domingo, 4 de setembro de 2011

A "mulher corpo" e a "mulher todo": o homem e as emoções femininas no sexo



Eu devo ser mesmo uma pessoa desesperadamente filosofal, para poder refletir sobre os relacionamentos humanos enquanto leio um romance de banca. E agora, aqui estou eu, mais uma vez falando sobre a dinâmica homem-mulher, mas desta vez, inspirada por "Fogo da paixão", de Tina Donahue, o romance n.° 1389 da coleção Júlia Históricos.

Okay, este é o tipo de livro que garotas lêem para passar o tempo ou simplesmente sentirem-se mais românticas. E podem até achar que só se trata de uma justificativa estapafúrdia, mas eu acredito mesmo que é possível absorver um pouco de filosofia e cultura, mesmo da mais aparentemente frívola ocasião. Quem estiver inspirado ou conseguir enxergar além do próprio preconceito e dos limites que a sociedade impõe quando rotula algo ou alguém, certamente conseguirá extrair algum entendimento de praticamente qualquer coisa.

Mas, uma vez que me propus a fazer isso, devo parar com a enrolação e partir para a questão central: o que chamou a minha atenção, neste livro, foi a forma como o mocinho não se contentava com a pose de esposa perfeita que a mocinha resolveu incorporar. Importante salientar que a história se passa na Espanha de 1493. 

Catalina havia sido prometida a Dom Diego, e eles se casaram. Ela sempre foi uma moça ousada, independente, com espírito livre. Receava casar-se, pois sabia que quando o fizesse, deveria esquecer sua vida de liberdade e passar a ser a esposa submissa, que acata todos os desejos do marido, tolera suas infidelidades e mal pode pensar por si, deixando que o marido tome todas as decisões. 

Catalina sabia que não poderia encontrar felicidade em um casamento. Sabia que teria que passar o resto da vida tratada como um objeto, um enfeite, mero instrumento para dar prazer e filhos ao marido. Sentimentos e opiniões de uma mulher não importavam para os homens daquela época. Isso era uma afronta à sua personalidade, mas o que mais podia fazer? Só restava a ela tentar não se apaixonar pelo noivo, pois sabia que, caso o amasse, sofreria ainda mais com a postura que ele viria a assumir perante ela.

Uma vez casada, Catalina fez a regra do jogo, e tornou-se tão subserviente quanto se esperava de qualquer ser humano do sexo feminino, naquela época. Mas se recusava a mostrar seus sentimentos.

Dom Diego: Temos um mês até o casamento. Penso que deveríamos usar esse tempo para nos conhecer bem.
Catalina: Como desejar.
Dom Diego: A feira em Córdoba será dentro de poucos dias. Você gostaria de visitá-la comigo?
Catalina: Se é isso que você quer.
Dom Diego: Ouvi contar que haverá várias diversões.
Catalina: Se é isso que você quer.
Dom Diego: Eu poderei vir buscá-la de manhã.
Catalina: Se é isso que você quer.
Dom Diego: O que eu quero é que você me olhe enquanto eu falo com você.


Acontece que isso não agradou Dom Diego. Mesmo Catalina satisfazendo-lhe todas as vontades - principalmente as sexuais -, ele ficava insatisfeito ao ver que ela estava apenas representando um papel. Queria que ela fosse espontânea, agisse com naturalidade, e acima de tudo, fosse sinceramente amorosa. 


Catalina: Farei o que desejar, Diego.
Dom Diego: Não, Catalina, sua entrega será absoluta porque você assim deseja. Ninguém mais.


Aos poucos, Catalina percebeu que Diego não queria apenas ser dono dela, não queria apenas a esposa-troféu, a esposa-parideira. Ele queria a Catalina, a mulher, o ser humano. Queria-a inteira, e queria ser amado por ela. Saber disso deixou Catalina comovida.


Dom Diego: Parece que nosso casamento será de competições sem fim.
Catalina: Desde que eu continue a ganhar. E ganharei sempre.
Dom Diego: Talvez eu esteja permitindo isso.
Catalina: Por que você agiria assim?
Dom Diego: Por vontade de agradá-la.
Catalina: Ah, então minha felicidade lhe diz respeito?
Dom Diego: Claro. Como não poderia?



Esta é a parte que gosto. Achei muito bonito, da parte de Dom Diego, interessar-se pela Catalina real, ter consideração por seus sentimentos, suas idéias, sua verdadeira personalidade. Não é o tipo de atitude que um homem daquela época costumasse ter.

Lembrei-me também do filme "O escândalo da princesa", de 1960. O casal Olympia e Charlie, vivido pela linda Sophia Loren e pelo igualmente belo John Gavin, vivia um amor meio que proibido, devido ao fato de ela ser uma princesa e ele, um simples plebeu.

Há uma certa parte no filme em que Charlie toma conhecimento de um segredo de Olympia, e ela precisa contar com sua discrição, mas é claro que ele iria tirar vantagem disso. Então, em troca do seu silêncio, exigiu que ela passasse um fim de semana com ele, em uma casa de campo já muito conhecida dos dois. Ela o faz: vai até lá, mas não se entrega, não dá a ele seu sentimento, não expressa o que sente, de maneira alguma. Permanece fria e imóvel, como se fosse um objeto que ele pudesse usar.




Charlie: Está cansada?
Olympia: Não tenho sentimentos em particular. Estou aqui para o que você quiser.





Porém, ter Olympia somente em presença não satisfaz Charlie. Mais uma vez temos um homem ansioso por um sentimento real e recíproco: amor, genuíno e real; não apenas um envolvimento unilateral entre um homem apaixonado e um corpo de mulher. Desapontado, Charlie liberta Olympia. Não ia adiantar nada passar um fim de semana inteiro com ela, se ela só estivesse ali por obrigação, sem a menor intenção de dá-lo carinho.



Olympia: Eu devo pagar a minha dívida. Estou à sua disposição, dia e noite.
Charlie: Não, não está mais. Estou te liberando.
Olympia: O que quer dizer?
Charlie: Não precisa pagar sua dívida. Está cancelada.
Olympia: Está dizendo que estou livre para ir embora?
Charlie: Sim, e não precisa se preocupar. Vou manter minha parte no trato. Não falarei nada, e deixarei a cidade.
Olympia: Por que está fazendo isso?
Charlie: Você não entenderia. Eu tentei me vingar, mas me apaixonei por você. Não vai dar certo.

O diálogo que segue é um dos mais lindos do filme, com ambos declarando seu amor, um ao outro...

Tudo isto levou-me a pensar novamente na questão sexual e amorosa que abordei no texto "As mulheres e o sexo". 

De que homens são capazes de fazer sexo sem necessariamente envolver sentimentos amorosos, já estou convencida. Mas se a questão é realmente esta, se muitas vezes um corpo feminino é tudo de que eles precisam para sentirem-se realizados, então por que valorizam tanto a espontaneidade da mulher na cama? 

Eu citei dois casos (fictícios, mas nem por isso descondizentes com a realidade) em que os casais amavam-se muito, mas a verdade é que, mesmo ao transar com uma desconhecida ou uma mulher pelo qual não tenha sentimento algum, o homem gosta que ela desfrute do momento tanto quanto ele. Em suma, o homem espera alguma emoção por parte da mulher. Este fato parece não se encaixar tão bem na teoria de que homens dissociam sexo de sentimentos.

O psicanalista Alexander Lowen acredita que o "sexo é uma expressão de amor" (in Amor e orgasmo. São Paulo: Summus, 1988. Página 25); e quando ele afirma isso, definitivamente não é porque está impregnado das correntes católicas que pregam que sexo só é lícito quando praticado dentro do casamento. Até onde consegui entender, o que ele sugere é que o sexo, mesmo quando praticado casualmente, é sempre impulsionado por uma emoção, nunca podendo ser considerado como uma experiência puramente física; senão vejamos:

"Todos os relacionamentos dos quais o amor faz parte são caracterizados pelo desejo de proximidade, tanto espiritual quanto física, com o objeto amado. 'Proximidade' talvez não seja uma palavra suficientemente forte. Em suas modalidades mais intensas, a sensação de amor inclui o desejo de fusão e de união com o objeto do amor. (...) E como é o sexo diferente disso? O sexo faz as pessoas ficarem juntas." (página 26)

Estas lições remeteram-me à participação de Ivete Sangalo e Pedro Cardoso no programa "Amor e sexo", da Rede Globo, apresentado por Fernanda Lima, que foi ao ar em 18/08/2011. 

Em determinada ocasião, Pedro defendeu que há sempre afeto no sexo, mesmo quando se trata de uma situação momentânea, de "sexo por sexo", supostamente sem amor. Segundo ele, o impulso que leva uma pessoa a querer relacionar-se sexualmente com outra é sempre afetivo. "Às vezes, no início, a pessoa não percebe o amor, mas é sempre amor, mesmo que aquele amor tenha por destino findar-se logo". 

Em complemento, Ivete Sangalo disse que não há como sentir-se excitado por alguém que não lhe desperta nenhum interesse, ou seja, é necessário um mínimo de estímulo, e esse estímulo é o afeto; é uma fonte de afeto, que talvez se dilua ao longo do tempo que durar a relação sexual, mas não deixa de ser um afeto. 

Fernanda Lima ainda acrescentou que tesão é "o contorno que se dá", é um outro nome para o afeto; e nisto, Pedro Cardoso alegou que o machismo impede o homem de dar ao seu desejo o nome de afeto. 

Enfim, achei toda a discussão muito interessante. Apesar das piadinhas e gracejos típicas de um programa de TV e de qualquer conversa que envolva este tema, creio que foi válido abordar a questão sob uma ótica mais séria, com argumentos sérios e um pouquinho de filosofia (motivo pelo qual muitos criticaram a participação de Pedro Cardoso no programa, tachando-o de "sem graça" e "filosófico demais"; eu, todavia, gostei muito e achei que suas contribuições só vieram a enriquecer o debate).

Sob esta nova percepção, quase sou capaz de sentir-me injusta pela forma como julgo os seres do sexo masculino.

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