sábado, 4 de dezembro de 2010

Sou eu que amo o passado e que não vejo que o novo sempre vem?


“Você pode até dizer que eu tô por fora, ou então que eu tô inventando
Mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem...”
(“Como nosso pais”, Belchior)

Desde pequena, sempre amei premiações relativas ao mundo música, entretenimento e afins: Grammy, Emmy, VMA, VMB, Oscar... Há algum tempo eu deixei de assisti-los mas sempre acompanho os resultados, e torço pelos meus preferidos.

Esta semana foi divulgada a lista com todas as indicações ao Grammy Awards 2011, prêmio máximo da música norte-americana

Vejamos os indicados na categoria mais festejada, “Gravação do ano”:

B.o.B. e Bruno Mars – Nothin’ on you
Eminem e Rihanna – Love the way you lie
Cee-Lo Green – Fuck you
Jay-Z e Alicia Keys – Empire state of mind
Lady Antebellum – Need you now


Para começar a falar sobre o assunto, colarei aqui um  trecho muito interessante que li na biografia de Madonna feita por Taraborelli: 

“Madonna disse com frequência que em sua opinião – aliás, compartilhada por inúmeros historiadores da cultura – uma das razões pelas quais a música pop é tão poderosa na sociedade contemporânea é porque muitas vezes serve como um espelho de nossa cultura. Se alguém quer descobrir a quantas andas o mundo, um exame atento da Top 40 da Billboard pode ser uma boa maneira de começar. Embora os jornais forneçam notícias diariamente, a pop music, pelo menos em alguns níveis, pode compor um quadro mais amplo da sociedade. Por exemplo, pode-se não encontrar nenhuma canção sobre paz, amor ou mudanças sociais entre as Top 40; nesse caso, essa ausência é eloquente. Pode significar que a sociedade está com os olhos voltados para outro lado nesse momento, que prefere comercializar suas desditas em troca de cançonetas pop bonitinhas sobre os bons tempos e o romance. Apatia e esperança, otimismo e alegria – seja lá como estiver a cultura pop naquele momento, é assim, normalmente, que estará a música.”
 (TARABORRELLI, Randy. Madonna: uma biografia íntima. São Paulo: Globo, 2003. P. 278 e 279)

Pois bem, por esta categoria do Grammy já podemos ter uma boa ideia de como anda o mundo da música, e até mesmo como anda o próprio mundo.

Com exceção de Lady Antebellum e Cee-Lo Green, todas as canções indicadas são parcerias de rappers com cantores pop. Não se trata de uma novidade: há muitos anos os rappers têm se aproveitado (no bom sentido) da visibilidade e popularidade dos cantores de música pop para obterem acesso direto às rádios de grande difusão, e assim, quem sabe, conquistarem um espaço além daquele restrito ao mercado de black music, haja visto que nos EUA há uma clara divisão entre cultura produzida POR e PARA brancos e cultura produzida POR e PARA negros. Deu tão certo que esta barreira está aos poucos sendo derrubada: hoje, pode-se dizer que o hip hop é o ritmo mais rentável e popular nos EUA, e não apenas entre negros, mas entre todos.

De fato, as três parcerias indicadas ao Grammy são boas.

“Love the way you lie” marca a volta do rapper (branco!) Eminem às paradas da Billboard; ele lançou um álbum em 2009 mas não fez tanto estrondo quanto o atual. A canção é ótima e certamente o que a rendeu tanto sucesso é o refrão melódico e grudento cantado pela inconfundível voz da caribenha Rihanna – que ultimamente tem sido disputadíssima, devido ao fato de que seu nome constando no nome da música é garantia de êxito. Todavia, não se pode tirar o mérito de Eminem na música: a letra fala de um relacionamento possessivo, onde duas pessoas se amam mas constantemente se agridem. Não sei quanto aos outros, mas para mim foi uma surpresa ver esse lado mais sensível de Eminem, que geralmente utiliza seus raps para destilar ódio contra celebridades ou apedrejar as pessoas que o decepcionaram ao longo de sua vida (principalmente sua mãe e sua ex-esposa). Ouvi-lo cantar sobre amor e relacionamentos, por mais que também haja ódio e revolta na canção, foi chocante. 



“Empire state of mind” foi uma sacada de gênio: o badaladíssimo rapper e produtor musical Jay-Z (como se isso não bastasse, ele ainda é marido da cantora Beyoncé, uma das maiores estrelas dos últimos tempos) junta-se à linda e talentosa Alicia Keys (queridinha dos acadêmicos do Grammy) para fazerem uma ode à cidade de Nova York. “Sou o novo Sinatra”, ele canta, provavelmente fazendo menção a “New York, New York”, clássico que também homenageia a metrópole. A parceria é excelente, a ideia é boa, e melodicamente falando tudo soou ainda melhor. A música ficou incrível e foi uma das mais executadas no ano de 2010. Já é considerada popularmente “o novo hino de Nova York”.

“Nothin’ on you” também é uma parceria legal do rapper B.o.B. que tem feito muito sucesso ultimamente, e do cantor Bruno Mars, que não obstante seja também proveniente do berço do hip hop, opta por canções mais grudentas e românticas, aproveitando-se de sua boa aparência e voz bonita – esse estilo também faz muito sucesso. Levando em consideração apenas esta canção, talvez pareça que a indicação não foi merecida; entretanto eu acredito que a indicação foi uma maneira de prestigiar o trabalho de B.o.B. como um todo... Já procurei saber sobre a música que ele faz e pude perceber que é um R&B bem legal, com raps legais e boas parcerias, como esta. Seu álbum "The adventures of Bobby Ray" é muito bom, tem umas canções estilosas como "Don't let me fall".

“Need you now” é uma balada country do grupo Lady Antebellum, também bastante bem executada nas rádios norte-americanas – e este fato é chocante se levarmos em consideração que o tradicionalíssimo mercado de música country nos EUA é bastante fechado, contando com rádios e emissoras de TV próprias, quase nunca misturando-se com os outros gêneros musicais. A country music possui categorias próprias no Grammy; logo, uma canção country ser indicada em uma categoria aberta é, no mínimo, surpreendente.



Por fim, temos “Fuck you”, do cantor Cee-Lo Green, (ex?) integrante do grupo Gnarls Barkley. A canção é excelente, uma primazia, mas pode-se dizer que só começou a tocar com mais frequência nas rádios depois que fez parte da série Glee, contando inclusive com uma versão cantada por Gwyneth Paltrow (devo dizer: a versão ficou muito boa; porém sou suspeita para opinar, porque amo Glee). Com sua voz impressionante, Cee-Lo escreveu uma canção franca e irreverente (a começar pelo nome!) sobre dor de cotovelo, com uma batida bastante sessentista, que remete aos primórdios da black music, lá da época da lendária gravadora Motown. Talvez seja isso que deixe a canção tão atraente! Eu adoro tudo que remete à essa época.


Agora sim volto ao assunto do título do texto. Uma das primeiras impressões que tive ao ver a lista recheada de Katies Perries e Justins Biebers foi: É nisso que o mercado musical se transformou? O Grammy chegou a esse nível, de prestigiar modinhas? 



Okay, foi cruel da minha parte. Eu sei – e inclusive sou uma grande defensora desta tese! – que há hoje muitos artistas bons e que ser modinha não é sinônimo de má qualidade. Contudo, alguns artistas não tinham que estar ali, sendo indicados ao Grammy. Tudo bem uma canção ser boa, fazer sucesso, tocar muito; mas afinal, o Grammy trata de qualidade, não de popularidade.

Tudo isto me levou a pensar: será que foi falta de opção? Será que não há nenhuma canção melhor para ser indicada? Será que alguns artistas foram indicados simplesmente porque não há outros mais qualificados?

E neste momento me lembrei do trecho da música de Belchior que coloquei no início do texto. “O novo sempre vem”, e o novo é isto. É o pop e hip hop que ouvimos nas rádios e veremos no Grammy. Não melhor, nem pior, apenas novo.   

Certamente, nos anos 50, quando surgiu Elvis Presley, muita gente deve ter ficado chocada com sua ousadia e quebra de paradigmas. Certamente muita gente deve ter achado que sua música era lixo e que ele logo seria esquecido. E, vejamos: hoje ele é um ícone, e sua música é sinônimo de muito bom gosto.

Lembro-me de assistir ao Grammy de 2004 pelo SBT, comentado por João Marcelo Bôscoli (adoro esse cara). Naquele ano houveram shows de Prince com Beyoncé (épico, adorei!), Sting com Sean Paul, Justin Timberlke com Arturo Sandoval, entre outros. Lembro-me de João Marcelo dizendo que a proposta do Grammy daquele ano era misturar artistas passados com novos, a fim de deixarem claro que os artistas de hoje não devem nada aos de outrora – no que ele acrescentou que “este é um assunto muito discutível”. Eu concordo plenamente, e penso também que essa discussão dificilmente poderá estar imune a posicionamentos parciais e tendenciosos.

Falando de uma maneira generalizada, creio que cada geração tem seus ídolos, e a música feita em cada época representa o estilo de ser das pessoas. Os jovens de hoje acham um saco as músicas das décadas de 60 e 70, que seus pais e avós ouviam – mas imagino como será engraçado, no futuro, eles tentanto explicar a seus netinhos o sucesso de Lady GaGa, Chris Brown, Rihanna e afins... Os netinhos vão reagir da mesma forma: vão rir e dizer que “este tipo de música é horrível, bom mesmo é que se produz hoje”.


Em um primeiro momento, decidi que torceria para “Fuck you” ganhar o Grammy, porque esta sim é uma canção diferente, que incorpora velhos elementos e traz de volta a música dos bons e velhos tempos. Só depois percebi o quanto estava enganada, não em relação à canção, mas em relação aos meus motivos. Uma música não é melhor que a outra só porque invoca o passado. Uma música não é pior que a outra só porque está condizente com as tendências do momento. Porém, só mesmo quando sair o resultado saberemos se a academia do Grammy está de acordo.  

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