domingo, 30 de outubro de 2011

Hoje é domingo, filha


30 de outubro de 2011 na cidade em que eu e seu pai nos conhecemos, na cidade em que fui criada com tanto amor, na cidade em que comecei a sonhar com você,

Querida filha,

O domingo amanheceu nublado. Um pouco cinza e com promessa de chuva, exatamente como sua mãe gosta. Acordei antes das 7h, porque estou passando por uma fase de pouco sono. Tenho estado muito disposta, muito enérgica, com pouca vontade de dormir e com uma ânsia enorme por aproveitar bem o meu tempo. Seu pai diz que é devido à musculação, a qual tenho levado muito a sério. Eu, em tom de gozação, digo a meus amigos que é porque estou ficando velha e não consigo mais dormir até tarde.

Mesmo assim, propus-me dormir mais um pouquinho, e fiquei na cama até as 9h. Levantei e fui preparar um café da manhã para seus avós e sua tia: frutas picadas, café quentinho com leite, torradas com queijo. Bem pouco, pois daqui a algumas horas iremos almoçar na casa daquela nossa amiga querida, cuja família é praticamente a nossa própria família; você vai conhecê-los, filha. Será impossível você não se tornar o novo xodó deles também.

Nós adoramos falar sobre as mais diversas coisas durante o café da manhã nos domingos e feriados, ou seja, em dias nos quais temos tempo para conversar à vontade. O diálogo é importante, filha; aprendi isso com sua avó. Nós quatro somos muito unidos, conversamos bastante, trocamos idéias. Às vezes um ou outro tenta impor as suas aos outros, mas isso faz parte. Nós todos temos personalidades muito bem definidas, cada um tem seu jeito de ser e suas convicções. 

Então começou a chover. Sentei-me na ponta da mesa da cozinha, de modo que conseguisse observar a vista da rua pela janela (moramos em um prédio, filha). Peguei o computador, e vim escrever para você. Não, não este texto. Outros. Você sabe, todos são para você, mas acho que em primeiro lugar, são para mim. 

Li as notícias do dia, escrevi um pouco, adiantei alguns trabalhos da faculdade.

Por volta das 12h, fomos almoçar: eu, seus avós, sua tia, e seu pai. Estávamos tão felizes! Sabe-se lá o porquê. Há algo diferente no ar hoje. Eu atribuo à chuva, como sempre; mas não deve ser isso, pois seus avós não são apaixonados por chuva como eu, e mesmo assim estão radiantes. É muito bom estarmos juntos, filha, nós e nossos amigos verdadeiros. Sempre rimos muito, gostamos da companhia um do outro. Nossas famílias se dão muito bem.

Espero que, quando você nascer, eu saiba criar esse clima gostoso de família, para a nossa família: eu, você e seu pai. Quem sabe até mais alguém no futuro? Não, filha, não o seu namorado; estou me referindo a um irmãozinho.

Ao me deixar em casa, seu pai me disse coisas tão bonitas. Você não sabe o quanto somos felizes, filha. Eu tento te transmitir essa sensação através dos meus textos, mas é algo que transcende as palavras. Você vai perceber quando for grandinha, observando nos meus olhos e nos dele, e no modo como nós nos olhamos.

Ainda extasiada pela chuva e pela alegria de ser amada por alguém tão especial, decidi escutar música enquanto terminava meus afazeres acadêmicos: o novo álbum da Marisa Monte, e um da Maria Bethânia. São canções tranquilas cantadas por belas vozes, combinam com o dia de hoje.

Marisa Monte me fez lembrar da sua tia-avó. Ela adora, sabia? Mandei uma mensagem de celular a ela dizendo que sinto saudades, e pedindo para que ela nunca perca seu usual bom humor. Tenho certeza que meu gesto a surpreendeu, pois isso não é do meu feitio. Meu jeito é meio frio, filha. Não costumo dar demonstrações de carinho. Certamente muitas pessoas estranham esse aspecto da minha personalidade, mas é o que sou. Não quer dizer que eu não sinta amor. Ah, e se quer saber, sua tia-avó adorou a mensagem.

Ao escutar "Fonte", da Maria Bethânia, pensei no seu pai. Geralmente não uso de termos muito clichês para descrever o que sinto por ele, mas desta vez acho que me identifiquei.



"Não há nada mais bonito

Que o nosso amor
Ele é sonho, é som, é sol, é cor, é vida

Quando a tristeza quer chegar

Penso na chama de nós dois
E me aqueço no calor
Que vem da luz do teu olhar
Pensando bem
Que força tem
O amor de quem sabe se dar
E transforma tudo
Em fonte de beleza"


"Ainda bem", do CD da Marisa, também me fez refletir sobre o nosso relacionamento. Acho que a chuva está fazendo de mim uma romântica, filha!


"Ainda bem que agora encontrei você
Eu realmente não sei o que eu fiz pra merecer você

(...)
Quem diria que a meu lado você iria ficar?
Você veio pra ficar,
Você, que me faz feliz..."



Enquanto eu me delicio com essas canções, seus avós estão descansando, e sua tia está criando coragem para estudar para uma prova. Eu estou aqui, escrevendo para você. Mal terminei meus estudos. Mais tarde, vou sair com seu pai e um casal de amigos (eles estavam presentes no almoço de hoje) para procurar algum lugar onde façam um capuccino saboroso. Será que vamos achar? Nossa querida cidade não costuma ter coisas desse tipo... Mas o que importa é a companhia. Aliás, o que importa é a intenção: seu pai me convidou porque sabia que eu iria gostar disso, em um dia como hoje. 

Ele não é um amor? Tão atencioso e carinhoso comigo. Se você tiver um irmãozinho, farei questão de que ele aprenda com seu pai a ser um grande homem. Seu irmão vai ser um homem de verdade, ainda que se sinta atraído por homens também. O que faz de alguém um grande homem não é sua opção sexual, mas o seu caráter. Você também será uma grande mulher, independente de quais sejam as suas preferências afetivas.

Hoje é um dia comum, filha. Mais um domingo. Estou na minha casa, no meu lar, com a minha família, que tanto amo. Tenho muitas coisas a fazer, mas também terei tempo para me divertir um pouco. 

Eu sou feliz assim, filha. Não há nada de muito extraordinário em minha vida, mas na singeleza da minha rotina, eu posso me considerar uma pessoa completamente realizada. Nada me falta, e as perspectivas para o meu futuro são as melhores possíveis. Sei que serei mãe de uma menina maravilhosa e construirei um lar de muito amor. Sei disso porque hoje gozo de todas as condições propícias para isso: tenho uma família amorosa e incrível, um parceiro muito melhor do que eu jamais imaginei que teria, minha saúde é ótima, estudo algo que gosto, e guardo comigo a certeza de que Deus é perfeito e justo, e em razão disso, tudo na vida sempre acontece exatamente da maneira que deve acontecer. Eu tenho tudo, filha! Pensando bem, acho que minha vida não é tão comum assim. Ter todas estas coisas não é realmente algo extraordinário?

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