sexta-feira, 18 de março de 2011

Análise da sexualidade feminina em Glee: Parte I – Emma Pilsbury

ATENÇÃO: SE VOCÊ NÃO ESTÁ EM DIA COM OS EPISÓDIOS DA SEGUNDA TEMPORADA DE GLEE, PODE TER ALGUMAS SURPRESAS ESTRAGADAS AO LER ESTE TEXTO.

Sempre comento sobre Glee aqui no blog, e muito embora a série seja entretenimento puro, também trata de assuntos mais sérios. Aliás, devo comentar que tenho adorado a forma sensível com que têm sido mostrado o tema da homossexualidade, com foco especial para o período da adolescência. Constantemente Glee aborda outros temas interessantes e que dizem respeito a esta fase tão complicada da vida, como o bullying, o primeiro amor, o consumo de álcool, a virgindade, a promiscuidade, as amizades, entre outros. Todavia, há algumas coisas que apenas ficam subentendidas. Nesta seara, tenho feito observações a respeito de aspectos da personalidade de algumas personagens – femininas, para ser específica – e gostaria de falar sobre isso aqui no blog.

Para dar início a essa jornada de “diagnósticos” (e aqui devo advertir os leitores de que as análises que farei são totalmente descompromissadas e desprovidas de conhecimento técnico sobre o assunto!), falemos da meiga e problemática Emma.

Emma Pillsbury é um dos personagens mais complexos de Glee e que, se bem explorada, poderia render momentos excelentes na série. A atuação dedicada de Jayma Mays contribui para fazer de Emma uma mulher cheia de mistérios, que vão muito além de seus transtornos e pudores. Talvez pelo fato de Glee focar-se mais nos adolescentes, Emma aparece pouco, em especial nesta segunda temporada.

Os TOCs de Emma

A primeira temporada de Glee serviu para delinear o perfil de Emma: uma mulher doce e tímida, cheia de TOCs (transtornos obsessivos compulsivos), obcecada por limpeza, paranoica com sujeiras, germes, coisas muito misturadas e desalinhadas. Como se não bastasse, é extremamente pudica e, muito embora seja psicóloga e orientadora do colégio, lidando diariamente com problemas de jovens confusos, não sabe lidar com a própria vida sentimental, e chegou à casa dos 30 anos sem nunca ter tido uma relação sexual. Paradoxalmente, Emma sente-se atraída pelo solto e descontraído Will, e costuma derreter-se quando ele faz suas performances mais ousadas.

Emma se solta ao cantar "Touch-a touch me"
Na segunda temporada, vemos menos de Emma, mas o pouco que nos é mostrado já dá várias pistas sobre sua personalidade. No quinto episódio, Emma revela-se fã do “Rocky Horror Show”, e ao topar ensaiar a canção “Touch-a touch me” com Will, acaba tomando todos os vocais, quando na verdade ambos deveriam revezá-los. A letra da canção fala exatamente sobre descobrir-se atraída por algo que nunca havia experimentado. Durante a performance, Emma se solta, mostra-se mais ousada e até tira a roupa de Will. É como se toda a libido reprimida ao longo de anos e anos se revelasse toda naquele momento.

A Emma de “Touch-a touch me” é o exato oposto da Emma de todos os dias, a Emma que é sempre tão recatada, que arregala os olhos para qualquer ato de depravação, mas que ao mesmo tempo, idolatra pessoas que têm a ousadia de fazer tudo que ela quer e não tem coragem, como se visse nestas pessoas um espelho do que ela esconde no íntimo de seu ser.

Pois bem, agora vem a parte que considero mais interessante: no décimo quinto episódio da segunda temporada, descobrimos que Emma ainda é virgem, mesmo após quatro meses de casamento com o dentista Carl.

Carl é um homem carinhoso, compreensivo e paciente, exatamente como o perfil dos homens que mulheres como Emma tendem a escolher para casarem-se, ainda que não os amem verdadeiramente; o motivo da escolha é, por conseguinte, o medo da rejeição. Ao casar-se com um homem mais arrojado, com personalidade mais forte, mulheres problemáticas, introvertidas e sexualmente desajustadas como Emma correm o risco de fazê-los infelizes, ou “passarem vergonha” na hora do sexo; em suma, elas têm medo de que eles não se contentem com que elas podem dar e troquem-nas por outra mulher mais liberada sexualmente, mais fogosa, mais geniosa, mais independente. Mulheres assim têm medo de sentir que “são pouca areia para o caminhão” do homem. Acabam, portanto, escolhendo homens mais tranquilos, e até mesmo passivos. O que não significa, entretanto, que elas não possam amar este tipo de homem também, tampouco que eles não tenham o seu valor ou sejam incapazes de proporcionar felicidade a uma mulher.

Que Emma é mal resolvida em relação à sua própria sexualidade, é evidente. Porém, este conflito pode acarretar consequências drásticas para a vida sexual da mulher e, consequentemente, do casal.

O marido de Emma confessa que já tentou de tudo para conseguir levar adiante o ato sexual com a esposa, mas ela sempre recua, ou reage infantilmente às investidas dele. Ele reclama que sempre que a toca, ela sente cócegas, ou seja, não reage aos estímulos dele como deveria, não se sente inclinada a buscar satisfação sexual com o marido. Embora eu nunca tenha estudado psicologia, para mim é claro como o dia que Emma sofre de alguma disfunção sexual, talvez vaginismo ou inapetência sexual.

No referido episódio, o “problema” de Emma é tratado apenas sob a ótica dos relacionamentos amorosos; Holly e Carl concluem que Emma não consegue se entregar ao marido porque ainda ama Will Schuester. Não creio, contudo, que este possa ser o único motivo, e nem mesmo o principal.

O problema está na própria natureza de Emma, que não consegue aceitar-se como um ser sexual, não reconhece em si mesma os desejos, vontades e direitos de uma mulher sexualmente ativa. E quando eu digo “direitos”, I really mean it, pois muitas mulheres que sofrem com alguma disfunção sexual sentem que “não têm o direito” de sentirem prazer, de terem orgasmo.

Tudo isso envolve também o preconceito com as mulheres sexualmente liberadas, pois o medo de “sentir-se uma prostituta” ou de “seu parceiro achar que está se comportando como uma vadia” pode acabar atrapalhando significativamente o desempenho sexual ou até mesmo o ato sexual como um todo, uma vez que o vaginismo consiste justamente em não “permitir” a penetração, contraindo os músculos da vagina e impedindo a entrada do pênis no orifício.

Emma tem dificuldades de se expor, de se entregar, se permitir-se sentir prazer e satisfação com alguém. Sabe de seus pudores, de suas limitações, e não se julga capaz de proporcionar prazer a um homem, assim como não se julga corajosa o suficiente para permitir que um homem adentre seu corpo – e consequentemente, sua alma, talvez por vergonha. Provavelmente, Emma sente tanta vergonha de si mesma que teme revelar-se por completo para um homem, teme que ele a conheça de verdade. Mesmo com toda a paciência de seu marido, não consegue se entregar a ele, tornar-se plenamente íntima dele.

É cômico (embora trágico, também) que Emma possua tantos conflitos internos, quando também é a responsável por ajudar os adolescentes a resolver os seus próprios. Isso só atesta o quanto é mais fácil lidar com os problemas do outros, a lidar com os nossos. Parece-nos que o problema alheio é apenas uma questão de matemática: basta aplicar a fórmula e dá tudo certo no final. Mas não é bem assim. A vida não é tão simples.

Episódio 15 da 1ª temporada: Emma decide
perder a virgindade com Will
De outra plana, também é possível que Emma se sinta desamparada, e isso a torna mais impotente ainda para resolver suas dificuldades. Emma não tem uma Emma em sua vida, não tem alguém com quem possa contar, desabafar. Como consertar o desajuste de algo que está reprimido, mantendo-o preso dentro de si? É preciso tirar de dentro, falar. E Emma não fala. Provavelmente, ela nunca tentou colocar a situação em pratos limpos, nunca parou para pensar definitivamente no que há com ela e quais são as razões disso. Todas as suas dúvidas e dores estão misturadas dentro de sua cabecinha perturbada, e por isso ela não consegue agir direito. Justamente por esse motivo, suas tentativas de “tornar-se uma mulher mais solta” fracassam (como, por exemplo, quando ela planejou perder a virgindade com Will, no 15° episódio da primeira temporada): porque são forçadas, não são pensadas, internalizadas. Para ser algo, não basta agir como se fosse, é preciso sentir-se assim. A mera atuação não resolve nada, a vontade precisa vir de dentro.

Enfim, creio que este intrigante tema não se esgota em um simples texto de blog feito por uma leiga em psicologia. Tampouco acredito que será abordado com maior profundidade nos próximos episódios de Glee, até por tratar-se de um assunto pesado, complexo e que não atrai tanto. De qualquer forma, acho legal fazer essas análises, até porque fora da tela da TV também existem muitas Emmas sofrendo caladas pelos cantos.  

Um comentário:

Sammy disse...

Amei o texto. Concordo com tudo o que voce escreveu. Apenas acho que o Will é sim um motivo importante para ela não ter transado com o Carl até agora. Enfim. Seu texto ficou ótimo. Estou gostando muito do seu blog, parabens. (: