domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sobre amar e ser amada: a influência dos meios de comunicação

Aos que tenham reparado no título do texto, eu realmente pus o particípio do verbo amar no gênero feminino, porque pretendo analisar o tema sob a ótica feminina. Afinal, eu sou mulher, e nesta condição, sei como algumas coisas são difíceis para nós. O mundo foi “dominado” pelos homens por milhares de anos, e por mais que nós já tenhamos revolucionado este cenário, ainda há muitos conceitos a serem derrubados, ou pelo menos modificados. Não se apagam séculos de opressão com apenas algumas décadas.

As histórias contadas pelos livros, filmes e programas de TV, muito embora cumpram com sua tarefa de entreter, emocionar e até mesmo passar boas mensagens, também mexem um pouco com os sentimentos e a formação da identidade feminina e acabam passando uma imagem errônea de como as coisas funcionam. Aliás, seria mesmo errônea? Talvez seja apenas lamentável, haja visto que fora da tela e das páginas, muita gente ainda pensa como nestas histórias.

Estou me referindo ao velho padrão segundo o qual a mulher deve ser bela e encantadora, enquanto o homem pode ser como for. Certamente, a menina que não nasce tão abençoada com traços perfeitos, cabelos sedosos e corpo gracioso sofre muito com esta ditadura. Fica difícil acreditar que é possível ser amada mesmo não sendo parecida com uma atriz de cinema ou perfeita como as mocinhas dos livros de romance.

Desde a antiguidade, as lendas e histórias de amor têm como destinatária de todo o amor do herói uma donzela bela, delicada, charmosa e doce. Vejamos um trecho do famoso "Marília de Dirceu", de Tomás Antônio Gonzaga:


"A minha amada 

é mais formosa 

que branco lírio, 

dobrada rosa, 

que o cinamomo, 

quando matiza 

co’a folha a flor: 

Vênus não chega 

ao meu amor."

Nos filmes, novelas e séries, não é diferente: a cena em que o homem se apaixona é o momento em que a moça passa em câmera lenta, linda, com os cabelos balançando ao vento, enfim, esbanjando charme e perfeição. Em todos os momentos em que o homem se flagra com pensamentos românticos, a moça está lá, belíssima, com um sorriso que faz o mundo parar. Nunca vi um personagem masculino que cai de amores por uma garota que não seja incrível. Alguém já viu uma cena de novela das nove com uma mulher mais gordinha, de cabelos crespos e rosto imperfeito caminhando pela orla, e de repente o galã a vê e seu coração acelera? Eu nunca vi.

Para deixar tudo ainda mais bagunçado, aquele que é tido como “o poeta do amor” ainda possui a proeza de soltar a pérola: “As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”.

A lindíssima Helô Pinheiro, no auge de sua juventude,
musa inspiradora de Vinicius de Moraes.
Interessante notar que essa exigência de beleza e perfeição só diz respeito às mulheres. Vinicius de Moraes, por exemplo, não era bonito. Mas claro que isso nunca o impediu de se achar merecedor das garotas mais lindas do Rio de Janeiro. Okay, ele era talentoso, poeta, etc e tal... Mas então por que as grandes poetas, intelectuais e demais mulheres inteligentíssimas porém feias não conseguem o mesmo feitio?

Homens feios, gordos, sem charme, sem carisma ou até monstruosos nunca constituem problema. A mulher é que não pode ser feia. É o que vemos em clássicos como “A bela e a fera” (a jovem linda e o monstro), “O corcunda de Notre Dame” (o corcunda velho e esquisito, e a cigana exótica e bela) e “King Kong” (o gorila horripilante e a donzela loira).  Tudo isso é visto como muito normal, mas quando ocorre o contrário – mulher feia e homem bonito –, assume tom de piada, de deboche, como na novela e série “Betty, a feia” (ou “Ugly Betty”, e ainda “Bela, a feia”), e no filme “O amor é cego”.


Quando o casal é composto por um homem feio e uma mulher bonita, todos acham normal, e até se emocionam...

... Mas quando ocorre o contrário, a história precisa ser contada em tom de comédia, de gozação, porque isto é considerado "anormal".

Das histórias que escutamos e vemos desde sempre, a conclusão a que se pode chegar é que a mulher tem a obrigação de ser linda, ou nunca será amada. E o seu par pode até mesmo ser horroroso ou estúpido, que importa? Ele pode. E ela tem que aceitar, porque sua função é apenas ser linda e servir de musa inspiradora. Não tem direito de reclamar ou querer algo melhor, apenas deve ficar ali, perfeita, como um efeite.

Como fica a autoestima de uma garota que não possui uma beleza convencional e cresce recebendo mensagens como estas? Provavelmente se tornará uma mulher retraída, que não consegue se amar e se aceitar, e que acha que não merece ser amada por homem nenhum porque não corresponde ao que eles esperam de uma mulher.

Estou ciente de que os veículos de comunicação não os únicos responsáveis por isso. Não os culpo por completo. Se as novelas, filmes e livros reproduzem estas coisas, é porque certamente elas também ocorrem “no mundo real”. Entretanto, é inegável que a mídia não retrata as mudanças na sociedade na mesma proporção em que elas têm crescido.

Todo mundo conhece algum caso, em seu círculo de amigos ou de conviventes, de mulher gordinha e bem resolvida que namora rapazes bonitos, ou de outras pessoas não muito bonitas que ainda assim levam uma vida social normal e são felizes no amor. Por que não vemos isso nas novelas? E se vemos, por que em uma proporção tão pequena? Talvez porque a TV precise de beleza; aparecer na TV requer perfeição, porque como ela se vale principalmente do recurso visual, precisa mostrar coisas bonitas a fim de cativar os telespectadores.

Será, todavia, que as pessoas não se identificariam mais se os seus programas prediletos mostrassem situações mais verossímeis? Os ambientes e fatos mostrados nas séries, novelas e filmes não são muito críveis: é simplesmente irreal imaginar um lugar onde todos são lindos, todas as mulheres são magras e andam maquiadas 24 horas por dia. Visualmente é lindo, e é claro que impressiona, dá ibope... Mas enquanto isso continuar, seguiremos alienando a mente de meninas e moças que nunca vão conseguir se sentir adequadas.  

Um comentário:

Anônimo disse...

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