sexta-feira, 4 de novembro de 2011

As coisas normais e as coisas naturais

Nem tudo que é natural é normal, e nem tudo que é normal/natural pode ser considerado moralmente admissível. 

A natureza segue seu curso conforme suas próprias leis, contudo, nem todas elas são recepcionadas entre os seres racionais. 

Ao homem que já conquistou a sabedoria necessária para distinguir,  segundo os princípios divinos, as coisas reprováveis das razoáveis, não lhe é dado culpar a sua própria natureza, ou as usualidades de uma sociedade.  

Em toda parte, deparamo-nos com uma série de estímulos e engenhos aptos a nos fazer cair em tentação e ir contra os nossos preceitos morais. O fato de eles serem inatos ao homem não quer dizer que são corretos e devem ser respeitados. Sim, parece loucura, mas há, em nossa própria natureza, várias tendências que sobreexistem para serem domadas. 


"O fato de uma coisa ser instintiva ou natural não quer dizer que seja boa. Os circuitos cerebrais da mariposa fazem com que se sinta atraída pela luz. Assim, pode voar à noite se orientando pela lua e pelas estrelas. Infelizmente, esse bichinho vive agora em um mundo completamente diferente daquele em que evoluiu. Hoje existem aparelhos que atraem e queimam mariposas e mosquitos. Seguindo seu instinto, a mariposa voa em direção à luz e é incinerada imediatamente. Conhecendo suas necessidades biológicas, o homem moderno pode decidir e evitar ser incinerado por fazer o que lhe parece natural."
(PEASE, Allan; e PEASE, Barbara. Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor? 21a. edição. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. Págs. 135/136)


Deus, em toda a sua perfeição, é sábio ao permitir que o homem venha dotado de disposições e aptidões ingênitas contra as quais deva lutar. Somente no empenho de subjugar as más tendências é que pode o indivíduo acionar a sua própria racionalidade e progredir moralmente. Se persistisse sempre acatando aquilo que lhe é natural, o homem jamais evoluiria, posto que esforço nenhum teria de fazer, e ainda, mal precisaria pensar, refletir, valorar. 


"Tendo o homem que progredir, os males a que se acha exposto são um estimulante para o exercício da sua inteligência, de todas as suas faculdades físicas e morais, incitando-o a procurar os meios de evitá-los. Se ele nada houvesse de temer, nenhuma necessidade o induziria a procurar o melhor; o espírito se lhe entorpeceria na inatividade; nada inventaria, nem descobriria. A dor é o aguilhão que o impede para a frente, na senda do progresso." (KARDEC, Allan. A Gênese - Capítulo III, item 5)


Natural é toda a espontaneidade congênita, é tudo aquilo que é inerente à própria natureza de algo ou alguém. Normal, por outro lado, é aquilo que a sociedade tolera, é tudo que é tido como socialmente aceitável. Pois bem, nem tudo que brota da natureza humana é normal, assim como, nem tudo que é aceito pela sociedade é moralmente ideal. A sociedade também pode se enganar, e isto não é de ser estranhado; afinal, vivemos em mundo de provas e expiações no qual a imperfeição ainda reina. 

O que é moralmente ideal é tudo que vai ao encontro das leis divinas. Portanto, ainda que aceitos pela sociedade, sem censura ou preconceitos, nem todas os costumes sociais e práticas consideradas "normais" são moralmente corretos. 

A voz do povo é a voz de Deus? Claro que não! Estamos ainda muito longe de saber o que verdadeiramente é avindo de Deus; e se isso não fosse verdade, certamente viveríamos em mundo melhor. Não é lógico pensar que o povo conhece os verdadeiros princípios divinos, quando o fato é que, deste mesmo povo, brotam repugnâncias e atitudes cruéis de toda espécie.

É verdade que, outrossim, as concepções de cada indivíduo ou sociedade dependem e estão intrinsecamente ligada à cultura desta sociedade, ou seja, àquilo que se convencionou tolerar. É isto que defende a corrente antropológica do relativismo cultural:


"O princípio do relativismo cultural decorre de um vasto conjunto de fatos, obtidos ao se aplicar nos estudos etnológicos as técnicas que nos permitiram penetrar no sistema de valores subjazcentes às diferentes sociedades. Este princípio se resume no seguinte: os julgamento têm por base a experiência, e cada indivíduo interpreta a experiência nos limites de sua própria enculturação."
(Herkovits, Melville. Man and His Works, New York, Alfred and Knopf, 1948, p.?; Kroeber, A.L.; Kluckhon, C. Culture: a critical review of concepts and definitions, Cambridge, The Museum, 1952, p.176. Disponível em: http://www.revistaalambre.com/Articulos/ArticuloMuestra.asp?Id=33)



E, muito embora se possa consentir que o meio exerce influência sobre o homem (na pergunta 846 do Livro dos Espíritos, encontramos que "é inegável que sobre o Espírito exerce influência a matéria"), não se pode compactuar com a assertiva de que certas condutas são aceitáveis em razão de assim serem consideradas, conforme os padrões culturais de uma época ou de uma comunidade específica. 

Aos olhos de seus conterrâneos e contemporâneos, um indivíduo até pode justificar seu comportamento alegando que "todos agem assim", ou "é normal", ou "a sociedade admite essas coisas". Aos olhos de Deus, portanto, uma vez tendo o indivíduo a consciência do que é moralmente adequado e do que não é (importante frisar isto; afinal, não se pode condenar as decisões de uma pessoa que não tem a noção do que é certo ou errado), tais subterfúgios não valem. 

O homem racional, contanto que saiba o que é certo fazer, é sempre capaz de fazê-lo. Afirmativas como "a carne é fraca" ou "não se pode resistir a certas coisas" não passam de pretextos para quem não está verdadeiramente interessado em agir corretamente. É mais fácil sucumbir às tendências naturais ou sociais; entretanto, nem todas as coisas fáceis são aquelas que proporcionarão maturidade, sabedoria e evolução espiritual - aliás, na grande maioria das vezes, as coisas difíceis é que realmente impulsionam-nos em direção a estas virtudes.


"Assim, de acordo com a Doutrina Espírita, não há arrastamento irresistível: o homem pode sempre cerrar ouvidos à voz oculta que lhe fala no íntimo, induzindo-o ao mal, como pode cerrá-los à voz material daquele que lhe fale ostensivamente. Pode-o pela ação da sua vontade, pedindo a Deus a força necessária e reclamando, para tal fim, a assistência dos bons Espíritos. Foi o que Jesus nos ensinou por meio da sublime prece que é a oração dominical, quando manda que digamos: “Não nos deixes sucumbir à tentação, mas livra-nos do mal.” Essa teoria da causa determinante dos nossos atos ressalta com evidência de todo o ensino que os Espíritos hão dado. Não só é sublime de moralidade, mas também, acrescentaremos, eleva o homem aos seus próprios olhos. Mostra-o livre de subtrair-se a um jugo obsessor, como livre é de fechar sua casa aos importunos. Ele deixa de ser simples máquina, atuando por efeito de uma impulsão independente da sua vontade, para ser um ente racional, que ouve, julga e escolhe livremente de dois conselhos um. Aditemos que, apesar disto, o homem não se acha privado de iniciativa, não deixa de agir por impulso próprio, pois que, em definitiva, ele é apenas um Espírito encarnado que conserva, sob o envoltório corporal, as qualidades e os defeitos que tinha como Espírito. Conseguintemente, as faltas que cometemos têm por fonte primária a imperfeição do nosso próprio Espírito,que ainda não conquistou a superioridade moral que um dia alcançará, mas que, nem por isso, carece de livre-arbítrio. A vida corpórea lhe é dada para se expungir de suas imperfeições, mediante as provas por que passa, imperfeições que, precisamente, o tornam mais fraco e mais acessível às sugestões de outros Espíritos imperfeitos, que delas se aproveitam para tentar fazê-lo sucumbir na luta em que se empenhou. Se dessa luta sai vencedor ele se eleva; se fracassa, permanece o que era, nem pior, nem melhor. Será uma prova que lhe cumpre recomeçar, podendo suceder que longo tempo gaste nessa alternativa."


(Pergunta 872 do Livro dos Espíritos)

Nenhum comentário: