terça-feira, 26 de julho de 2011

Eles sempre voltam... - Amor e infidelidade conjugal em quatro filmes da clássica Hollywood

Nesta madrugada, fiquei acordada até altas horas para conferir o filme "Desencanto", drama de 1945, exibido no canal TCM (quantas alegrias este canal tem me proporcionado nestas férias!). A princípio relutei, lutei contra o sono, mas persisti e valeu muito a pena. Que filme tão lindo!

"Desencanto" é um drama muitíssimo bem feito que conta a história de um amor entre duas pessoas casadas. Tudo é perfeito: a fotografia, o preto e branco (há certas histórias que jamais soariam tão dramáticas e comoventes se não fossem contadas em filmes coloridos... O preto e branco dá um charme e um mistério especial), os diálogos, a trilha sonora, e em especial, a atuação sensível e bem construída de Celia Johnson, no papel de Laura, uma dona de casa que se apaixona por um médico e fica dividida entre o sentimento de paixão e o de culpa.

Esta dualidade é muito bem retratada ao longo de todo o filme: o novo amor faz Laura sentir-se viva, feliz, mas ao mesmo tempo, angustia-lhe saber que está traindo seu marido.

O marido, aliás, é um dos pontos fortes do filme - não por suas aparições e atitudes, que são pouquíssimas, mas justamente pelo que ele representa para a história, principalmente para o desfecho da história.

É interessante que o romance tenha sido mostrado do ponto de vista da mulher. Já vi outros filmes que tratam do tema da infidelidade, em uma perspectiva muito romântica, mas sempre dão mais enfoque ao lado masculino.


Em "Amante discreto" (de 1932) e "A noite nupcial" (de 1935), ambos de King Vidor (não creio que seja coincidência, pois as histórias são as mesmas, com pouquíssimas alterações), os personagens principais são homens bem casados, satisfeitos com suas dóceis e dedicadas esposas, embora não vivam exatamente uma explosão de alegria no lar. Ainda assim, aventuram-se em casos extraconjugais, com mocinhas jovens e belas, e até certo ponto, tolinhas também. Nenhum dos dois romances termina bem, e quem está lá para consolar os maridos são, justamente, suas esposas.

Em "Chamas que não se apagam" (de 1956), de Douglas Sirk, estrelado pela fantástica Barbara Stanwyck, a história é um pouco diferente: o personagem masculino principal está se sentindo carente porque, em sua casa, as pessoas não são mais tão unidas como antes, e cada um está muito ocupado com sua vida particular. Nisto, ele reencontra uma amiga do passado, e no auge de sua carência, crê estar apaixonado por ela. Todavia, no fim de tudo, até ela mesma reconhece que ele só pode encontrar a real felicidade e o verdadeiro amor dentro de sua própria casa. Ah, que filme! Interessantíssimo ver a forma como toda a família fica mexida com essa escapada do pai, e como isso, curiosamente, faz com que eles fiquem mais unidos.

Por fim, em "Desencanto", vemos a traição do ponto de vista da mulher. Laura não era exatamente infeliz: tinha um bom marido, bons filhos, um lar estruturado, uma vida normal e tranquila. Mas o encontro com Alec mexe com ela, e aos poucos, eles vão se apaixonando e se deixando levar por um sentimento demasiado forte, forte o suficiente para complicar a vida dos dois, pois ambos são casados.

Porém, embora os romances fora do casamento mostrados nestes filmes sejam todos muito bem desenvolvidos e até mesmo consigam enternecer o telespectador, a parte que considero mais bonita é que todos chegam ao fim, e a parte casada da relação sempre se volta para o parceiro. É nele que encontra o aconchego, o consolo. 

Muito interessante notar como estes personagens - assim como centenas de homens e mulheres, na vida real! - usam seus romances extraconjugais como válvulas de escape, como uma maneira de sair da rotina e esquecer a mesmice do lar, mas depois de tudo, é no próprio lar que eles encontram a paz que tanto necessitam!

O papel das esposas em "Amante discreto", "A noite nupcial" e "Chamas que não se apagam", é muito bonito e importante. Mesmo sabendo ou desconfiando da traição, elas oferecem  abrigo aos maridos, recebem-nos com todo o carinho e inclusive mostram a eles que seus lugares são ali, em casa, com elas. Se não me engano, no final de "A noite nupcial", a esposa, ao consolar o marido pela morte da amante, inclusive diz algo como "Agora, o que você tem que fazer é ficar aqui, comigo. Como você sempre ficou. Eu sempre estive aqui por você". 

Em "Desencanto", este papel de compreensão e amor incondicional cabe ao marido - e esta perspectiva tornou a história ainda mais emotiva, pois a esposa, mulher que era, recriminava a si mesma todos os dias por estar traindo aquele homem tão bom. 

Isto me fez lembrar do livro "O primo Basílio", de Eça de Queiroz, no qual Luísa também sucumbe à paixão que sente por um rapaz galanteador (e cafajeste!), mas quando a paixão dá errado, tudo que ela lembra é do marido, Jorge, o amável marido, e é nele que ela espera encontrar seu porto seguro, pois é isto que ele sempre representou:



"E parecia-lhe ver Jorge aparecer no quarto, lívido, com as cartas na mão!...

Veio-lhe um terror alucinado: não queria perder o seu marido, o seu Jorge, o seu amor, a sua casa, o seu homem!" 
(fragmento literal da obra "O primo Basílio")

Isso acontece demais, no dia a dia. 


O ser humano nunca está satisfeito. Mesmo tendo uma vida boa, organizada, com lar, família, saúde e conforto, sempre está em busca de mais. Aquilo que deveria parecer uma fortaleza, inspira-lhe tédio. Então, ele busca algo mais emocionante, quer chacoalhar as coisas, dar mais emoção à sua vida. É nesta hora que trai. Frivolamente, machuca a pessoa que ama de verdade e põe em risco a real felicidade, tudo em nome de uma aventura, uma frágil e boba aventura, que após terminada, passados os anos, nada mais representará que uma historieta sem importância, um capítulo inútil na vida da pessoa.


Quanta imaturidade arriscar coisas sólidas e verdadeiras por causa de uma simples promessa de felicidade! Quão estúpido é aquele que prioriza algo efêmero e superficial, em detrimento de algo que levou a vida inteira para conquistar e consolidar!


Há quem creia que uma pessoa nunca trai se seu relacionamento real está indo bem. Eu discordo. Mesmo a maior das felicidades pode não ser suficiente para satisfazer um ser humano. É como eu disse no meu texto sobre "O grande Gatsby", no qual citei o famoso soneto de Vicente de Carvalho, em que ele diz que a felicidade que tanto almejamos existe, mas nunca conseguimos encontrá-la, porque ela reside no lugar em que nós a colocamos, e nós nunca a colocamos no exato lugar em que estamos!



Voltando a "Desencanto"... Apesar de  não saber que foi traído, o marido percebe que a esposa passou por dificuldades e esteve distante dele. Quando enfim, ela volta a si, ele diz: "Você esteve longe por muito tempo. Obrigado por voltar para mim.

Esta cena é fantástica! Os atores são estupendos; eu consegui perfeitamente sentir a dor de Laura, o carinho de seu marido, e a força daquele abraço. "Obrigado por voltar para mim". Isso me marcou. Como é bom ter uma pessoa que signifique isso em nossa vida, ainda que não seja em situações como esta (de preferência, que não sejam mesmo!).

Ter para onde voltar, depois de se perder. Um verdadeiro porto seguro. Um raio de sol ao final da noite escura. Um arco-íris depois da tempestade. Que dádiva.

Que filme tão emocionante... Aliás, todos estes que eu citei são.

Em que pese a minha censura e desaprovação por romances fora do casamento, os retratados nestes filmes realmente me comoveram - mas, e nisto sou sincera, o fato de os traidores sempre voltarem para os traídos me comove mais ainda. A postura dos traídos, acho, emociona-me ainda mais, se é que isto é possível! 

Eu não sei se conseguiria ter a mesma postura. Não sei se saberia agir com tanta maturidade e sabedoria. 

Não se trata de submissão, falta de orgulho, falta de amor próprio, ou de falta de caráter por não ter coragem de abandonar um casamento após ter sido traído. Trata-se de maturidade e superioridade moral. Trata-se de ser maduro o suficiente para entender que uma aventura de poucos dias não tem o condão de destruir algo que levou uma vida para ser construído, e de ser tão moralmente evoluído a ponto de aceitar seguir em frente com a pessoa amada, a partir do ponto em que pararam, relevando o seu deslize.

Eles entenderam as fraquezas de seus cônjuges. Compreenderam que tudo não passou de um momento de fraqueza, de uma falha, e tiveram a certeza de que tais falhas não seriam capazes de abalar o verdadeiro amor da vida deles - esse amor sólido, maduro e sublime, capaz de proporcionar a verdadeira felicidade, a qual eles só podiam encontrar no conforto de seus lares.

2 comentários:

disse...

Ana, recentemente vi Desencanto também e fui felizmente surpreendida. De fato é raro ver a traição do ponto de vista da mulher, pois ela mesma costuma se martirizar, ao contrário do homem. Estamos acostumadas à traição para viver uma aventura inconsequente, não porque um amor platônico surgiu e fez a esposa questionar sua felicidade. Ainda mais surpreendente é o elenco quase desconhecido deste grande filme inglês, dirigido pelo responsável por outros grandes filmes, David Lean.
Beijos, Lê.

ANTONIO NAHUD disse...

Que post ótimo, Ana. Gostei. São filmes excelentes. Faltou PERDIÇÃO POR AMOR, onde Laurence Olivier troca a esposa Miriam Hopkins por Jennifer Jones.

O Falcão Maltês