segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Cor de rosa X preto no branco

Algumas pessoas aceitam pagar o árduo preço de dizer o que deve ser dito. Mesmo sabendo que serão julgadas como más e insensíveis, têm a coragem de fazer o que ninguém se atreve a fazer.

Duas coisas levaram-me a este assunto, e ambas envolvem Glee (incrível a frequência com que falo de Glee aqui no blog; incrível a diversidade de temas que Glee propõe!).

A primeira delas é uma das personagens mais fortes e bem construídas da série: a treinadora das líderes de torcida do colégio, a durona Sue Sylvester, magnificamente interpretada por Jane Lynch, vencedora do Emmy de Melhor Atriz Coadjuvante de 2010 por seu excelente trabalho.

Sue tem um jeito todo masculino de ser, embora não seja homossexual. É mandona, rígida e nada sensível. Não se deixa comover, está sempre concentrada em fazer o que acha que deve ser feito – e em vários momentos, usa de artifícios nada honestos.

Quem acompanha ininterruptamente o seriado aos poucos pôde ir percebendo quais circunstâncias levaram a Sue a ser o que é hoje: ela cresceu sem a mãe e praticamente criou a irmã com síndrome de down, assistindo-a sofrer preconceito e sendo também vítima deste preconceito. Não obstante, a personalidade de Sue faz com que as pessoas se afastem dela, e isso torna praticamente impossível para ela assumir um relacionamento amoroso com alguém.

A visão de mundo que Sue formou com base em suas próprias experiências não é nada florida. Sue repete que a vida é dura, que as coisas não são fáceis. Sue não dá moleza para ninguém, não elogia, não consola, não perdoa, não ajuda, não passa a mão na cabeça; pelo contrário, está sempre se empenhando em fazer com que as pessoas tenham que “dar mais duro” ainda.



Agora, o segundo fato: neste domingo o elenco de Glee apresentou-se na grande final do reality show britânico X-Factor (vídeo acima). Eles cantaram o hino do seriado, “Don’t stop believing”, sucesso da banda Journey.

No momento da canção em que Amber Riley (que interpreta a personagem Mercedes) dá o seu famoso e tradicional “grito”, ela dirigiu-se ao jurado Simon Cowell para fazê-lo. Olhando bem para ele, cantou: “Don’t stop”, de “Don’stop believing” (“Não pare”, de “Não pare de acreditar”), abrindo o último refrão.

A ironia se deve ao seguinte motivo: Simon Cowell é também o idealizador e um dos jurados do reality show American Idol, similar norte-americano do X-Factor. Amber Riley já havia tentado participar do American Idol mas foi reprovada por Simon, que alegou que sua voz era excelente mas comum, e que negras com aquele timbre já haviam aos montes nos Estados Unidos.

Como que para vingar-se (ou talvez apenas para ser engraçada), Amber aproveitou-se da situação e cantou, diretamente para o homem que a reprovou, uma canção que fala sobre não desistir de seus sonhos.

Simon Cowell é conhecido como “o jurado chato”, que não tem dó dos candidatos e diz tudo o que quer dizer, sem pudores ou recalques. Certamente Amber Riley é talentosíssima e conseguiu superar sua reprovação no American Idol; hoje ela é estrela de uma das séries mais famosas e bem sucedidas do país e do mundo. Mas será que Simon foi realmente mau ao taxá-la de comum, ou simplesmente estava dizendo a verdade? 

Maldades de Sue e descortesias de Simon à parte: quanto ao que resta deles, creio que trata-se de duas pessoas (uma delas fictícia, mas anyway...) injustamente rotuladas como ardilosas e sem coração. Eu concordo que eles não medem palavras e agem com frieza; entretanto, penso também que elas não são assim necessariamente porque gostam de constranger, humilhar e destruir sonhos alheios.

Nos reality shows musicais, os jurados que não têm papas na língua são sempre vistos como os chatos, os cruéis (vide Marco Camargo no Ídolos da Record, e Miranda e Arnaldo Saccomani no Qual é o seu talento, do SBT). Porém, eu penso: a verdade tem que ser dita. Muitas vezes a verdade machuca, mas precisamos conhecê-la. O mundo não é feito de ilusões. Nem tudo é um mar de rosas.

Pessoas como Simon, Sue, Marco Camargo e muitas outras aguentam o fardo de serem vistos com maus olhos enquanto tantas colhem os louros (indevidos!) de sua hipcrisia, por não terem a coragem de falarem a verdade, aquela verdade tão cruel que acaba maculando a imagem de quem se atreve a dizê-la. Pois bem, alguém precisa dizê-la! Caso assim não fosse, quanto tempo ainda viveríamos sob o manto das mentiras contadas por quem tem medo de nos ferir?

Sue, com seu jeito impiedoso, tenta fazer com que suas alunas sejam fortes e aprendam a lutar sozinhas por si mesmas. Simon, com seu jeito desbocado, tenta mostrar aos candidatos que embora talento e sonhos sejam coisas muito lindas, elas não são garantia precisa de sucesso. A vida é muito mais que isso: é preciso lutar, sofrer, ouvir muitos nãos antes de chegarmos onde queremos.

Muitas vezes, tudo o que precisamos é de um choque de realidade. A vida não é fácil mesmo, e alguém tem que nos contar isso. Mesmo que ninguém conte, um dia descobriremos e aí pode ser pior, porque descobriremos na prática, precisaremos “quebrar a cara” para entender. Mas... é como dizem: preferimos ser iludidos com uma mentira a sermos magoados com a verdade!

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