sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O conforto fútil

Pintura de Michel Borges, inspirada
no poema ao lado.
(Créditos: michelborges.com.br/2011/
08/05/blank-11-2/0)
"Casas entre bananeiras,
mulheres entre laranjeiras,
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus."
(Carlos Drummond de Andrade, 1930)


Tantos de nós buscamos e almejamos uma vida de conforto e tranquilidade, como se toda a vida constituísse uma longa e árdua caminhada em direção a esse destino no qual finalmente poderemos parar e descansar, e gozar infinitamente desse tão esperado sossego. 

No atual estágio de nossa sociedade dominada pelo capitalismo e consumismo, costumamos conceituar como fúteis aquelas pessoas que valorizam excessivamente os bens materiais. Generalmente, quando pensamos em alguém fútil, logo mentalizamos uma pessoa do sexo feminino, totalmente embelezada, bela e arrumada, fazendo compras e falando sobre as melhores grifes e sapatos, roupas e maquiagens. Esse é o conceito moderno de futilidade.

Imbuídos destes conceitos preconcebidos, mal paramos para pensar que a futilidade pode estar até mesmo onde é convencional dizer-se que há sabedoria. Afinal, fútil, segundo os dicionários, é tudo aquilo que é desprovido de importância, de valor. Leviano e superficial são alguns dos sinônimos. E o que é a superficialidade senão o ato de importar-se apenas com o que não está na essência das coisas? 

Fútil, portanto, é quem não faz questão de aprofundar-se em nada, quem não se interessa em ir afundo, quem "fica na superfície", quem só preza a aparência, o que está de fora, e nunca o que está dentro, nunca a essência, o valor, o significado. 

Partindo deste conceito, então, qual a diferença de uma patricinha fazendo compras no shopping e um homem que dedica todas as suas horas à limpeza e cuidado do seu carro? Quão vazia é a vida de ambos?

Qual a diferença de um ancião que passa os dias apenas sentada na cadeira de balanço da varanda de sua casa, e um jovem cuja vida gira em torno de apenas festas e bebidas? Todos eles estão plenamente ocupados com coisas que não levam a nada, que não têm significado algum. E por mais que a anciã seja considerada sábia, por sua idade e experiência de vida, e o homem seja considerado cuidadoso, por seu zelo e higiene com o próprio carro, o que eles estão acrescentando de útil às suas próprias vidas e às vidas das demais pessoas?

O conforto, a paz, a alegria, o bem estar, o prazer; todas estas sensações tão gostosas, se constituírem toda a razão de viver de alguém, são fúteis. 
Estar feliz, comer bem, dormir bem, ter bom sexo... Tudo isto, quando toma a maior parte de nossos dias ou mesmo nossos dias inteiros, é fútil. 
Preocupar-se em excesso com a nossa boa aparência, ou mesmo com a boa aparência de nossa casa ou nossos objetos, ocupando todo o nosso tempo com isso e deixando de despender tempo com coisas que agreguem algum conhecimento ou valor às nesses mentes e vidas, é fútil. 
Hobbies, atividades prazerosas, eventos divertidos; todas estas coisas, se constituírem um fim em si mesmos, e não um meio para que nos sintamos bem de modo a poder desempenhar melhor as demais atividade úteis de nossa vida, são fúteis.

O oposto da futilidade é a utilidade. Tudo que não é útil, é fútil. Nem sempre é tão fácil fazer esta distinção. Não são as coisas ou pessoas que são fúteis: é a combinação dos dois, é a opção de determinada pessoa fazer determinada coisa. Tudo que não é necessariamente útil transforma-se em útil na medida em que serve para aliviar uma tensão ou proporcionar uma pausa necessária à recarga das energias... Mas quando ultrapassa esse limite, volta a ser inútil, e portanto, fútil. A linha é tênue, contudo, é importante. Não só para que abandonemos a postura de apontar o dedo e julgar qual ser humano é fútil e qual não é (esta própria atitude já faz de nos um pouco fúteis também), mas também, para que olhemos mais atentamente para nós mesmos e saibamos escolher o que é melhor para nós. 

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