domingo, 30 de outubro de 2011

"Rebus sic standibus": um autodiagnóstico

Estudante e futura operadora de Direito que sou, caso fosse escrever uma autobiografia, creio que deveria se chamar "Rebus sic standibus", em razão da minha frequente necessidade e vontade de não alterar o panorama das coisas, e o desconforto que sinto em situações que envolvem coisas novas.

Muitos diriam que tenho medo de mudar, e que por isso prefiro permanecer em situações cômodas. Não é que eu negue, mas penso que o sentimento que alimento em relação às transformações da vida não é exatamente medo, mas sim, impaciência.

Em Direito Civil, o princípio "rebus sic standibus" quer dizer "deixar as coisas como estão". Mudar todo um panorama implicará no surgimento de uma nova situação jurídica, demandando uma série de alterações decorrentes, as quais precisarão ser feitas para que tudo se amolde às novas circunstâncias e às exigências legais.

Transpondo o conceito para a vida humana, reflito que o que realmente me dá preguiça não é este processo de alteração, mas sim, a forma como devemos nos portar enquanto essa mudança não se consolida. 

A verdade é que não gosto muito do início das coisas. O começo é tenso porque representa o desconhecido, e estar no desconhecido é não ter certeza de que tudo ficará bem. A falta desta certeza me deixa atônita.

Toda mudança, em especial na etapa inicial, requer muita cautela, sensibilidade, prudência. Devemos estar sempre pisando em ovos, disfarçando um defeito ou outro, tentando nos amoldar àquela nova situação. Há pouca ou quase nenhuma liberdade, naturalidade, porque todos estão ainda desempenhando performances, representando papéis. Esta situação é sufocante.

Eu gosto de estar adaptada. Gosto de saber onde estou pisando, ter a noção de tudo que me rodeia; gosto da certeza de ter certeza das coisas. Agrada-me saber que finalmente posso respirar aliviada, finalmente posso ser eu, finalmente posso abandonar as tensões inerentes àquele estágio onde as pessoas não se conhecem e não sabem para onde estão indo. O início é sempre a batalha pela conquista do próprio espaço, e eu não gosto deste ponto - gosto daquele ponto onde o espaço já está garantido e eu já estou satisfatoriamente instalada. 

A verdade é que sou obcecada por estabilidade. A luta da minha vida é pela conquista de coisas que duram. Não gosto de esporadicidade, efemeridade e aventuras. Não gosto da sensação de perder coisas às quais levei tanto tempo para me acostumar ou para gostar.

Na realidade, não é que deteste tudo que é novo. Aprecio mudanças que tendem a melhorar a vida, mas prefiro quando acontecem gradativamente. Tudo que acontece aos poucos possui maior tendência de se tornar sólido e firme. 

Mudanças rápidas e intensas demais me afligem, porque interpreto-as como um grande e insignificante gasto de tempo. Não vejo lógica em estressar-me tanto para ajustar-me a um novo statu quo res erant ante bellum, e em questão de pouquíssimo tempo ter que abandonar todos estes novos hábitos. Estrição demasiada impede-nos de aproveitar melhor os momentos; atrapalha o desfrute, estorva o bem estar. Ao fim de tudo, o que resta? Tempo perdido a troco de nada. 

Gosto de segurança. Gosto de ter tempo para ser feliz, e de saber que até o fim deste tempo marcado, estarei gozando refertamente desta felicidade. A perspectiva de precisar renunciar a esta felicidade me deixa impaciente.

Engraçado atestar que sou impaciente por natureza. Não é algo que admiro muito em mim, mas faz parte do que sou, embora não pareça - e, de fato, não parece, pois sou vista como uma pessoa muito quieta, até pacata. Meus gestos e modo de agir são normais, tranquilos. A impaciência reside em minha mente.

Sou bombardeada por estímulos o tempo inteiro, e isso me deixa maravilhosamente confusa (e antes que me achem muito louca, defendo-me com termos científicos: transtorno de déficit de atenção). Há um bilhão de coisas interessantes neste mundo, e parece-me muito operoso permanecer concentrada em somente uma delas. Como posso focar-me 100% em um assunto quando há tantos outros que chamam a minha atenção? Sinto que estou em um tiroteio, mas um tiroteio de coisas boas. Aliás, ótimas. É preciso ser mais do que bom para captar o meu interesse.

Deveras, raramente estou concentrada. Na maior parte do tempo, é só a maior parte da minha mente que está ocupada por um assunto. O restante está preenchido por mil e um outros distintos, em uma constante batalha consigo mesmo, como se cada tema estivesse peleando pela minha atenção. Mas, calma, pessoal! Há espaço para todos na minha louca cabecinha. Nenhum perderá seu lugar; quem sairá perdendo sou eu, que fico exausta com tantas coisas para pensar.

Ah, que modo mais ranzinza de enxergar a situação! Não saio perdendo, não. Eu ganho muito com tudo isso. Devo muito do que sou à minha capacidade e costume de me interessar por tantas coisas diferentes. O ecleticismo, a versatilidade e a multiplicidade de habilidades, se não são a chave para as grandes conquistas da vida, ao menos são de grande serventia para chegar até elas.

Eu quero usufruir a vida com toda a sua plenitude, e é uma ilusão pensar que isso pode ser obtido por meio de um bilhão de experiências fugazes, ainda que dotadas de muita intensidade. A intensidade é superestimada, hoje em dia. Intensidade nada mais é que uma superconcentração de emoções. Eu prefiro emoções dosadas, ser feliz todos os dias, em vez de ser extremamente feliz em algumas poucas e breves situações isoladas.

Eu gosto de coisas belas e interessantes, divertidas ou reflexivas, profundas ou simplesmente entretedoras. Gosto de coisas enérgicas e tenho pouca paciência para serenidade. O mundo é tão vivo! Há tantas idéias para serem pensadas! Eu preciso de muito tempo, espaço e condições para poder pensar em todos estes assuntos, para apreciar todas estas belezas. E só terei isso se estiver estabelecida, estável, segura em algum lugar ou alguma situação. 

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