segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Tempo, tempo, tempo, tempo...

"Por seres tão inventivo e pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo

És um dos deuses mais lindos..."
('Oração ao tempo', Caetano Veloso)



Imagem extraída da página do site
Musicoteca no Facebook
Há alguns atrás (não muitos, talvez uns três ou quatro), lembro-me de ouvir uma matéria em um programa de rádio na qual se dizia que, pelo número de títulos e medalhas, o Brasil já deveria ser considerado o país do voleibol, em vez de continuar sendo chamado de "país do futebol". Poucos anos (como eu disse) se passaram até o dia 07 de agosto de 2012, dia fatídico em que a seleção feminina de voleibol reinou absoluta em um eletrizante jogo contra a equipe russa nas Olimpíadas de Londres. A imagem que ilustra este parágrafo foi postada simultaneamente à transmissão do jogo na TV, com a legenda: "Brasil, o país do vôlei". Em todas as redes sociais, manifestos emocionados de quem torcia pelas meninas do Brasil. Apenas quatro dias depois, elas venceram os Estados Unidos na grande final e sagraram-se medalhistas de ouro, ocasião que ensejou uma enxurrada de mensagens e ilustrações nos blogs e Facebooks (enxurrada esta que eu endossei, confesso) nas quais todos se orgulhavam em afirmar que "vivem no país do vôlei". 

"Os anos dourados do futebol já vão longe", "a época do futebol já se passou", "já deram tudo que tinham pra dar", "agora é a vez do MMA, das lutas, do vôlei"... Tenho ouvido muito isso ultimamente. Francamente, dou o maior apoio. O futebol como esporte, em tese, tem muito a ensinar sobre cooperação, união, cumplicidade e atuação em equipe... Mas, infelizmente, na prática, está perdendo muito deste encanto. Nada tenho de ruim a dizer sobre o desempenho da seleção masculina nas Olimpíadas; porém, seria maravilhoso se começássemos a reconhecer o brilho de outros esportes e fazer-nos notar perante o mundo em razão de outros atletas.

Eu poderia citar razões pelas quais o voleibol, as artes marciais ou até mesmo outros esportes mereceriam destronar o futebol desta hegemonia, mas não vêm ao caso, a discussão não é esta. O assunto no qual realmente fico pensando em virtude disso tudo é sobre a concepção de mundo que as futuras gerações terão, e de que como esta transição supostamente lenta tem culminado bem diante de nossos olhos.

Minha geração pode ter sido a última a receber ordens dos pais sobre hora para chegar em casa, uma das últimas a enxergar o Brasil como o país do futebol e do samba, uma das últimas a ver a homossexualidade ou mesmo a sexualidade livre como tabu, e definitivamente foi a última que aprendeu na escola que Plutão é um planeta e que o Brasil nunca teve uma presidente do sexo feminino e os EUA nunca tiveram um presidente negro.

Eu me sinto velha quando digo a um conhecido que a geração de seu filho, que tem menos de 10 anos de idade, não vai mais conseguir qualquer tipo de emprego sem ter estudado; mas é a verdade.   Parece que fiz parte de uma era que durou muito tempo mas já passou há muito tempo. Da mesma forma, reluto em aceitar quando um conhecido, que tem a mesma idade que eu, diz a mim que quando seus filhos forem adolescentes poderão trazer namorados(as) para dormir em sua casa sem o menor problema; o resquício de conservadorismo que há em mim exclama que não, que não deixarei, que é preciso manter um mínimo de respeito à família que habita aquela casa... Mas será mesmo que isto constituirá falta de respeito daqui alguns anos? 

Imagino que daqui alguns anos - apesar de eu me considerar flexível, aberta às mudanças e receptiva às novidades - manterei a maioria dos princípios morais que abrigo hoje. Todavia, o que me deixa intrigada é o seguinte: até onde vai a linha que separa a conservação dos próprios ideais e a resistência em aceitar que o mundo simplesmente muda? Ao manter-me fiel a tudo que aprendi e sempre acreditei, até que ponto estou sendo prudente e sensata?, e até que ponto estou apenas teimando em abrir minha cabeça para aceitar as transformações pelas quais a sociedade passa?


Obra "Past, present, future", de Tito Salomoni

Noto que em alguns livros didáticos atuais há uma menção, no capítulo que narra a ida do homem à Lua, sobre a possibilidade de tudo ter sido uma grande armação dos Estados Unidos para poder intimidar a União Soviética. Rio quando penso sobre isso. Trata-se de uma hipótese totalmente inconcebível de ser discutida em sala de aula quando eu tive idade de estudar sobre isso. Isso faz com que eu me pergunte se é melhor aprender as verdades impostas e preestabelecidas para depois, já com maturidade e senso crítico, questioná-las e "desaprender" tudo, ou se é melhor mesmo aprender sobre a realidade e as possibilidades desde o início. 

Há uma porção de coisas que sabemos que não precisam ser levadas à risca mas que devemos achar que sim para que o mundo continue a girar. "Você não deve mentir nunca", "se não comer bem, nunca vai crescer", "se não estudar, nunca vai ser alguém na vida"... Não são verdades absolutas, não é exatamente assim que a vida funciona; mas, se desde a infância não aprendermos que estes mandamentos são inquestionáveis, será que  assimilaríamos ao menos um pouco estas lições? 

Eu dediquei uma vida inteira aos livros, e ao fim do Ensino Médio, vi vários colegas que passaram toda a adolescência trocando os estudos pelas aventuras passando no vestibular assim como eu. Será que eu teria me dedicado tanto se soubesse que seria capaz de conseguir isso sem o menor esforço? E, pior ainda: será que teria mesmo conseguido? Provavelmente não, pois não é assim que as coisas se dão comigo. Porém, não posso deixar de me questionar: como vou ensinar a meus filhos que algumas coisas realmente são como dizem que são e outras não?

Os tempos mudam, as ideias mudam. Não gosto de dizer que "evoluem", pois não posso afirmar que as coisas mudam sempre para melhor; e a menos que estejamos falando de moral, "evolução" para mim vai ser quase sempre um termo preconceituoso. O evolucionismo social (ou "darwinismo social") supostamente restou superado no século antepassado, mas me parece que ainda há muito dele arraigado na mentalidade das pessoas. Não suporto esta ideia de "o Brasil está atrasado, quando vai ser desenvolvido como os Estados Unidos?". Ora, desenvolvido em que aspecto? Certamente aqui a distribuição de renda é pior e o acesso à educação e à tecnologia também, mas se isto significa atraso, então por que as pesquisas sempre nos apontam como o povo mais feliz do mundo? Será que somos tão idiotas a ponto de sermos felizes sem motivo? O erro não está em nós: o erro é o parâmetro. Qualquer um hoje em dia vive com mais posses e lazeres que Jesus viveu ao seu tempo, porém, até hoje ninguém nunca teve moral mais elevada que Ele. E aí, o que é ser evoluído então!?

Não posso aceitar que tachem algo ou alguém de atrasado ou mal desenvolvido tomando como parâmetro algo cujos valores são questionáveis... Contudo, também não posso viver eternamente presa aos conceitos do passado. Já fui vítima disso, já fui prejudicada pela tirania de quem se recusa a repensar ideias velhas, e já testemunhei como é triste estar fechado para as coisas novas. E é triste não somente pela perda de oportunidades e pelo desperdício de prazer que a hodiernidade pode proporcionar, mas também pelo sentimento de impotência perante a dependência de algo que não tem mais lugar no mundo. 

Não é uma questão de aderir aos modismos, é uma questão de entender que certas coisas simplesmente ultrapassam outras. Muitas convenções não conseguem resistir ao passar do tempo, pois não são capazes de manter uma existência isolada das concepções novas que tomam seu lugar na sociedade. 

De uma forma ou de outra, acabo concluindo que não dá pra fugir muito da moda. Ao fazermos nossas escolhas e escolhermos nossas opções, mesmo que insistamos em não sucumbir às tendências momentâneas, é certo que a grande maioria de nós escolheremos por algo que seja pelo menos aceitável pelas pessoas de nossa época - talvez não algo popular, amado e idolatrado, mas no mínimo aceitável. Muitos conseguem, com muito ou nenhum esforço, ficar imunes às febres do momento; mas mesmo estes dubitavelmente optarão pelo arcaico. É fácil encontrar quem não se deixe afetar pela pressão capitalista de obter o modelo mais recente e moderno de celular, mas duvido que seja possível encontrar quem ainda opte pelo telegrama.

Enquanto escrevo, ouço a canção de um jovem cantor e aclamada "promessa da MPB", Leo Cavalcanti. A alguém que se nega a aceitar opiniões diferentes, ele canta: "Se você pensa que sabe tudo, que tudo que percebe é real, talvez lhe falte entender que o mundo é bem maior que o seu ideal"... A esta pessoa que "teima em se paralisar, para se defender e dormir na ilusão", ele adverte: "só julgar não leva a lugar nenhum". E atreve-se a dar lição de moral: "Os seus conceitos já não servem mais, pois toda teoria se desfaz". Considero esta canção como uma nova "Como nossos pais", uma versão atual e mais direta desta famosa canção de Belchior que vem nos lembrar que "o novo sempre vem"; uma verdadeira bronca às gerações antigas que recusam-se a ter fé na geração atual, ou pior ainda: que recusam-se a sequer darem ouvidos ao que ela tem a dizer.


Recentemente tenho escutado vários artistas jovens, novos nomes da música popular brasileira que não fazem questão de buscar fama, vender milhões de discos ou ter suas canções tocando nas FMs; nomes pouco conhecidos como Marina Wisnik, Danielle Cavallon, Thaís Gulin, Marya Bravo, Blubell, Estrela Ruiz e Téo Leminski, Rhaissa Bittar, Matheus von Kruger, Rômulo Fróes, Pipo Pegoraro, Arthur Nogueira, Ana Clara Horta, Lívia Rodrigues, Felipe Cordeiro, Qinho, 5aSeco,  Pélico, Gisele de Santi, Letuce, Marco Vilane, e o próprio Leo Cavalcanti (não posso deixar de mencionar que conheci boa parte destes talentos através do site Musicoteca, o qual adoro e recomendo). Esta é a chamada "nova MPB". Já li algumas reportagens que descrevem esta nova geração como "fortemente inspirada na Tropicália". 


"Uma revolução vem acontecendo na música brasileira, e sampleando as palavras de Raul Seixas, “não dá no rádio nem está nas bancas de jornais…”.
Desde que a chamada mpb viveu seus dias de glória, lá nos anos 60/70, nunca se viu e ouviu tantos bons e diferentes artistas surgidos numa mesma safra. Mas mpb talvez não seja exatamente o caso aqui…


Afinal, o termo significa música popular brasileira e costuma ser usado por dois grupo distintos em duas situações diferentes para rotular a mesma música: ou é engajada, panfletária e politizada, a ‘música cabeça’ tocada e retocada em bares da Vila Madalena; ou é romântica, brega e dançante, a ‘música alienada’ que toca nas rádios e vende milhões de discos.

E essa nova música brasileira não se encaixa em nenhuma dessas situações."

Fragmento da matéria "MPB 2.0", por Fábio Bridges (fonte: http://pequenosclassicosperdidos.wordpress.com/category/mpb-2-0/)


Vários outros nomes desta "nova MPB" têm alcançado relativo sucesso: Karina Buhr, Tiê, Lia Sophia, Bárbara Eugênia, Céu, entre outros, sendo que Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci são os expoentes desta geração, e também os casos mais famosos. Não deve ter sido coincidência que eu tenha encontrado justamente entre os comentários de um vídeo destes dois artistas (o vídeo da belíssima canção "Dia a dia, lado a lado") no Youtube um manifesto que expressa um pouco do que penso, o qual reproduzirei na íntegra:

"Muita gente besta fala que as musicas antigas eram boas e as atuais são ruins. Errado. O acesso às musicas boas antigamente era melhor. Se ouvia musica boa nas rádios, na TV (festivais)... hj em dia as rádios e as TVs estão em maior parte infestada por porcaria. As músicas boas de hoje é só pra quem procura, especialmente pela internet. Na TV não vejo Jeneci, Tulipa, Vanessa da Mata, Luisa Maita, Céu, Tiê, Roberta Sá... geração maravilhosa dos tempos atuais."
(Lucas P. Souza)

Discordo que as grandes mídias atualmente estejam completamente dominadas por entretenimento de má qualidade; entretanto, opiniões à parte, o ponto é este: enquanto muitos de nós repudiamos o novo ou mesmo acreditamos que ele não existe e que a única salvação é "viver de passado", há muita gente por aí trabalhando e construindo um milhão de coisas que podem nos provar o contrário. Talvez só não estejamos sabendo olhar para o lado certo... 

É difícil conciliar o "bom e velho" com o "doce novo". O bom senso poderia ser a solução, a chave para identificar o que deve ser rejeitado e o que deve ser aceito, mas ter bom senso é igualmente difícil.

Em "Tempos modernos" (eis um exemplo de clássico que não precisa ser abandonado), Lulu Santos canta: "Eu vejo um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera, com habilidade pra dizer mais 'sim' do que 'não'"... É tão adorável esta esperança. A obra de Lulu sempre me agradou, e pensar que ele cantou isso em 1982 me faz admirá-lo ainda mais. Ele foi de uma época que se sentiu usurpada por todos os 'nãos' que recebia: dos pais, do Estado. Esta geração entendeu por bem que deveria dizer somente 'sim' aos seus filhos, e em razão disso, boa parte da minha geração cresceu sem limites e vazia de ideais. Isto não tira o mérito das intenções de Lulu, Cazuza e todos os ídolos e heróis daquele tempo, mas também não prova que o melhor está sempre por vir e que a geração futura sempre saberá aprender com os erros do passado.

A verdade é que ninguém tem a receita. Ninguém sabe dosar muito bem as coisas. Todos achamos que saberemos fazer o que é certo quando chegar a nossa hora de fazer; e de fato, plantamos com a maior boa vontade, mas na hora de colher os frutos, sempre sentimos que poderia ter sido melhor. Porque a verdade é que sempre pode ser melhor, e só não é porque nós não somos melhores. Somos imperfeitos, e isto não é de todo anormal, porque somos humanos. A verdade é que somos todos tão humanos, tão iguais, tão errantes, e ao mesmo passo em que tudo muda tanto e tão rápido, quase nada muda. Ainda citando Lulu Santos: "Assim caminha a humanidade, em passos de formiga e sem vontade"... Em suma, tantos detalhes se alteram, a mentalidade das pessoas se transforma, mas somos todos ainda muito obstinados e ignorantes em tantos aspectos...

Lembro-me de Caetano Veloso, que semana passada completou 7o anos de idade, participando do programa "Altas Horas" em janeiro deste ano, e sendo questionado por um garoto (que não devia ter mais que 15 anos de idade) acerca de sua opinião sobre o grupo Restart e a atual condição da música produzida para a juventude contemporânea. O garoto obviamente esperava que Caetano, com toda a autoridade de quem desafiou os padrões do governo ditatorial militar com sua música revolucionária e postura ousada e corajosa nos anos 60, condenasse os jovens da atualidade. Mas Caetano foi sábio e respondeu que o que os cantores de hoje em dia fazem não é muito diferente do que os tropicalistas fizeram à sua época: cada um está em sua época, em seu lugar, em seu contexto. Entendi ele querendo dizer que não se pode esperar das pessoas as mesmas atitudes de outras que viveram outro contexto. Caetano disse ainda que o garoto estava tentando criar uma nostalgia que não existe, em vez de viver o seu próprio tempo.
Tela de Fátima Marques, "O sentido da vida, o tempo"

É verdade mesmo. Cada tempo tem sua magia e é perda de tempo perder tempo perdendo o tempo... Eu nasci no país do futebol, mas vai ser legal se meus filhos nascerem no país do vôlei. E mais legal ainda é eu estar aqui, vivendo o agora, presenciando esta transição.

Mais uma vez, sou obrigada a invocar Leo Cavalcanti, desta vez pela canção "Dentro", na qual ele, com toda a sabedoria de seus poucos anos de vida, repreende-nos: "A hora é agora e aqui". Até porque "não há tempo que volte" (pela terceira vez, faço minhas as palavras de Lulu Santos), então o jeito é mesmo "viver tudo que há pra viver", e com isso, nós vamos achando nosso jeito. Passado e presente, ideias novas e velhas, tradições e novidades... Aos poucos, vamos assimilando tudo. Um pouco de cada vez. Nem é sensato exigir que sejamos suficientemente sábios para saber tudo que é certo o tempo inteiro. Não somos perfeitos, falta-nos muito. O importante é tentar, e ter boas intenções, é claro; pois ainda que as consequências não sejam tão boas quanto planejamos, não vai haver culpa se a intenção inicial tiver sido boa.

As coisas sempre vão mudar, mudam o tempo inteiro, e estão mudando agora mesmo, diante de nossos olhos, debaixo de nosso nariz. Contudo, não há motivo para se desesperar! Não é o fim do mundo, é só o fim do mundo como o conhecemos (e aqui eu aludo à famosa canção do R.E.M.), para o nascimento de outros novos. Novos mundos, novas visões, novas coisas, novas concepções. 

Questionar a utilidade do passado, duvidar da capacidade do futuro, o que for: perder tempo com isso não tem o menor sentido a menos que se guarde um propósito verdadeiro de fazer alguma coisa boa para deixar aos que virão depois de nós. O que importa, no fim das contas, é querer contribuir. Porque se o plano é apenas viver a vida como se não houvesse amanhã, sem pensar no amanhã, não faz diferença se você está de acordo com o ontem ou com o hoje. 





Todo mundo continua a viver dos seus desejos

Mas os olhos buscam fora o que só se encontra dentro
Ah, e você ainda diz que as circunstâncias não te deixam ser feliz...

Vá tomar as rédeas de si, em vez de querer ir pra outro lugar
A hora é agora e aqui
Chega de brigar com o seu existir

Todo mundo tem conflitos, pra saber dos seus prazeres

Pois a mente se apavora com o amor e os seus deveres


Ah, pare de mentir que não acredita que é possível ser feliz

Vá tomar as rédeas de si, em vez de querer ir pra outro lugar
A hora é agora e aqui
Chega de brigar com o seu existir

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