domingo, 18 de dezembro de 2011

A delícia da tensão: prazer e dor

Assistindo ao quinto episódio de "Unforgettable", pude finalmente sentir aquela gostosa tensão cujo desejo de sentir foi o que me levou a acompanhar esta série. E aproveitando o contexto do fascinante mundo das séries de TV, costumo ver vários telespectadores citando séries policiais ou de suspense como sendo suas favoritas, e justificando tais predileções por tratar-se de séries que deixam-nos "tensos do início ao fim". Que estranho prazer!

O nervosismo gerado pela incerteza do desenrolar das coisas, em tese, é fonte de frustração e sofrimento. Porém, quando se trata de filmes, livros ou programas de TV, o inverso é que é verdadeiro: tais tensões transformam-se em entretenimento. 

Qual a graça de compartilhar da aflição das pessoas? Nenhuma; a menos que estas pessoas sejam fictícias. A certeza de que a situação estressante não está acontecendo com você ou com qualquer pessoa próxima, mas com alguém que verdadeiramente não existe, tranquiliza-nos, permitindo que nos distraiamos e até mesmo nos divirtamos acompanhando o clímax e o desfecho da história.

O psicanalista Alexander Lowen fornece ainda outra explicação: segundo ele, o que faz o ser humano "gostar de sofrer" é justamente a expectativa do prazer final. 


"Psicólogos e analistas assinalaram que muitas vezes a pessoa busca situações de tensão e estresse. Na realidade, pode-se experimentar uma certa quantidade de prazer no estado de tensão em si, sob certas circunstâncias.

A tensão de um desafio é prazerosa se a pessoa puder antecipar uma resolução satisfatória para essa situação de tensão. O prazer antecipatório num estado de tensão depende completamente da perspectiva de seu alívio. Eliminada de vista essa perspectiva, todo estado de tensão ou de excitação se tornaria desagradável e frustrante. Na realidade, a frustração pode ser definida como um estado de excitação ou de tensão para o qual não há qualquer perspectiva de alívio. Dada a possibilidade de alívio, pode-se tolerar a tensão até que se concretize essa possibilidade. Tecnicamente, isso é conhecido como princípio da realidade, que é uma modificação e uma ampliação do princípio de prazer. Segundo o princípio de prazer, o organismo tenta evitar a dor e sentir prazer. O princípio da realidade afirma que o organismo adiará a concretização do prazer ou tolerará uma situação de dor para alcançar um prazer maior, ou para evitar uma dor maior posteriormente." ("Amor e orgasmo", 1988, p. 169)


Destarte, na concepção de Lowen, o ser humano é capaz de sentir prazer em uma tribulação, contanto que tenha a certeza de que tudo acabará bem; e, inclusive, estes indivíduos acreditam que, quanto mais sofrerem nas etapas intermediárias, maior será a satisfação no final. Acredito que esta teoria é aplicável às pessoas que "seguram o orgasmo", aos homens que gostam de adiar o gozo.

Todos estes argumentos só vêm reforçar a idéia de quão grande é a semelhança entre prazer e dor, e de como a constatação de um está sempre sujeitada à noção de outro. São polos opostos, e como todo oposto, dependem um do outro para existirem.

O psicólogo e sociólogo francês Gustave Le Bon estatuía que "o prazer é sempre relativo e ligado às circunstâncias", e que ele "somente é avaliável pela sua comparação com a dor":


"A descontinuidade do prazer e da dor representa a conseqüência dessa lei fisiológica: 'A mudança é a condição da sensação'. Não percebemos os estados contínuos, porém as diferenças entre estados simultâneos ou sucessivos. O tique-taque do relógio mais ruidoso acaba, no fim de algum tempo, por não ser mais ouvido, e o moleiro não será despertado pelo ruído das rodas do seu moinho, mas pelo seu parar." ("As opiniões e as crenças", livro II, capítulo I)

Somos ainda imperfeitos demais, em termos de evolução moral, para conseguir distinguir as coisas sem necessitar das extremidades... Ainda precisamos de referenciais, pois não somos suficientemente maduros para apreciar as coisas como elas são por si mesmas; só compreendemo-las na medida em que avistamos o outro lado, o oposto, o extremo. As coisas são relativas, porque ainda precisamos relacioná-las a fim de melhor entendê-las. Mas chegará o dia em que seremos evoluídos a ponto de não mais depender disto...


"No vosso mundo, tendes necessidade do mal para sentir o bem, da noite para admirar a luz, da doença para apreciar a saúde. (...) Eis o que o Espírito humano só dificilmente compreende. (...) Mas, à medida que se eleva e se purifica, o seu horizonte se alarga e ele compreende o bem que está à sua frente (...)." ("O Evangelho segundo o Espiritismo", Capítulo III, item 11)

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