sexta-feira, 29 de abril de 2011

Kate & William e as histórias amargas de falsas aparências em casamentos monárquicos

As aparências são superestimadas em nossa sociedade, é cediço. Quando há interesses de Estado envolvidos, então, não se prioriza somente as aparências, mas também os protocolos. 

Aproveitando o ensejo do acontecimento que dominou os noticiários do mundo inteiro hoje de manhã, a cerimônia de casamento do filho do príncipe de Gales, o príncipe William, e sua namorada de longa data, a "plebeia" Kate Middleton, gostaria de fazer um pequeno comentário a respeito de como muitas tragédias familiares são perpetuadas em nome das aparências.

Um caso não tão remoto, ademais de muito conhecido e também relacionado ao assunto do momento, é o do próprio Charles, príncipe de Gales, que casou-se em 1981 com a aristocrata Diana Spencer, tudo muito de acordo com as conveniências e exigências da Família Real britânica. Entretanto, desde a década de 1970, Charles era apaixonado por Camilla Parker Bowles e mantinha um relacionamento às escondidas com ela. 
Ambos desejavam casar-se, contudo, Camilla não preenchia os requisitos dos quais a Família Real fazia questão: não era anglicana, e era casada com outro homem, portanto, não era virgem; poderia até mesmo abrir mão de seu casamento com Andrew Parker Bowles (que aliás, era amigo de Charles, e contam ainda que era também cúmplice das traições!) para unir-se a Charles, mas uma divorciada tampouco seria bem vista.

Outro caso, desta vez concernente à história de nosso próprio país, é o de Dom Pedro I, primeiro imperador do Brasil. Ele se casou em 1816 com a arquiduquesa da Áustria, que passou a usar o nome de Maria Leopoldina, e posteriormente, quando o casal chegou ao Brasil e Pedro assumiu a regência do país, tornou-se a Imperatriz Leopoldina. O casamento deu-se por pura conveniência, e com tão pouca emoção que foi até mesmo realizado por procuração! 
A verdade era que Dom Pedro, alguns anos depois, conheceu aquela por quem realmente se apaixonou, a Marquesa de Santos, Domitila de Castro. Os dois mantiveram um relacionamento por muitas décadas, e ao que parece, não faziam muita questão de esconder. Leopoldina, como mulher submissa aos preceitos da época e boa esposa de uma autoridade, fingia não ver nada, e quando via, aguentava quieta.



O fato é que tanto a Princesa Diana quanto a Imperatriz Leopoldina eram amadas e idolatradas pelo público. 

Diana costumava envolver-se
em obras de caridade
Diana era belíssima, doce, carismática, cativante. Ganhou o coração de súditos ingleses e pessoas do mundo inteiro com suas atividades filantrópicas e com sua figura maternal, em especial, pela forma com que aparecia com os lindos filhos que teve com Charles: os príncipes Harry e William (que casou-se hoje). 
Foi a primeira celebridade a deixar-se fotografar tocando uma pessoa portadora do vírus da AIDS, na intenção de mostrar ao mundo que estes doentes não mereciam o isolamento.

Já Leopoldina não se destacava pela beleza (inclusive, era criticada por ser gordinha), mas era extremamente inteligente e culta, ademais de muito engajada nas causas políticas. Seu papel no processo de independência do Brasil foi grande: ela assumiu a regência quando Dom Pedro viajou a São Paulo, a apenas um mês da data em que a independência foi declarada, e participou de várias decisões, além de que, assinou ela própria o decreto de Independência. Por fim, há quem afirme que Leopoldina idealizou também a bandeira do Brasil. No mais, também era muito caridosa e costumava dar esmolas aos pedintes. 

Mas de que vale tudo isso para um homem? Era Camilla e Domitila, com seus atributos (quais? Nunca se descobriu) que faziam Charles e Dom Pedro suspirarem. Diana e Leopoldina eram apenas parte do plano, apenas peça chave na composição da imagem de príncipe perfeito. 
Mesmo sendo mal amadas por seus maridos, mesmo sofrendo muito no íntimo de suas almas sem poder manifestar qualquer desgosto, mesmo obrigadas a aturarem traições e ainda assim posarem de boa esposa, Diana e Leopoldina cumpriam bem seu papel e inclusive exorbitavam-no. Ninguém exigia que se saíssem tão bem. 

Em pleno século XIX, ninguém esperava que Leopoldina se envolvesse em questões políticas e pensasse no bem de seu país... Simplesmente esperavam que fosse uma boa princesa, submissa, e que tivesse muitos filhos - melhor ainda se fossem do sexo masculino. A Família Real também não apostava em Diana para angariar tanta popularidade. Entretanto, elas fizeram questão de executarem bem o seu papel, de deixarem algum tipo de contribuição.

Mas... De que vale tudo isso para um homem? Que são a sensatez, a generosidade, a inteligência, o caráter, quando se tem uma amante voluptuosa e capaz de proporcionar deliciosas noites de amor? Sim, infelizmente, há homens que valorizem mais isto.
A Imperatriz Leopoldina e os filhos
que teve com Dom Pedro

O historiador Laurentino Gomes, autor de best sellers que tratam da história do Brasil de forma muito agradável, descreve a Imperatriz Leopoldina, em seu livro "1822", como "mulher certa casada com o homem errado". Acrescenta ainda citação de Octávio Tarquínio de Sousa: "O que lhe sobraria em dotes morais faltaria em sex appeal". Destas declarações, é possível ter uma ideia de por que Dom Pedro não desenvolveu qualquer sentimento amoroso pela esposa. Ele não conseguia sentir qualquer atração ou desejo por ela. E sexo é importante em um relacionamento; isto é inquestionável. 

Mas não é exatamente disto que pretendo tratar. Acho possível que Diana e Leopoldina, por mais admiráveis que sejam, possam ter dado motivo para que seus maridos não se encantassem tanto por elas (vejam bem, eu estou falando de possibilidades, não de fatos certos!). Mas, mesmo com isto, será que não mereciam um pouco mais de respeito?

Dom Pedro não tomava muito cuidado para disfarçar sua natural inclinação para a poligamia, e sempre dava um jeito de atrair a amante para o convívio da Família Real, inclusive, em vários eventos nos quais a Imperatriz também se fazia presente. Chegou a presentear Domitila com uma grande casa, denominada "Mansão Amarela". 

O caso amoroso de Charles e Camilla Parker Bowles também foi exposto ao público no início dos anos 90, ficando Diana em uma situação embaraçosa, mas ainda assim, ela manteve a atitude servil e condescendente. 

Por mais insossa e feia que Leopoldina fosse, ou por menos picante e interessante que Diana pudesse ser, a minha opinião é que elas mereciam, no mínimo, o respeito e a discrição de seus maridos, não somente por tudo que elas fizeram, mas simplesmente pelo fato de serem esposas, de serem "mulheres oficiais".

O lado bom no casamento de Kate e William é o fato de não ter sido arranjado, de não ter sido negociado por conveniência; é o fato de o relacionamento dos dois ter sido espontâneo e ter corrido de forma muito natural, contando com a vontade de ambos. William não se preocupou em desposar uma moça com sangue nobre, tampouco uma moça mais jovem e necessariamente virgem. Escolheu casar-se com a garota que ama, com a garota que está com ele há 8 anos, tempo suficiente para que um casal se conheça razoavelmente e saiba avaliar se terá sucesso em um relacionamento ainda mais sério.

Creio que, em que pese o devido respeito e acatamento a certas obrigações que a Família Real impõe, ter ignorado um pouquinho as exigências usuais fez bem ao casal, que parecia muito feliz ao se casar, além de constituir praticamente um antídoto (a favor de Kate!) contra várias das agruras sofridas pela mãe de William. 
Nada garante que eles serão eternamente felizes ou que William se comportará de forma mais digna que seu pai; entretanto, o simples fato de estarem tão preocupados com a própria felicidade quanto com o cumprimento dos protocolos, já é o suficiente para que sua união não esteja, desde já, fadada ao fracasso.
Felicidades ao lindíssimo casal!

Kate & William: análise do visual da noiva

Eu, claro, como grande fascinada por tudo que envolve beleza, glamour, amor e afins, sou uma das pessoas que acordou mais cedo hoje simplesmente para acompanhar, ao vivo, a transmissão da cerimônia do casamento do Princípe William, do País de Gales, e Kate Middleton. 

E, claro, como mulher, sou uma das que passou muito tempo tentando imaginar como seria o vestido usado por Kate...

Sinceramente, alimentada pelos boatos que circulavam a respeito do possível "toque de modernidade" que haveria na boda, esperava mais ousadia por parte dela, tanto quanto ao vestido, tanto quanto ao cabelo e maquiagem...

Kate Middleton sempre me pareceu uma moça fina e elegante. Nunca me pareceu extravagante, sempre a achei discreta, entretanto, também sempre a vi como uma moça que não se deixa intimidar pelo fato de relacionar-se com um membro da Família Real sem necessariamente ter a nobreza monárquica no sangue... Justamente em razão deste fato, imaginava que haveria um mínimo de ousadia na escolha de seu visual de noiva.

Entretanto, as escolhas de Kate (será que ela realmente teve liberdade para escolher? Eis algo a ser ponderado também, haja visto que a Família Real inglesa possui uma série de tradições a serem impostas) também me pareceram refletir um possível desejo de não "chegar chegando", de não se impor demais, enfim, de não causar má impressão - não para o mundo, que já a adora e tem lugar no coração para acolhê-la tal qual acolheu a falecida princesa Diana -, mas sim, para a família para a qual ela acaba de entrar.

Desde que Kate virou alvo das atenções da mídia, tenho reparado em seu estilo de se vestir, muito sofisticado, feminino, sem muita sensualidade, com toques de fashionismo aliado a um ar mais sério. Seu vestido de noiva, feito pela estilista inglesa Sarah Burton,pelo visto, não foge muito disto, apesar das expectativas e probabilidades de maior ousadia. É relativamente simples, em que pese a renda perfeitamente trabalhada na manga, colo e viés do véu. 

Inclusive, achei o vestido muito parecido com o usado pela atriz Grace Kelly, quando casou-se com o Príncipe de Mônaco, em 1956. Reparem:


Tanto Kate quanto Grace usaram reda nas mangas e no colo do vestido.



A imagem está ruim, mas se repararem bem, verão o detalhe dos tradicionais botões, iguais, embora no vestido de Kate eles ficassem nas costas.


Em suma, creio que o vestido é belíssimo e ornou bem com a personalidade de Kate: sofisticado, mas não chamativo ou demasiado diferente de qualquer coisa que já tenhamos visto, e ademais, refletiu sua atitude dotada de uma certa subserviência. A escolha de não usar um vestido moderninho, a meu ver, foi como um ato de "abaixar a cabeça" para a monarquia inglesa, uma forma de dizer: "vou fazer tudo certinho, não cheguei para gerar contendas".

Se realmente esperamos que ela fosse se atrever a usar algo mais , bem... creio que os errados fomos nós.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Separar o joio do trigo: o que realmente importa nesta vida?

“Amar e ser amado é, neste mundo, a tarefa melhor da nossa espécie, tão cheia de outras que não valem nada.” 
(Machado de Assis)

O homem cria seus próprios sistemas e despende um bocado de tempo e dinheiro consolidando a extensão deles ao mundo em que vive. Quantas ciências supérfluas levam anos para serem aprendidas, e quanta gente se ocupa de ensiná-las! Quanto tempo se gasta (se perde?) tentando adequar-se a padrões cuja existência nem sabemos justificar, e quantas oportunidades se desperdiça na ilusão de aproveitar melhor certos momentos que mal precisariam acontecer...

Na contramão disto, quantos de nós realmente dedicamos nosso tempo, dinheiro, disposição e pensamentos com aquilo que, no fim de tudo, realmente importa? Quantos de nós priorizamos as coisas que efetivamente fazem nossa vida ter algum sentido?

Neste mundo tão louco, em que todos vivem bombardeados por todo tipo de informação e convite, quem é que consegue manter-se equilibrado em meio a tantos abalos não sísmicos, em meio a tantos terremotos de valores, em meio a tantas chuvas de superficialidades? Quem é que consegue permanecer são em meio a tantas pestes morais?

Só quem consegue manter o equilíbrio e a sanidade, é que consegue distinguir as coisas, e saber quais são essenciais e quais não passam de bobagem... Contudo, paradoxalmente, para manter-se equilibrado e são, é preciso, primeiramente, saber fazer estas distinções. 

domingo, 24 de abril de 2011

A peteca caiu

Hoje meu domingo teve sabor de chocolate degustado em plena época de dieta: inacredivalmente gostoso, mas ainda assim sobeja aquela sensação de culpa por estar fazendo algo errado.

Ser livre é bom, mas liberdade demais escraviza. Ter condições perfeitas de poder realizar todos os seus desejos te aprisiona. Dinheiro, tempo, possibilidades... Uma vez que você tem tudo isso, parece estar em uma jaula, da qual só quer sair quando chegar um momento em que já fez tudo que quer. O problema é que esse momento nunca vai chegar! Quanto mais se realiza desejos, mais desejos se tem.

Divirto-me em dias que nos quais tenho liberdade para fazer tudo que tenho vontade, mas logo isso me cansa e preciso voltar à rotina para sentir-me completa. Preciso de uma vida regrada como um dependente químico precisa de estímulo e força para largar o vício.

Adoro chocolate e liberdade, mas preciso de dieta e de rotina. Ainda não sou madura o suficiente para saber lidar com liberdade demais. Preciso de segunda feira, de agenda anotadinha, de comida saudável, de compromissos, de horário para acordar, de trabalho para fazer, de pagar mensalidades, de prestar contas, de cumprir horários...  

É, tudo isso eu já sei, mas depois que o chocolate já foi comido, o que fazer? Seguir em frente, claro; continuar levando a vida da maneira que ela deve ser levada, em vez de encarar a falha como uma deixa para cometer erros o tempo inteiro. Cair em tentação faz de você um fraco, como tantos outros, mas erguer a cabeça e voltar à batalha faz de você uma pessoa forte, até mais que outras. A decisão tomada após a queda te define muito melhor do que o próprio fato de ter caído. É... Ainda dá tempo de salvar o meu domingo.

Superando a dor do fim do amor nos anos 70 e nos anos 90

Nos anos 70, no auge da disco music e após a bem sucedida inserção dos negros no mercado fonográfico dos Estados Unidos, que se deu na década de 60 graças à gravadora Motown, a cantora americana Gloria Gaynor alcançou o topo das paradas com o sucesso dançante "I will survive", que se tornou hit gay e conquistou o mundo com sua letra que fala sobre superação e o fim de um relacionamento.

Em 1999, quase 3 décadas depois, a diva Cher, já com mais anos de carreira que a própria Gloria Gaynor, lança "Believe", apostando na dance music, ritmo que contagiava o mundo em plena transição de milênio. Cher já tinha 53 anos de idade, mas ainda assim a canção foi um sucesso com o público jovem, e com adultos também. A letra da canção também falava sobre buscar forças para esquecer um amor que acabou mal.

Mesmo hoje, em 2011, ambas as canções permanecem atuais e são muitíssimo bem executadas em festas. É incrível como certas coisas nunca envelhecem! Principalmente quando tratam de amor e dor, temas universais e que sempre acometerão os seres humanos. 


Em uma época em que a mulher americana, em especial a mulher negra, mal gozava de tanto respeito, prestígio e valorização como hoje, Gloria cantava com firmeza sobre saber dar valor a si mesma e reconhecer que não vale a pena chorar por quem lhe faz mal. Da mesma forma, Cher canta em "Believe" sobre quão difícil é superar o fim de um amor, mas é preciso ser forte, e talvez tenha sido melhor assim mesmo, talvez ela seja boa demais para continuar com alguém que a faz sofrer.


"Primeiramente eu tive medo, fiquei petrificada
Pensando que nunca conseguiria viver sem você do meu lado
Mas então eu gastei tantas noites pensando o quanto você me faz mal
E eu fiquei mais forte... Eu aprendi a superar"

"Eu vou sobreviver
Enquanto eu souber amar, eu sei que permanecerei viva
Eu tenho a vida inteira para viver
Eu tenho todo o meu amor para dar
Eu vou sobreviver!"


"Eu preciso de tempo para seguir em frente
Eu preciso de amor para ficar mais forte
Porque eu tenho tempo para pensar sobre tudo isso
E talvez eu seja boa demais para você"

"Porque eu sei que vou superar isto
Porque eu sei que sou forte
E eu não preciso mais de você"


Eu acho que as estrofes poderiam até ser fundidas e não haveria nenhum prejuízo para o sentido das letras!

Drogas: o papel da mulher em meio aos conflitos dos narcotraficantes, principalmente na Colômbia e no México

Grupos de atividades de cunho ilícito, perigoso e violento geralmente são compostos exclusivamente por homens. Desde a mais remota antiguidade, as tarefas que envolvem mais força física e coragem são atribuídas aos homens, enquanto as mulheres, frágeis, belas e submissas, ficam incumbidas dos deveres domésticos.

Nas facções criminosas e redes de comércio ilegal de drogas, não é diferente: os grandes chefões do tráfico são homens, os encarregados pelo transporte de drogas são homens, quem pega em armas são os homens. Mas isto não quer dizer que este mundo é composto apenas por eles: ser mulher proporciona alguns vantagens, e é claro que o tráfico não poderia deixar de fazer uso delas, não somente nos próprios esquemas estratégicos e financeiros, mas também, como não poderia deixar de ser, pondo-as em seu histórico e consolidado papel de objeto sexual.

No contexto dos tráficos de droga em países da América Latina, as mulheres participam de duas formas: ajudando na circulação das drogas, ou servindo como "troféu" para os grandes traficantes (como na foto ao lado)

Falemos primeiramente sobre as mulheres que exercem papel fundamental no comércio de drogas.

De início, é interessante notar o quanto tem aumentado o número de mulheres traficantes. Do interessantíssimo artigo "Esse é meu serviço, eu sei que é proibido: mulheres aprisionadas por tráfico de drogas", escrito por Gabriela Jacinto, Cláudia Mangrich e Mario Davi Barbosa, publicado na Revista Discente do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, n.2., v.2. (jan/jun. 2010), extraí a seguinte informação:

"Em 1996 encontravam-se presas no Presídio Feminino de Florianópolis 40 mulheres, sendo quase 62% por tráfico (SILVA, 1998, p.56). Já no ano de 2007 quase dez anos após, existiam cerca de 150 mulheres encarceradas, destas 66 foram julgadas e condenadas, chegando a um percentual de 71% por tráfico de drogas. O percentual de criminalizadas por tráfico tem acompanhado a porcentagem do último decênio, quando fala-se nos mais altos índices de encarceramento por este crime."



Em casos menos comuns, há mulheres que comandam o tráfico de drogas, tal qual ocorre no romance do espanhol Arturo Pérez-Reverte, “A rainha do sul”, em que uma jovem mexicana passa por diversos percalços até chegar ao posto de rainha do narcotráfico na Espanha. Há ainda o caso real de Enedina Arellano Félix, líder de um cartel mexicano em Tijuana (fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/01/
100122_rainhatraficomexico.shtml), e de Sandra Ávila Beltrán, também mexicana, conhecida como "Rainha do Pacífico", que liderou por muito tempo um grupo especializado em tráfico de cocaína em Sinaloa (fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL149646-5602,00-PRESA+RAINHA+DO+TRAFICO+VIRA+CELEBRIDADE+NO+MEXICO.html).

Porém, em histórias como estas, acredito que a condição feminina faz pouca diferença, até porque as mulheres que conseguem poder e notoriedade no obscuro mundo do tráfico o fazem justamente por conseguirem conduzir as situações com o mesmo pulso, força e bravura geralmente reconhecidos como sendo tipicamente masculinos.

E quanto à mulher “tipicamente mulher”, mulherzinha mesmo, a que não se aventura no território monopolizado pelos homens? Como ela participa no tráfico? Fazendo uso da beleza e do corpo, claro.

É neste contexto que atestamos a existência das “mulas”, pessoas que participam do transporte de drogas carregando-as no corpo. Nos últimos anos, em especial, as principais escolhidas pelos traficantes para agirem como “mulas” são mulheres jovens e bonitas, em razão do fato de que, segundo eles, estas moças contam com maior condescendência das autoridades policiais ao serem fiscalizadas. Em troca do serviço, as beldades recebem uma boa quantia. A droga pode ser escondida nos órgãos genitais e demais orifícios do corpo, mas como essa tática já se encontra banalizada, a nova “moda” é realizar cirurgias para introduzir as drogas na própria pele, onde elas ficam melhor escondidas. (Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/18529_VIDA+DE+MULA)

É claro que as mulheres nem sempre são vistas pelos homens traficantes como alvo potencial para ajudar na expansão do comércio de drogas... Há muitos que preferem aproveitar-se delas de outra forma, da forma mais convencional, fazendo uso daquilo que muitos crêem ser a única coisa que elas têm a oferecer. Aliás, muitas vezes, parte da própria mulher a escolha e o interesse de servir apenas como objeto sexual, o que, para elas, seria muito mais fácil, uma vez que elas ficam apenas com as vantagens do tráfico: usufruir do dinheiro arrecadado.

"Desde muy niño soñaba
Con tener mucho dinero
Tener muchas propiedades
(...)
Hoy tengo mucho dinero
Mi sueño se hizo realidad
(...)
Tengo mujeres de sobra
De reinas hasta modelos"

(Trecho da canção "El gran mafioso", do grupo Los Tigres del Norte)

("Desde muito pequeno sonhava / Em ter muito dinheiro / Ter muitas propriedades / Hoje tenho muito dinheiro / Meu sonho se tornou realidade / Tenho mulheres de sobra / De rainhas a modelos")

Aqui, a mulher atua em outro segmento do tráfico de drogas: a ostentação da imagem do traficante, que quer ser visto como poderoso, influente, cheio de dinheiro e rodeado de belas mulheres, e a propagação do estilo de vida que eles passam a adotar uma vez acumulado o dinheiro conseguido com o tráfico. Neste contexto, o sexo funciona como mercadoria de troca: a mulher cede seu corpo ao traficante, e ele proporciona a ela os luxos que o dinheiro pode oferecer.

Cartaz do filme baseado
no livro de Jorge Franco
É nesta seara que os colombianos Jorge Franco e Gustavo Bolívar Moreno escreveram os romances “Rosario Tijeras” e “Sin tetas no hay paraíso”, grandes sucessos que foram levados, respectivamente, às telas do cinema e da TV.

Em “Rosario Tijeras” vemos a história da bela e instável Rosario, moça da periferia de Medellín que desde pequena convive com o narcotráfico e aprendeu a usar de sua beleza para conseguir o que quer, além de ter que aprender a defender-se sozinha dos abusos e violências. No trecho abaixo transcrito, vemos como as mulheres atuavam nesse contexto do tráfico e demais crimes relacionados:

Imagine você que não nos deixavam sair à rua nem para comer. Os rapazes saíam cedo e voltavam tarde. Eu passava do quarto da Deisy pro meu, e vice-versa. A única que fazíamos era ver TV a cabo, fumar maconha e ficar penduradas na janela vendo Bogotá. Os meninos chegavam à noite muito perturbados, bêbados, não contavam nada do que faziam, cada um seguia para o quarto para que os mimássemos. (...) Uma noite disseram para ficarmos prontas porque na manhã seguinte alguém nos pegaria e levaria para uma fazenda e que lá encontraríamos eles. (...) No dia seguinte saíram muito cedo, nem eu nem Deisy nos demos conta, mas o que realmente percebemos foi que não tinham dormido. Por volta das dez da manhã chegou um sujeito numa puta caminhonete e nos levou a uma fazenda maneiríssima, você não imagina a fazenda, parceiro, uma mansão do cacete, com várias piscinas, quadras de tênis, cavalos, cascatas, garçons, mais parecia um clube. Deisy e eu pusemos nossos biquínis e ficamos pegando sol. À noite, meia noite, mais ou menos, chegaram os meninos, bêbados, mas dava pra ver que estavam contentes, riam pra cacete, se abraçavam, nos beijavam, pediam mais um trago, tomaram umas brancas e fizeram uma farra que durou três dias.
(Págs. 60 e 62. Editora Alfaguara)


Já em “Sin tetas no hay paraíso”,  fica bem clara a forma como os traficantes colombianos fazem questão de namorar mulheres de corpo belo, tanto que a protagonista do romance, a jovem Catalina, sonha em conseguir próteses de silicone para os seios, a fim de tornar-se mais atraente, chamar a atenção de algum traficante rico e, enfim, sair da miséria e mudar de vida, como fica estampado no seguinte trecho, logo nas primeiras páginas da obra:

"Catalina queria ingressar no sórdido mundo das escravas sexuais dos narcotraficantes, não tanto porque queria desfrutar dos deleites do sexo, porque entre outras coisas ainda era virgem e sequer imaginava o que poderia chegar a sentir com um homem em cima, senão porque não suportava que suas amigas da quadra se exibissem todos os dias com novas roupas, sapatos, relógios e perfumes, que suas casas fossem as mais bonitas do bairro e que tivessem em suas garagens uma motocicleta nova. A inveja corroía seu coração e lhe causava angústia e preocupação. Não podia resistir à prosperidade de suas vizinhas, uma vez que o sucesso delas estava representado por um par de seios, porque até esse dia não havia se dado conta de que somente as casas das quatro meninas mais peitudas da quadra tinham terraço e estavam pintadas."
(Pág. 11. Tradução livre, feita por mim, com base no arquivo extraído do link: http://www.4shared.com/get/dRGyBDiw/Sin_tetas_no_hay_paraiso.html)


Enfim... O tema é demasiado complexo para ser esgotado em um reles textinho de blog. Mas considero apropriado terminar este texto com uma observação feita pelo jornalista mexicano Jesus Blancornelas, autor de "O cartel", uma das obras mais honestas e claras a tratar do esquema do tráfico no México:

"Existe maior participação da mulher em âmbitos diferentes, mas o tráfico de drogas continua com uma cultura predominantemente machista"

Casos como o de Eneida Félix ou Sandra Beltrán, citados acima, são exceções. De uma maneira generalizada, o que a mulher tem a oferecer aos homens que trabalham no narcotráfico ainda é o mesmo que muita gente em nossa sociedade pensa ser a única função da mulher: proporcionar os prazeres da carne. Mas seja no comando, nos bastidores ou na manutenção do status dos traficantes, é sempre lastimoso ver mulheres envolvidas neste contexto - ou melhor, a situação toda, por si só, já é digna de todo lamento.

Drogas: é melhor atacar na base ou no topo?

Como se não bastasse a dependência psíquica e química e todos os demais problemas de saúde causados pelo uso de drogas, os problemas de ordem social são ainda maiores. O tráfico e os crimes cometidos pelos usuários, no intento de conseguir dinheiro para sustentar o vício, têm constituído um dos maiores problemas a assolar o Brasil e vários países da América Latina, além de ser também um dos problemas de mais difícil resolução.

Como combater o tráfico de drogas? Como frear o crescimento dos cartéis e facções criminosas? Como garantir proteção às fronteiras, de modo a evitar a passagem de drogas de um país para outro? Como desestabilizar a estrutura montada nas favelas, onde o comércio clandestino de drogas já constitui a base da economia local?
 
Muitos procuram respostas para estas perguntas: famílias, sociólogos, autoridades políticas e legislativas, organizações não governamentais... As drogas são um problema de todos, e ninguém sabe exatamente o que se pode fazer para solucionar isso. É mais conveniente atacar por cima ou na raiz do problema? Não é de todo útil tentar destruir as grandes organizações (máfias, praticamente!) responsáveis pela existência e manutenção do tráfico enquanto ainda houver um usuário que dependa delas para conseguir sua droga de cada dia; todavia, por outro lado, de nada adianta prevenir os cidadãos sobre os malefícios do consumo de droga enquanto ainda houverem cartéis e redes que geram violência e medo nas comunidades.

Eu entendo que a origem do problema, a matriz mesmo, é o uso. Era uma vez alguém que usou e tornou-se dependente... E a partir daí formou-se toda a rede problemática. E a cada novo usuário, que vem a viciar-se, aumenta um elo na cadeia, e mais pessoas precisam se mobilizar para manter o comércio ilegal.

Tudo isto sem mencionar os tratamentos médicos e psicológicos para os dependentes: o que fazer com eles?

Prevenir contra o uso, reprimir o tráfico, tratar dos dependentes: é problema demais para o Estado resolver. Claro que isto não justifica a falta de ação e de elaboração de planos, projetos e políticas públicas para, ao menos, tentar suavizar a situação; mas ainda assim... Por onde começar? Alguém sabe? Alguém tem alguma ideia de algo que possa, pelo menos, constituir um primeiro passo?

O problema já está desenvolvido demais para que qualquer iniciativa seja plenamente eficaz. É como um câncer em estágio terminal. O que não significa, entretanto, que devemos cruzar os braços e permanecer inertes. Algo precisa ser feito, nem que seja para surtir efeitos de dimensão pequena. 


Enfim... O assunto rende, é interessante, pode ser explorado sob diversos ângulos e não pode mais ser ignorado, tendo em vista a realidade de nosso país e nossos vizinhos latinos. Com base nisto, escolherei alguns enfoques que me interessam para postar, em breve, outros textos relacionados às problemáticas relacionadas às drogas, no Brasil e na América Latina.

sábado, 23 de abril de 2011

Pequeno e passageiro descontentamento

Não estou a fim de ter tanta coisa pra fazer... Geralmente adoro ter agenda cheia, adoro rotinas produtivas, adoro chegar ao fim de um dia e reconhecer quanta coisa fiz. Mas hoje não... 

Hoje eu quero ter tempo para alimentar as minhas outras paixões. As mais supérfluas, mas que nem por isso são inúteis. As que alimentam o outro lado da minha alma: o lado que precisa de beleza para viver, a despeito daquele que reconhece a necessidade do trabalho maçante. 

Quase sempre esse sentimento vem quando estou ocupadíssima - pois quando estou livre, sinto falta de trabalho, sinto falta de ter coisas para fazer. Sou um ser humano, e nesta condição, quase nunca estou satisfeita. Quero ruído quando tenho silêncio, e vice versa. Não. Pensando bem, quero sempre ruído, mas ruídos diferentes. Alternadamente. Sempre. Preenchendo meu tempo.

A verdade é que, imatura que sou, quero o luxo de poder jogar tudo pro ar quando bem entender. Quero permissão para parar tudo, na hora que eu quiser, e servir apenas ao meu próprio interesse, seja ele qual for no momento em que me der vontade de fazer isso. Mas sei que a vida não é assim. O mundo não espera por mim, e destarte, não posso colocar na sala de espera tudo e todos que dependem das minhas atitudes.

Costumo pensar que o problema do fastio e da falta de brilho da vida seria facilmente resolvido caso todos pudéssemos dispor, todos os dias, de alguns momentos dedicados ao prazer e à auto satisfação, da maneira que melhor nos aprazasse. Mas pensando bem... Não sei se isso daria certo comigo. Minhas paixões não têm hora marcada para aparecer. Não consigo, pura e simplesmente, ser tomada por um grande sentimento e pedi-lo que fique quieto até chegar o momento em que posso vivenciá-lo com maior liberdade. 

Então, o que fazer? Qual é a solução? 

A solução, creio eu, é aprender a ser disciplinado e a organizar suas prioridades - ou, antes de tudo, saber reconhecer o que são prioridades! Afinal, por maior ou mais prazerosa que seja uma vontade ou uma paixão, não pode se sobrepor a um interesse maior, a uma prioridade propriamente dita. Certos interesses precisam ser colocados em segundo plano, às vezes, em detrimento de coisas mais úteis e/ou urgentes.

Outra coisa que ajuda é saber organizar o tempo, otimizar o tempo, aproveitar o tempo. Perdemos tanto tempo com coisas que não servem para nada, ou gastando mais tempo que o necessário com coisinhas que poderiam ser executadas com mais rapidez caso fossem melhor planejadas!

E a mim, resta começar a colocar tudo isso em ação e não deixar que permaneça apenas no campo das palavras bonitas, pois que a mera recitação de poesia, em um momento de tantas tarefas e compromissos a serem cumpridos, também é uma renegação de prioridades.



Solidão e amores findados no Rio de Janeiro: o álbum “Surf”, de Kid Abelha


Kid Abelha é a banda brasileira que eu mais gosto. Gosto da sonoridade, gosto das letras, gosto do fato de a vocalista ser mulher, porque acho que isso faz diferença e imprime mais sensibilidade às canções - não à toa, a minha banda preferida de todos os tempos, No Doubt, é liderada por uma mulher, a incrível-espetacular-poderosa-linda-e-perfeita Gwen Stefani.


Adoro o pop que o Kid Abelha faz. As canções são de escuta fácil, agradáveis, e as letras são sempre interessantíssimas. 


Enfim, vamos ao que interessa: após quase um mês escutando no carro o mesmo CD composto de sucessos extraídos das paradas da Billboard, resolvi escolher um CD da minha banda nacional favorita para escutar. Às escuras, escolhi “Surf”, que nunca me atraiu tanto. Não sei se nunca tive sensibilidade suficiente para compreendê-lo ou se ele simplesmente foi o álbum certo na hora certa... O que sei é que, por semanas e semanas, escutei-o com uma perspectiva completamente diferente.


Lançado em 2001, “Surf” mostra um Kid Abelha mais introspectivo, apesar de a primeira faixa ser justamente um dance super eletronizado (esta palavra existe?) – os elementos eletrônicos, aliás, fazem parte de várias canções.

Na minha opinião, o álbum é extremamente coeso e passa um sentimento muito grande de solidão; mas não de uma solidão deprimente e resignada, e sim, de uma solidão produtiva, otimizada. Todas as canções me remetem à sensação de aproveitar os momentos de solidão para refletir, para crescer, para amadurecer. O nome do álbum não é em vão: já li que o nome “Surf” foi escolhido por alusão à solidão em que o surfista se encontra quando está no mar, sozinho, somente em companhia das ondas...

Fins de relacionamento e amores mal resolvidos também são temas presentes nas letras das canções.

Outra coisa que o álbum me passa bastante é um certo “carioquês”... “Surf” tem a cara do Rio de Janeiro.

No intento de explicar melhor a maneira como entendi o álbum, comentarei faixa por faixa:

1) Eu contra a noite


A faixa que abre o álbum traz uma traiçoeira ideia de que será um álbum alto astral, principalmente porque “Eu contra a noite” foi a faixa mais dançante que o Kid Abelha produziu em muitos anos – desde o álbum “Remix”, de 1997, creio que a banda nunca fez algo tão eletrônico, tão feito para danceterias. 
Mas não se enganem, a letra já fala, de cara, sobre a relação com a solidão, e sobre tentar fugir dela recorrendo à vida noturna:
“A solidão, sozinha, corria atrás de mim, experimentando assim a si...”


 2) 3 garotas na calçada



Descobri recentemente que Frejat participou da composição desta música! Ela me soa como algo que Rita Lee cantaria no início de sua carreira, tem uma levada meio Mutantes, meio crua, meio sessentista...
É uma canção muito animada que fala sobre a vida de artista, sobre a alegria e a instabilidade das pessoas que vivem de música.

3) O rei do salão



George Israel dá a esta canção a perfeita definição: "surf music em preto e branco".
"O rei do salão" possui, na minha opinião, toda a essência do álbum. 
O surfista reina na onda, mas está sozinho. Dentro do "salão" (que descobri que é sinônimo de "tubo", uma parte da onda), ele se encontra, vive o melhor momento do surf, mas também tem que lidar com a solidão, pois fica sozinho dentro da onda.
No refrão, ouvimos Paula Toller citando nomes de diversas praias do Brasil e até do Havaí, e eu imagino o surfista vendo as praias enquanto surfa... É como se um oceano de possibilidades passasse diante de seus olhos, e ele reflete sobre a sua própria situação... 
Ademais, a letra de "O rei do salão" diz respeito também à intensidade e efemeridade das situações, pois fala sobre o apogeu vivido pelo surfista, sobre o momento mais importante de sua rotina, que é estar dentro da onda perfeita, e sobre aproveitar ao máximo este momento porque ele acaba:
"O tempo já vai virar,
As águas frias me avisam.
Quando a ressaca passar,
Meu reino vai se acabar."


 4) Ressaca 99


Esta é uma das canções que eu mais gosto! Passa uma sensação tão boa de "no stress" e "don't worry, be happy", hehehe...
A mim, "Ressaca 99" soa como a agonia de alguém no seu ambiente de trabalho, a aflição, o descontentamento com o que está fazendo, a vontade louca de ir embora ou procurar pequenas distrações para se esquecer do trabalho chato... 


"Nem é pra se esconder prá falar no celular;
Nem é pra almoçar, avançar sinal, nem tomar café nem fumar
"



Mas para quê se estressar, para quê querer avançar o tempo? Logo logo o dia acaba e chega a hora de descansar. "Vale a pena esperar, todos vão à praia pra ver o mar".
Enfim, para mim, a mensagem da canção é que há tempo para tudo. O primeiro verso da letra diz tudo: "Não é pra se estressar", porque uma hora a oportunidade certa vem.
Outro detalhe legal é que várias expressões utilizadas em outras canções do álbum são citadas em "Ressaca 99": o rei do salão, as meninas da calçada... Enfim, todos eles terão seu tempo, todos terão seu momento de ir à praia ver o mar.
Situações cotidianas, mensagem legal, ritmo alegre, homenagem ao estilo carioca de vida, auto referência... Kid Abelha mixa tudo isso e o resultado é uma canção sensacional. 

5) Gávea Posto 6

Esta sim tem uma letra bem tristonha... Fala sobre a melancolia do fim de um relacionamento, sobre andar pelos lugares e achar que tudo está de acordo com o seu péssimo estado de humor: "o céu do Rio, tão cinza", o rádio "disposto a me matar", tocando canções que mexem exatamente na ferida não cicatrizada... 
Mas, no fim, o eu-lírico reconhece que precisa superar a situação, e aprende enfim que "ninguém é autor de amor algum" e "perder alguém não chega a ser o fim". 

6) 10 minutos


Mais uma das minhas preferidas e, sem dúvida, uma das letras mais interessantes do álbum. 
Entendo que a música fala, em um primeiro plano, sobre sexo, sobre o orgasmo, mas estes são apenas os motes para tratar de algo mais profundo (sem duplo sentido, hein!?): a supervalorização da intensidade e do prazer (tudo a ver com o meu último texto postado aqui no blog), e as consequências que isto pode trazer.
A proposta do eu-lírico para o ser objeto de seu desejo é a seguinte: em 10 minutos sou capaz de te fazer gozar e te dar a melhor transa da sua vida ("Peço 10 minutos pra te convencer, nós dois ficamos juntos se eu conseguir te fazer corar, te fazer sorrir, e nunca me esquecer ao se despedir"). Mas será que em 10 minutos é possível que nasça entre dois seres algo maior que um simples prazer sexual? A mim soa como aquela velha história: era só pra transar, mas acabou rolando algo mais:


"Restam 10 minutos pra te compreender, nós dois perdemos tudo se eu conseguir te fazer chorar, te fazer pedir pra não te procurar nunca mais"


Na frase "nós dois perdemos tudo", esse "tudo" quer dizer a casualidade, o combinado inicial de sexo sem compromisso: tudo estaria perdido se ambos se apaixonassem! E é o que acaba acontecendo: "Felicidade vai me abandonar, tá me abandonando, me abandonou", ou seja: o sonho acabou; com o fim do sexo, cada um vai para um lado, e o que fazer com este sentimento que ficou?


Mas, para mim, a grande sacada da música é mesmo o primeiro refrão:
"Felicidade vai me acontecer...
Tá me acontecendo...
... Aconteceu!"


É a descrição perfeita para a intensidade e efemeridade dos momentos de prazer! É como sentir o orgasmo chegando, apreciar o ápice do prazer, e depois senti-lo indo embora. E isto não vale somente para sexo: todos os outros momentos de intensa felicidade na vida são assim! Porque tudo que é intenso demais tem duração curta. 

7) Eu não esqueço nada



Esta linda balada é também uma das mais sofridas e fala sobre a dificuldade de superar uma perda, mais ainda quando a pessoa que se perdeu continua tão presente em nossas vidas, fazendo com que nossos sentimentos e velhas lembranças também continuem se fazendo presentes.


"Vejo você de tão longe que só eu sei que é você... Só eu sei te ver..."


No trecho acima, o eu-lírico mostra como dói ver que ainda vive dentro de si aquela sensação de familiaridade que foi estabelecida ao longo da relação... Sabe aquela mulher que, depois de tantos anos, aprendeu a conhecer as manias do marido melhor do que ninguém? É isso. Enquanto o relacionamento ainda perdura, esse conhecimento mútuo tem serventia, mas e quando tudo acaba, o que fazer com tudo isso?, com todas essas lembranças e coisas que você teve que aprender?

"Lembro de tudo que houve, de tudo que ia haver, do que não foi nada dentro dos nadas que havia..."


Essa é a parte em que o eu-lírico fica remoendo as recordações dos momentos, das coisas pelas quais passaram juntos, e também das expectativas que depositou naquela relação, dos planos, dos sonhos, e, pior ainda, de tudo aquilo que parecia significar tanto mas talvez não tenha significado tanta coisa. É triste ver que certas coisas não foram tão especiais para o outro quanto foram para você.


"Nem o alívio do fim, nem o delírio do começo, nem um dia comum..."


Aqui, o eu-lírico está tentando se acostumar com a nova vida, com uma nova vida sem o ser amado... Nem um dia é comum, cada um traz uma sensação diferente, mas infelizmente, nenhuma sensação parecida com as experimentadas ao longo do relacionamento. É como ver tudo novo, mas sob uma perspectiva mais triste.


"Você me trata tão bem, mantém meu coração ferido. Vou lhe fazer um pedido: não fique perto de mim."


Este trecho é o que acho mais triste! É muito comovente porque consigo me colocar no lugar da pessoa que se sente assim. Seria mais fácil superar o fim de um relacionamento se o ser amado realmente não fosse digno do seu amor... Mas o que mais dói é ver que a pessoa é merecedora de toda a dor que você sofre. Quando ela te trata tão bem, seu coração permanece ferido, ou fica ainda mais machucado, por perceber a pessoa especial que você perdeu. Seria menos doloroso se ela agisse estupidamente, dando-lhe motivos para acreditar que foi melhor mesmo terminar tudo. Por este motivo, talvez seja melhor manter distância, evitar encontros, ficar longe, pois assim provavelmente fica mais fácil esquecer, superar e recomeçar...


Esta canção é realmente digna de todos os aplausos. Sempre me surpreendo com a capacidade do Kid Abelha de produzir coisas tão poéticas e ao mesmo tão próximas da nossa realidade.

8) Da lama à pista


Agonia: não há palavra mais adequada para descrever o que penso que o eu-lírico sente ao cantar os versos desta música. "Da lama à pista" me passa uma sensação de agonia da vida, "a vida é besta e eu tive um dia de cão", o dia foi ruim, nada está legal, eu também não estou legal, "hoje eu não tô grande coisa", o que fazer da vida?
Creio também que o eu-lírico entende-se como uma pessoa instável e desequilibrada ("Vivo morrendo de amor e quero férias de mim"), capaz de ir do céu ao inferno em segundos, ou realmente da lama (auge) à pista (ponto mais baixo); uma pessoa que tem dificuldades em lidar com as constantes mudanças da vida mas, ao mesmo tempo, quer reverter esse quadro: "A vida é boa, a vida é bela, manda você de presente, e de repente, inventa outra vida urgente".

9) Solidão, bom dia!


Interpreto esta bela canção como uma tentativa otimista e esforçada de acostumar-se à sensação de estar solitário:


"A solidão me conhece, vou tentando esquecer
Mas ela chega, me olha e estende a sua mão
Então só resta me dizer:
Solidão, bom dia!
Abre a porta, pode entrar"


A solidão pode até não ser uma excelente companhia, mas se ela tem se tornado constante, por que não fazer as pazes com ela? 
Quando disse, no início do texto, que a solidão experimentada pelos personagens das histórias contadas em "Surf" não é uma solidão resignada, referi-me a este sentimento expressado em "Solidão, bom dia": o desejo de não ver mais a solidão como algo negativo, uma vez sabido que ela vai continuar fazendo-se presente em nossa vida.

10) Pelas ruas da cidade (A vida continua)


Mais uma canção que adoro e me identifico muito! E olhem que, quando escrevi "Consolo urbano", nem a tinha em mente.
"Pelas ruas da cidade" fala exatamente sobre a mensagem de seu subtítulo: a vida continua! 
Independentemente de as coisas estarem boas ou ruins, a vida não para, tudo segue, o mundo continua girando, e se nada para, não podemos parar também.


"Quando a gente pensa que está tudo okay,
Vem saudade, vem doença, vem tristeza..."


"Quando a gente pensa que está tudo o fim (...),
Vem um novo ritmo, vem mais um amigo, um novo trabalho..."


É isso aí... A vida continua. É ou não é um tremendo consolo?
Kid Abelha é mesmo genial.


11) Quando eu te amo


Podem até discordar, mas a canção que fecha o álbum me parece falar sobre a forma como um novo amor faz com que toda a nossa visão de mundo mude, adequando-se ao nosso novo (e radiante!) estado de espírito. Passamos a enxergar todo o mundo com olhos mais românticos e o amor se torna parâmetro para tudo. Desacostumamo-nos com as antigas sensações e tudo assume um gosto de "primeira vez", pois tudo agora é diferente, uma vez que o amor entrou em nossa vida.


"Depois que te vi, não sei mais olhar
Só vejo você em todo lugar
Depois que te vi, não sei mais beijar,
Só beijo você em todo lugar"


Os versos "Líquidos vertendo, músculos pensando, fluindo, partindo, mão e contra mão, densas e viscosas, doces e salgadas, gotas, manchas, poças de sangue e suor" me fazem lembrar o álbum "Iê iê iê", de 1993, principalmente as faixas "O beijo" ("A língua, a saliva, os dentes") e "Mil e uma noites" ("É digestão, fotografia, perna forte, braço forte"), todas com palavras e expressões que descrevem esse lado tão físico (quase fisiológico! Hehehe) do amor e do sexo.



Em suma, "Surf" é um álbum extremamente interessante e merecedor de toda exploração. Aparentemente despretensioso, em virtude da sonoridade leve e agradável aos ouvidos, às primeiras escutas pode parecer que a intenção do Kid Abelha foi apenas fazer uma coisa cool, carioca, jovem e surfistinha para atrair novos fãs... No entanto, ao "viajar" nas letras e procurar entender melhor o significado delas, o que pude concluir é que este é um dos álbuns mais adultos e maduros da banda. 


Se antes, em "Seu espião", "Educação sentimental", e "Tudo é permitido" (vide, por exemplo, a contradição entre a firmeza de caráter da mulher de "Como eu quero" e a infantilidade da mulher de "Gosto de ser cruel"), os eu-líricos aparecem explorando todo tipo de situação e sensação, assumindo facetas diferentes e apresentando versões diferentes de coisas iguais, talvez em uma grande busca por si mesmo, as canções de "Surf" me soam como algo produzido por alguém que já tem consciência de tudo que é, que já se descobriu, mas que percebeu que este auto conhecimento ainda não é suficiente para fazer da vida algo fácil de ser levado.


De qualquer forma, valeu a pena ter dedicado um tempinho especial para ouvir, apreciar e tentar entender "Surf", e afinal, a conclusão que fica é que Kid Abelha é muito mais que uma simples banda de hits dos anos 80.