domingo, 23 de outubro de 2011

O legado dos singulares anos 90

Eu sempre alentei sentimentos de nostalgia a respeito de épocas passadas. Sempre fui fascinada pelas décadas de 1930 a 1960, e 1980 também (os anos 70, embora tenham lá seu atrativo, não estão entre os meus prediletos); sempre adorei pesquisar sobre estes tempos, tentar criar em minha mente uma noção de como eram as coisas naquelas épocas.

Nesta semana, contudo, eu assistia um episódio da série "2 Broke Girls", no qual as protagonistas deram uma festa temática dos anos 90, quando subitamente fui acometida por um insight de saudosismo por esta década. Uma coisa levou à outra: fiquei morrendo de vontade de assistir "Will e Grace", e peguei os DVDs da primeira temporada (maravilhosa, por sinal!)... Só me fez ficar ainda mais nostálgica. Sim, porque esta é uma década que eu vivi. 

Foi quando pensei: sempre fui tão saudosista em relação aos anos 50, 60, 80, enfim, a décadas que eu não vivi nesta vida... Mas os anos 90 foram a minha década! Claro; 1990 foi exatamente o ano em que eu nasci. Eu cresci nesta década. Foram nestes anos que eu conheci o mundo, conheci tudo, formei-me enquanto pessoa. 

E neste afluxo de pensar sobre os anos 90, e em especial, sobre como me sinto em relação a eles, fiquei relembrando momentos especiais da minha vida àquela época, e fatos marcantes da história e cultura mundial. Nunca duvidei do fato de que o homem pode ser um produto do meio, entre outras coisas, e que o contexto de uma era define as atitudes das pessoas que nela viveram; porém, quando analisamos a forma como essa idéia impacta em nossa própria vida, tudo parece mais compreensível.

Os anos 90 foram a década da liberdade e da diversão, sem dúvidas. As próprias circunstâncias nas quais a década teve início contribuíram para que estas fossem as principais características: 

* No mundo, o capitalismo dava seus gritos definitivos de vitória, após a queda do Muro de Berlim (que deu-se em novembro de 1989);

Ulysses Guimarães e a
"Constituição Cidadã"
* No Brasil, as pessoas começavam a experimentar a sensação de ter quase tudo garantido e poder fazer quase tudo, em decorrência da Constituição Federal proclamada em 1988, a qual firmou a república democrática, a liberdade de expressão, a igualdade, os direitos e as garantias fundamentais e mais uma porção de ônus que o Estado chamou para si, prometendo mil coisas aos cidadãos;

* Na mídia, a MTV chegava ao Brasil, os seriados americanos consolidaram-se como cultura popular, as bandas de rock que cantavam hinos de protesto começaram a desaparecer, deixando espaço para os ídolos pop que só queriam saber de amor, sexo, festas e diversão.

Em suma: depois de anos de repressão, tensão e amarras (em todos os sentidos), parece que nos anos 90 todos "relaxaram e gozaram" - com a devida vênia pelo uso da expressão consolidada ao ser dita pela senadora Marta Suplicy. 

Afinal, em que outra época podia-se ver tanto erotismo descarado em plena luz do dia nos canais da TV aberta? Leia-se: Banheira do Gugu, Tiazinha, Feiticeira etc.
Em que outra década artistas como os Mamonas Assassinas, Falcão e Tiririca teriam feito tanto sucesso, ou pelo menos conseguido fazer algum sucesso?
Em que outro tempo se tem notícia de tantos programas de humor dominando as programações dos canais? No Brasil tivemos: Casseta e Planeta, Escolinha do Professor Raimundo, Sai de Baixo; nos Estados Unidos: Mr. Bean, Seinfeld, Frasier, Friends, Os Simpsons, entre outros.
Quando é que já se havia visto o surgimento de tantas celebridades que chegaram à mídia às custas do corpo, da beleza ou da simples vontade de aparecer? Eram as Renatas Banharas,  Nanas Gouvêas e Ronaldinhas da vida.
Alguma vez já se viu tantas pessoas sentindo tão pouca vergonha de assumir que gosta de estilos de música não cultos? Vale lembrar que na década de 90 é que o sertanejo, axé e pagode estouraram.
E quando é que já se deu tanto crédito a aberrações como ETs e chupa cabras? A quem não se lembra, havia programas de TV que passavam horas e horas abordando estes temas...
Só mesmo nos anos 90 estas coisas poderiam ter acontecido. 

Quando faço esta retrospectiva, concluo que nos anos 90 as pessoas levavam as coisas mais à base da brincadeira. Tudo parecia uma grande festa, uma grande piada. Hoje, vinte anos depois, apesar de estarmos em plena época de Pânico na TV, Rafinha Bastos e vídeos caseiros de comédia no Youtube, ainda assim acho que as pessoas são mais sérias, em comparação com a década retrasada. 

Lendo um pouco a respeito, descobri que muitos jornalistas e pesquisadores atribuem ao incidente do 11 de setembro de 2001 (a queda das Torres Gêmeas) o fato de a sociedade ter se tornado mais cautelosa, séria e menos zombadora. Acho que faz todo o sentido.

Fernando de Albuquerque, da revista O Grito, sintetizou esta transição com as seguintes palavras:


"Os anos 90 foram irô­ni­cos. Todos riram de si mesmo e tudo virou uma geléia de sabo­res e cores. Todos cur­ti­ram. E a pas­sa­gem do século foi com a forte res­saca ini­ci­ada com o 11 de setem­bro em 2001. Seguiram-se aos even­tos novai­or­qui­nos duas guer­ras, escân­da­los polí­ti­cos de cor­rup­ção e o boom das cele­bri­ties. É espe­rar os resul­ta­dos, nos pró­xi­mos 10 anos, dessa era mar­cada pelo Ipod."


Este mesmo jornalista descreveu os anos 90 como "a grande festa que deu carga ao novo século". 

Em outra reportagem do jornal O Diário, encontrei a seguinte análise:

"Os anos 90 foram uma válvula de escape no Brasil. Após mais de 20 anos de repressão política, os brasileiros sentiram o gosto da democracia e se entregaram ao humor: era um período de descobertas e transformações. Um novo leque de possibilidades se abria. O politicamente incorreto imperaria como um modo desejado e interessante de encarar as coisas. 
(...)
O humor se liberou. As pessoas aprenderam a rir de si mesmas. As sátiras perderam seus freios: South Park, Casseta & Planeta, Mamonas Assassinas, entre outros, podiam exercer uma certa crueldade cômica sem condenações. O trash e o brega viraram cult. 'A baixa cultura seria consumida sem culpa.' Segundo Essinger [Silvio Essinger, jornalista e autor do livro 'Almanaque Anos 90'], isso se perdeu na década seguinte. 'Houve um retrocesso. Depois do 11 de Setembro, o politicamente incorreto deixou de ser cultivado. 'As pessoas se retraíram nos anos 2000 -; 'ninguém pode brincar com ninguém'."
(Fonte: http://maringa.odiario.com/dmais/noticia/190897/revisitando-os-anos-90/)


Quando leio estas coisas e reflito sobre toda esta farra e festival de 'podes' que foram os anos 90, consigo entender porque os meus contemporâneos, recém-adultos de hoje, são como são. Por isso vejo tantos jovens perdidos, desregrados, sem saber o que fazer com suas próprias vidas, confusos com tantas opções que o mundo oferece, dificultosos de encarar a vida como os adultos que são. 

Afinal, nós crescemos nesta festa. Passamos toda a vida acostumados com regalias, prerrogativas, gracejos e futilidades. Desde que nos conhecemos por gente, este mundo de tecnologias e possibilidades já estava a nosso completo dispor. Quando nascemos, tudo que havia para ser conquistado já estava consolidado. Nossos antepassados deram o sangue para garantir que tivéssemos a liberdade de sermos o que quiséssemos, e não estou bem certa de que soubemos fazer bom uso destas liberdades. Talvez seja este o motivo de os jovens de hoje não terem força ou postura para lutar, para se indignar com os absurdos; ou de eles não conseguirem decidir o que querem fazer, o que querem ser. 

Entretanto, apesar de todos estes pesares, não condeno os anos 90. Boa parte da minha personalidade foi formada com coisas que li, assisti e ouvi nesta época, que foi a época da minha infância. Quando vejo as fotos ou revejo programas de TV que assistia na época, eu consigo me lembrar das cores, dos cheiros, dos ambientes, das situações, do modo como as pessoas falavam e se comportavam. E quanto mais eu atesto o poder que a cultura, a informação, a moda, a arte, o cinema, o entretenimento e a música tiveram na década de 1990, mais eu tenho certeza de que nasci na época mais propícia para ser quem sou.

Como é interessante olhar por esta ótica! É bom poder examinar uma época da história e dizer: eu vivi isso. Agora sei como se sentem os meus pais quando converso com eles sobre o panorama do mundo nos anos 70 e 80. Será maravilhoso conversar sobre os anos 90 com meus filhos, no futuro.

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