Grupos de atividades de cunho ilícito, perigoso e violento geralmente são compostos exclusivamente por homens. Desde a mais remota antiguidade, as tarefas que envolvem mais força física e coragem são atribuídas aos homens, enquanto as mulheres, frágeis, belas e submissas, ficam incumbidas dos deveres domésticos.
Nas facções criminosas e redes de comércio ilegal de drogas, não é diferente: os grandes chefões do tráfico são homens, os encarregados pelo transporte de drogas são homens, quem pega em armas são os homens. Mas isto não quer dizer que este mundo é composto apenas por eles: ser mulher proporciona alguns vantagens, e é claro que o tráfico não poderia deixar de fazer uso delas, não somente nos próprios esquemas estratégicos e financeiros, mas também, como não poderia deixar de ser, pondo-as em seu histórico e consolidado papel de objeto sexual.
No contexto dos tráficos de droga em países da América Latina, as mulheres participam de duas formas: ajudando na circulação das drogas, ou servindo como "troféu" para os grandes traficantes (como na foto ao lado)
Falemos primeiramente sobre as mulheres que exercem papel fundamental no comércio de drogas.
De início, é interessante notar o quanto tem aumentado o número de mulheres traficantes. Do interessantíssimo artigo "Esse é meu serviço, eu sei que é proibido: mulheres aprisionadas por tráfico de drogas", escrito por Gabriela Jacinto, Cláudia Mangrich e Mario Davi Barbosa, publicado na Revista Discente do Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, n.2., v.2. (jan/jun. 2010), extraí a seguinte informação:
"Em 1996 encontravam-se presas no Presídio Feminino de Florianópolis 40 mulheres, sendo quase 62% por tráfico (SILVA, 1998, p.56). Já no ano de 2007 quase dez anos após, existiam cerca de 150 mulheres encarceradas, destas 66 foram julgadas e condenadas, chegando a um percentual de 71% por tráfico de drogas. O percentual de criminalizadas por tráfico tem acompanhado a porcentagem do último decênio, quando fala-se nos mais altos índices de encarceramento por este crime."
Em casos menos comuns, há mulheres que comandam o tráfico de drogas, tal qual ocorre no romance do espanhol Arturo Pérez-Reverte, “A rainha do sul”, em que uma jovem mexicana passa por diversos percalços até chegar ao posto de rainha do narcotráfico na Espanha. Há ainda o caso real de Enedina Arellano Félix, líder de um cartel mexicano em Tijuana (fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/01/
100122_rainhatraficomexico.shtml), e de Sandra Ávila Beltrán, também mexicana, conhecida como "Rainha do Pacífico", que liderou por muito tempo um grupo especializado em tráfico de cocaína em Sinaloa (fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL149646-5602,00-PRESA+RAINHA+DO+TRAFICO+VIRA+CELEBRIDADE+NO+MEXICO.html).
Porém, em histórias como estas, acredito que a condição feminina faz pouca diferença, até porque as mulheres que conseguem poder e notoriedade no obscuro mundo do tráfico o fazem justamente por conseguirem conduzir as situações com o mesmo pulso, força e bravura geralmente reconhecidos como sendo tipicamente masculinos.
E quanto à mulher “tipicamente mulher”, mulherzinha mesmo, a que não se aventura no território monopolizado pelos homens? Como ela participa no tráfico? Fazendo uso da beleza e do corpo, claro.
É neste contexto que atestamos a existência das “mulas”, pessoas que participam do transporte de drogas carregando-as no corpo. Nos últimos anos, em especial, as principais escolhidas pelos traficantes para agirem como “mulas” são mulheres jovens e bonitas, em razão do fato de que, segundo eles, estas moças contam com maior condescendência das autoridades policiais ao serem fiscalizadas. Em troca do serviço, as beldades recebem uma boa quantia. A droga pode ser escondida nos órgãos genitais e demais orifícios do corpo, mas como essa tática já se encontra banalizada, a nova “moda” é realizar cirurgias para introduzir as drogas na própria pele, onde elas ficam melhor escondidas. (Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/18529_VIDA+DE+MULA)
É claro que as mulheres nem sempre são vistas pelos homens traficantes como alvo potencial para ajudar na expansão do comércio de drogas... Há muitos que preferem aproveitar-se delas de outra forma, da forma mais convencional, fazendo uso daquilo que muitos crêem ser a única coisa que elas têm a oferecer. Aliás, muitas vezes, parte da própria mulher a escolha e o interesse de servir apenas como objeto sexual, o que, para elas, seria muito mais fácil, uma vez que elas ficam apenas com as vantagens do tráfico: usufruir do dinheiro arrecadado.
"Desde muy niño soñaba
Con tener mucho dinero
Tener muchas propiedades
Con tener mucho dinero
Tener muchas propiedades
(...)
Hoy tengo mucho dinero
Mi sueño se hizo realidad
Mi sueño se hizo realidad
(...)
Tengo mujeres de sobra
De reinas hasta modelos"
De reinas hasta modelos"
(Trecho da canção "El gran mafioso", do grupo Los Tigres del Norte)
("Desde muito pequeno sonhava / Em ter muito dinheiro / Ter muitas propriedades / Hoje tenho muito dinheiro / Meu sonho se tornou realidade / Tenho mulheres de sobra / De rainhas a modelos")
Aqui, a mulher atua em outro segmento do tráfico de drogas: a ostentação da imagem do traficante, que quer ser visto como poderoso, influente, cheio de dinheiro e rodeado de belas mulheres, e a propagação do estilo de vida que eles passam a adotar uma vez acumulado o dinheiro conseguido com o tráfico. Neste contexto, o sexo funciona como mercadoria de troca: a mulher cede seu corpo ao traficante, e ele proporciona a ela os luxos que o dinheiro pode oferecer.
Cartaz do filme baseado no livro de Jorge Franco |
É nesta seara que os colombianos Jorge Franco e Gustavo Bolívar Moreno escreveram os romances “Rosario Tijeras” e “Sin tetas no hay paraíso”, grandes sucessos que foram levados, respectivamente, às telas do cinema e da TV.
Em “Rosario Tijeras” vemos a história da bela e instável Rosario, moça da periferia de Medellín que desde pequena convive com o narcotráfico e aprendeu a usar de sua beleza para conseguir o que quer, além de ter que aprender a defender-se sozinha dos abusos e violências. No trecho abaixo transcrito, vemos como as mulheres atuavam nesse contexto do tráfico e demais crimes relacionados:
“Imagine você que não nos deixavam sair à rua nem para comer. Os rapazes saíam cedo e voltavam tarde. Eu passava do quarto da Deisy pro meu, e vice-versa. A única que fazíamos era ver TV a cabo, fumar maconha e ficar penduradas na janela vendo Bogotá. Os meninos chegavam à noite muito perturbados, bêbados, não contavam nada do que faziam, cada um seguia para o quarto para que os mimássemos. (...) Uma noite disseram para ficarmos prontas porque na manhã seguinte alguém nos pegaria e levaria para uma fazenda e que lá encontraríamos eles. (...) No dia seguinte saíram muito cedo, nem eu nem Deisy nos demos conta, mas o que realmente percebemos foi que não tinham dormido. Por volta das dez da manhã chegou um sujeito numa puta caminhonete e nos levou a uma fazenda maneiríssima, você não imagina a fazenda, parceiro, uma mansão do cacete, com várias piscinas, quadras de tênis, cavalos, cascatas, garçons, mais parecia um clube. Deisy e eu pusemos nossos biquínis e ficamos pegando sol. À noite, meia noite, mais ou menos, chegaram os meninos, bêbados, mas dava pra ver que estavam contentes, riam pra cacete, se abraçavam, nos beijavam, pediam mais um trago, tomaram umas brancas e fizeram uma farra que durou três dias.”
(Págs. 60 e 62. Editora Alfaguara)
Já em “Sin tetas no hay paraíso”, fica bem clara a forma como os traficantes colombianos fazem questão de namorar mulheres de corpo belo, tanto que a protagonista do romance, a jovem Catalina, sonha em conseguir próteses de silicone para os seios, a fim de tornar-se mais atraente, chamar a atenção de algum traficante rico e, enfim, sair da miséria e mudar de vida, como fica estampado no seguinte trecho, logo nas primeiras páginas da obra:
"Catalina queria ingressar no sórdido mundo das escravas sexuais dos narcotraficantes, não tanto porque queria desfrutar dos deleites do sexo, porque entre outras coisas ainda era virgem e sequer imaginava o que poderia chegar a sentir com um homem em cima, senão porque não suportava que suas amigas da quadra se exibissem todos os dias com novas roupas, sapatos, relógios e perfumes, que suas casas fossem as mais bonitas do bairro e que tivessem em suas garagens uma motocicleta nova. A inveja corroía seu coração e lhe causava angústia e preocupação. Não podia resistir à prosperidade de suas vizinhas, uma vez que o sucesso delas estava representado por um par de seios, porque até esse dia não havia se dado conta de que somente as casas das quatro meninas mais peitudas da quadra tinham terraço e estavam pintadas."
(Pág. 11. Tradução livre, feita por mim, com base no arquivo extraído do link: http://www.4shared.com/get/dRGyBDiw/Sin_tetas_no_hay_paraiso.html)
Enfim... O tema é demasiado complexo para ser esgotado em um reles textinho de blog. Mas considero apropriado terminar este texto com uma observação feita pelo jornalista mexicano Jesus Blancornelas, autor de "O cartel", uma das obras mais honestas e claras a tratar do esquema do tráfico no México:
"Existe maior participação da mulher em âmbitos diferentes, mas o tráfico de drogas continua com uma cultura predominantemente machista"
Casos como o de Eneida Félix ou Sandra Beltrán, citados acima, são exceções. De uma maneira generalizada, o que a mulher tem a oferecer aos homens que trabalham no narcotráfico ainda é o mesmo que muita gente em nossa sociedade pensa ser a única função da mulher: proporcionar os prazeres da carne. Mas seja no comando, nos bastidores ou na manutenção do status dos traficantes, é sempre lastimoso ver mulheres envolvidas neste contexto - ou melhor, a situação toda, por si só, já é digna de todo lamento.
Um comentário:
Ótimo post!
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