocínios, então quando é que tudo isso termina? Estamos sempre nos perguntando, sempre pensando, as possibilidades nunca se encerram.

E eu nem sou grande coisa, e eu nem sou ninguém. Imagino se os verdadeiros gênios da história algum dia conseguiram dormir em tranquilidade.

Eu só preciso manter a calma e a sensatez para extrair alguma lógica e algum propósito de tudo isso que me acomete. Já aconteceu algumas vezes e pode acontecer de novo: mesmo a mais absurda das sugestões pode dar ensejo a algo bom, e qualquer coisa boa, por menor que seja, pode fazer bem a alguém. E se é apto a fazer o bem, talvez não me faça tão mal assim.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Escolhas humanas e sinais de Deus


Às vezes penso se estou sabendo interpretar os sinais de Deus... O que é que Ele reserva para mim? Eu poderia ter uma noção da resposta interpretando as oportunidades que Ele vem me dando, mas será que minhas interpretações estão corretas?


Até hoje, em toda minha vida, tenho recebido sempre mais do que aquilo que me preparo para receber. O que será que isto quer dizer?

A quem me vê ou convive comigo pode parecer que sou metida, ou patricinha, mas a verdade é que sempre pedi muito pouco à vida. Sempre tive o melhor, mas nem é porque pedia, as coisas é que sempre chegam a mim... Estou sempre me preparando psicologicamente para o mediano, o simplesmente satisfatório, o contentar-me com pouco... No entanto, sempre me vem o melhor, o incrível. Às vezes me sinto culpada por obter tantas coisas boas; às vezes, porém, sinto-me atormentada com a possibilidade de tudo isto significar que os meus sonhos e desejos mais profundos podem tornar-se realidade, a despeito dos planos modestos e realistas que eu faço para minha vida. E se não for isso? Ou se não for sempre assim? E se a tendência for piorar? Eu não quero me iludir.

Não tenho me permitido ter muitos sonhos, tenho preferido planos, pois são mais palpáveis, mais realistas, mais possíveis. Eu consigo me imaginar sendo feliz vivendo esta realidade planejada, e tenho trabalhado desde já para concretizá-la – e, de fato, Deus tem permitido que tudo isso dê certo. Porém, vez ou outra, percebo algum indício de que há probabilidades certeiras de os sonhos também poderem acontecer. Então como interpretar estes sinais? Como pode haver compatibilidade entre a realidade e a fantasia?

Há quem diga que eu devo voar, que sou jovem e devo explorar as possibilidades da vida enquanto posso, mas eu não quero voar, eu gosto de sentir os pés no chão – e mesmo que eu quisesse, não posso voar, pois por incrível que pareça, tenho várias coisas que me prendem ao mundo real. Sou mesmo muito jovem, e sou livre; aparentemente, não tenho nenhum vínculo sério com nada que possa me cercear; mas a verdade é que tenho impedimentos de ordem moral, fiz compromissos com Deus, e quero e preciso cumpri-los. Viver os meus sonhos despertaria em mim as sensações que eu insisto em manter adormecidas, e me mostraria uma felicidade diferente (não melhor, mas definitivamente diferente) da que já conheço, mas no fundo, sinceramente, sinto que não seria feliz deixando estes compromissos para trás, até porque são compromissos que assumi por amor e não por obrigação ou imposição.

Eu não sei como tudo isso vai ficar, não sei muito bem o que esperar do futuro. As pessoas que acompanham a minha trajetória depositam grandes expectativas em mim, e todas esperam que eu faça grandes coisas e seja notável, e todas apostariam tudo que eu terei um futuro brilhante. Eu me sinto lisonjeada por gozar de tanta confiança, pois tamanha credibilidade sempre me trouxe muitas vantagens; mas, francamente, creio que não sei muito bem como lidarei com tudo isso quando eu finalmente der um rumo à minha vida, pois quando isso acontecer, pode ser que eu decepcione muita gente. Eu não quero me sentir obrigada a alcançar determinadas coisas apenas para satisfazer às esperanças alheias, mas por outro lado, também não sei se terei ânimo para ficar o tempo todo justificando aos outros as minhas escolhas.

Os meus ideais, valores e objetivos são bastante diferentes daquilo que as pessoas esperam de mim, e ao mesmo tempo em que eu não quero abrir mão do que sou apenas para agradá-las, também quero ser admirada, elogiada, ser reconhecida, e acho que isso não será possível se eu resolver fazer tudo diferente do jeito que me ensinaram, de tudo que querem de mim.

Estou certa de que não quero que me privem da chance de fazer minhas próprias escolhas, mas não é só isso: ademais, não estou muito certa de que estas escolhas que fiz, faço e seguirei fazendo, refletem aquilo que sou e almejo, ou refletem simplesmente o meu medo de não conseguir ser mais que isso.

Como eu disse, muitas pessoas fazem planos para mim, mas não estão interessadas em saber o que eu penso de tudo isso. Provavelmente, se souberem, vão pensar que espero muito pouco da vida, que tenho ambições muito pequenas e que poderia conseguir muito mais. Não posso concordar com estas pessoas: eu me considero ambiciosa, só não espero demais fora daquilo que me parece mais possível. Só espero demais dentro das minhas próprias possibilidades atuais. Não costumo desejar além das limitações. E a verdade é que não sei se me restrinjo a ficar satisfeita com o pouco que tenho porque realmente sou feliz com isto ou se porque não acredito que posso ter mais.

Não sou frustrada, não questiono minha felicidade. O que questiono é a razão de eu me sentir feliz com a vida que tenho. Tenho certeza de que conseguirei ser feliz ainda que não alcance na vida algo muito maior do que já tenho hoje; só não tenho certeza de que me sinto assim porque isto é mesmo verdade ou se esta forma de sentir é um mecanismo de defesa para evitar que eu sofra caso nunca consiga ir mais longe. Não posso garantir a mim mesma de que me sinto assim porque o pouco que tenho é suficiente, ou se é porque não acredito que algum dia eu possa ter mais.

Eu costumo pensar que o estado de contentamento requer muita atenção de nossa parte, pois muitas vezes a ideia de que ‘tudo está satisfatório’ pode ser mero truque para disfarçar o medo de alçar vôos mais altos. É muito tênue a linha que separa a  insegurança da acomodação justificável. Não acho nem um pouco errado ser feliz com aquilo que se tem; porém, a negligência ao deixar de identificar a possibilidade de conquistar além do já conquistado pode trazer alguns arrependimentos.

De qualquer maneira, o que sei é que tenho levado a vida sempre com muita cautela, e acho que isso é bom. Não sou de me deixar levar, sou mais de agendas e cálculos do que de saltar em queda livre rumo ao desconhecido, e até agora tem sido bom, tem dado certo, porque por mais que estas dúvidas e ânsias me aflijam, quando eu coloco todas estas emoções no papel e depois volto para a minha vida, não levo comigo nenhuma sensação ruim. Minha rotina é boa, minha vida é boa, tenho pessoas maravilhosas ao meu lado e vários projetos convenientes encaminhados. No fim do dia, eu me sinto feliz, e isto é inevitável, não é algo de que eu precise me convencer.

Como eu mesma reconheci, toda vez que obtenho mais do que aquilo que espero, é sempre de uma forma mais ou menos inesperada. Então para quê me perturbar? Inevitavelmente tudo será sempre bom, no mínimo bom, e na melhor das hipóteses, será ótimo. Então não há por que sofrer. Deus tem o melhor para mim, e se eu ainda não sei qual é esse melhor, não importa, pois devo me ocupar construindo aquilo que eu imagino que seja. Eu confio em Deus, e quem confia não precisa se dar o trabalho de sofrer por antecipação ou perder tempo com pressuposições.

Pode ser que algo muito maior esteja esperando por mim, pode ser que meu futuro seja um pouco diferente daquilo que eu venho aguardando e trabalhando, tudo pode ser, tudo é possível e não sei de nada. O meu futuro pertence a Deus, e por ora, só posso agir para fazer merecer tudo de melhor que Ele tiver para me oferecer.


"Há momentos muito difíceis, que parecem insuperáveis, enriquecidos de problemas e dores que se prolongam, intermináveis, ignorados pelos mais próximos afetos, mas que Deus sabe.



Muitas vezes te sentirás à borda de precipícios profundos, em desespero, e por todos abandonado. No entanto, não te encontrarás a sós, porque, no teu suplício, Deus sabe o que te acontece.



Injustiçado, e sob o estigma de calúnias destruidoras, quando, experimentando incomum angústia, estás a ponto de desertar da luta, confia mais um pouco, e espera, porque Deus sabe a razão do que te ocorre.



Basta que te deixes conduzir por Ele, e sintonizado com a Sua misericórdia e sabedoria, busca realizar o melhor, assinalando o teu caminho com as pegadas de luz, características de quem se entregou a Deus e em Deus progride."

(Mensagem  de Joanna de Ângelis, psicografada por Divaldo Pereira Franco, do livro "Filhos de Deus")