quarta-feira, 9 de março de 2011

Não desconsideremos as individualidades

Quadro "Operários", de Tarsila de Amaral

O fato de todos sermos seres humanos não quer dizer que somos iguais, talvez nem mesmo parecidos. As particularidades são grandes demais para serem desconsideradas em virtude de semelhanças anatômicas, fisiológicas e outras do tipo. Temos essa mania de reduzir os seres humanos a meros seres humanos, esquecendo de quanto podem ser complexos, diferentes, infinitos.

As mães – e os pais e avós também – costumam “oferecer a companhia” de seus filhos a outras crianças. Basta saber que um amigo tem um filho da mesma idade e já dizem: “Ah, eles vão poder brincar juntos”. E assim acontece: ao frequentarem a casa dos amigos, o casal leva o filho, tranquilo por saber que haverá outra criança lá para brincar com ele. Chegam lá e “despejam” o filho na área juntamente às outras crianças, deixando-o “livre” para tentar achar alguma semelhanças com elas. “Vai, filho, brinca!”, eles dizem; como se interagir com desconhecidos fosse uma coisa automática, natural.

Muitas vezes a criança nem gosta de brincar, ou não gosta de brincar das mesmas coisas que as outras. Mas alguém se importa? Aos olhos dos adultos, uma criança é só uma criança, como as outras, e elas são todas iguais. “Se colocadas em um recinto juntas, vão brincar, vão jogar algum joguinho típico de criança, porque é isso que crianças fazem”. Certo?

Como se depreende desta simples hipótese, desde a infância a individualidade é sufocada, ou melhor, é menosprezada. Ninguém quer se dar ao trabalho de pensar que as pessoas são diferentes e podem não se identificar umas com as outras. É mais cômodo achar que são todas iguais. Que todas as mulheres são iguais, que todos os homens são iguais, que todos os estudantes são iguais, que todos os gays são iguais, que todos os cristãos são iguais, que todos os criminosos são iguais, que todos os famosos são iguais, que todos os negros são iguais... Só para citar alguns exemplos. É mais fácil jogar todos em uma jaula e deixar que se virem sozinhos, com a confiança de que sua semelhança (mesmo que às vezes a única semelhança seja o fato de que são pessoas!) garantirá a boa convivência.  

Ao escrever os exemplos do parágrafo acima, pensei nas prisões, nas pessoas condenadas às penas privativas de liberdade. Pensei nos relatos desesperados de pessoas que, embora confessem ter cometido algum crime, imploram para não serem enviadas à cadeia. Para nós, que estamos do lado de fora da situação, é tão fácil escutar este tipo de coisa sem sentir nem uma ponta de compaixão! Afinal, “bandidos são todos iguais”, “são de uma raça só”,  “farinhas do mesmo saco”,  “se entendem em sua própria língua, a língua dos marginais”. Será que é tão simples assim? Todos sabemos da crise penitenciária existente no Brasil. As cadeias são verdadeiros infernos na Terra. Considerar justo que diferentes tipos de pessoas dividam o mesmo espaço é esquecer que eles são humanos no mais amplo sentido da palavra: são pessoas com sentimentos, opiniões, sonhos ou distúrbios como outros quaisquer. É certo que cometeram um crime, ou vários, por maldade, acidente ou falta de opção – mas o simples fato de que todos erraram não os torna iguais, não apaga a individualidade de cada um.

É muito triste ser forçado a conviver em um local ou situação em que você não se sente bem. Em qualquer lugar estamos no nosso planeta; com qualquer pessoa estamos com alguém que é mortal tal qual também o somos; mas isso basta? A vida é muito mais que isso. Cada pessoa é uma universalidade de coisas, de pensamentos, ideias, filosofias de vida, sonhos, planos, manias, costumes, defeitos, cheiros, preferências. Como ignorar isso tudo em razão de um só ponto que todos têm em comum?   

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