segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O criador, a criatura, e o processo de criação

"Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.

E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.

Porque o escrever - tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer."
(Trecho do poema "Profissão de fé", de Olavo Bilac)


Tela "Two girls reading",
de Pierre Auguste Renoir
É engraçado o modo como as nossas criações ganham vida própria, depois de prontas.

Dispomos de um sem-número de recursos - sejam eles visuais, literários, materiais, auditivos, gustativos ou de qualquer outra natureza! - para expressar o que sentimos e pensamos, e uma vez composta a obra, é como se o processo de criação passasse a ser algo que só diz respeito ao próprio criador. Ao resto da humanidade, o resultado do trabalho. Ao autor do trabalho, os segredos, bastidores, os detalhes por trás de cada elemento.

É engraçado ver o criador se defrontando com a própria criação. Ele rememora tudo que pensava e tencionava enquanto punha cada palavra no papel, enquanto tecia cada fio, enquanto maquinava cada aspecto. Porém, aos olhos de quem aprecia a obra, ela é um todo. Não é um quebra-cabeça onde se esconde uma história por trás de cada peça, e outra história maior ainda envolvendo a lógica que faz cada peça unir-se perfeitamente à outra. A obra é o composto, é total em si mesma; e quem a observa, por ela julga quem a fez.

À medida que a obra vai causando alguma impressão no indivíduo que a degusta, este vai se apoderando dela, pouco a pouco. E a obra, então, deixa de ser aquilo que o seu autor designava quando a produziu, e passa a ser aquilo que o contemplador interpretou que fosse, ou ainda, aquilo que a ele significou quando a contemplou.

Os apreciadores nunca saberão o que levou uma obra a ser feita, ou como ela foi feita, a menos que o autor conte. E, no final das contas, vale a pena querer saber? 

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