sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Kelly Key

Algumas pessoas riem de mim quando digo que gosto da Kelly Key. Eu mesma confesso que demorei um tempo até criar coragem de fazer parte da comunidade dela no Orkut... Kelly Key é aquilo que em inglês chamamos de guilty pleasure, ou seja, prazer com culpa, aquilo que a gente gosta mas se sente meio bobo por gostar. 

Eu nunca disse que ela é a artista mais fabulosa que já surgiu ou que canta absurdamente bem, mas gosto dela. Gosto do que ela representa, gosto de sua carreira em si. 

Para mim, o maior trunfo de Kelly Key é o fato de ela ser muito honesta a respeito do próprio trabalho. Seu potencial vocal é bastante limitado; ela sabe disso e não fica tentando convencer ninguém do contrário. Tampouco tem a pretensão de mostrar-se uma artista super revolucionária, conceituada ou cult... Ela escolheu sua própria área, segue o seu estilo e se garante naquilo, sem se importar com o que dizem. É verdadeira a respeito do que faz e não fica tentando se autoafirmar. Não fica tentando empurrar para o seu público conceitos soberbos de si mesma. Ela é o que é, e faz o que faz sem se envergonhar.

Outra coisa que gosto nela é a mudança que ela trouxe para a música pop nacional. 

Seu primeiro álbum, de 2001, já chegou fazendo a diferença por trazer um pop com elementos do funk e hip hop, inclusive contando com rappers em algumas faixas. A fusão do pop "chiclete" com a música urbana já estava engatinhando rumo ao monopólio das rádios dos EUA, mas até agora nenhuma cantora pop no Brasil havia investido nisso. 

Sem mencionar as letras... Logo no primeiro hit, "Baba", Kelly Key cantava sobre uma garota dando o troco em um rapaz que a esnobou quando ela era mais nova. Antes de “Baba”, as canções pop teen nacionais seguiam sempre a mesma linha: eram baladas românticas com letras melosas ou no máximo canções agitadinhas, mas sempre falando de amor. Nas letras, o eu-lírico se colocava na posição de herói romântico disposto a sacrificar tudo por amor, colocando o amor acima de tudo na vida.

Vejamos alguns fragmentos de canções de artistas pop do início da década de 2000:


“Dói demais te amar assim / Ter o mundo e não poder te dar / Por que tem que ser assim? / Ver um sonho se perder no mar...” (“Por que tem que ser assim”, KLB)


“O amor não deixa / Não sentir saudades de você / E até mentir que não quero te ver / Fingir que sou feliz / Mas o amor não deixa...” (“O amor não deixa”, Wanessa Camargo)


“Se a lenda desta paixão faz sorrir ou faz chorar / O coração é quem sabe / Se a lua toca no mar, ela pode nos tocar / Pra dizer que o amor não se acabe” (“A lenda”, Sandy e Junior)


E então, eis que Kelly Key lança seu primeiro álbum e...


“Baba, a criança cresceu / Bem feito pra você / Agora eu sou mais eu / Isso é pra você aprender a nunca mais me esnobar” (“Baba”)


“A gente sai escondido / Pra beijar na boca e fazer amor” (“Escondido”)


“Só quero ficar, não quero namorar / Assim não tem graça de se viver / Aonde eu vou, você quer ir atrás” (“Só quero ficar”)


“Você gosta de mandar, você só me faz sofrer / Você só sabe gritar, e grita sem saber / Mas sem mim você não vive / Sem meus cuidados, amor / Fala baixinho comigo, a sua dona chegou / Vem aqui que agora eu tô mandando / Vem, meu cachorrinho, a sua dona tá chamando” (“Cachorrinho”)



Aliás, essa última canção inaugurou também no pop nacional uma nova era para as mulheres. Iniciou-se uma época em que as garotas não precisavam mais mostrarem-se submissas ao amor que sentiam pelos namorados, que podiam (e deviam) pensar mais em si mesmas.

(Só pra deixar bem claro: não tenho nada contra nenhum dos outros artistas citados neste texto! Inclusive gosto das músicas deles)

Kelly Key continuou com sua bandeira feminista em outros álbuns, mas também deixando espaço para canções mais românticas ou mais sensuais.

Durante um tempo, fez canções no estilo “chiclete” e com letras mais brincalhonas, o que lhe rendeu a fama de cantora infantil. Certamente não é minha fase favorita de sua carreira, embora eu adore o álbum “Por que não?”, de 2006. A faixa-título, inclusive, fala sobre sentir-se à vontade para ser quem quiser e não precisar seguir os passos de outra pessoa (“Tentei ser tudo que queriam de mim / Mas percebi que a vida não é bem assim / Eu não tenho vocação pra ser santinha / Vou mostrar que posso me virar sozinha / Por que não andar descalça pela rua a pé? Por que não sair gritando tudo aquilo que eu quiser? Não quero limites pra viver”).



O último álbum de Kelly é um dos meus prediletos (o outro é o álbum de estreia), e traz uma Kelly mais mulher, que pensa mais a respeito das próprias atitudes, como em “Tô fora” (“Podia ser muito melhor do que pensava / Mas você nem quis tentar / Hoje eu vejo que fui pra você só um brinquedo particular (...) Tudo que eu disse foi verdadeiro / Me entreguei de corpo inteiro / Apesar de tantas coisas, sempre pensei em você primeiro”) e “Demais” (“Eu ando frágil demais / Fácil demais / Doida demais / E ainda amo você / Um dia eu disse que não te queria / Me faltou até o ar, eu juro / Acabei perdendo a grande chance de te abraçar e perdoar seus furos”), e as canções são daquele pop jovem gostoso de escutar, em sua essência, contagiante como há muito tempo ninguém fazia no Brasil.

As letras das canções de Kelly são criticadas, mas sinceramente, acho que isso é de uma hipocrisia tamanha. Um sem-número de cantoras e grupos norteamericanos cantam coisas muito mais risíveis e todos nós recebemos como se fossem obras-primas. A grande maioria das letras dos pops e hip hops originários dos EUA e que dominam as paradas musicais do mundo todo, não contêm nada de especial – aliás, algumas beiram o rídiculo ("Fergaliciosa / Quente, quente / Eu arraso com os garotos / Eles querem provar o que eu tenho", ou "Venha, menino rude, você aguenta? Venha, menino rude, você já é grandinho? Tome, tome, tome"), e mesmo assim, todos nós adoramos. E lá na terra natal destes artistas, o público também adora. Mas quando alguém canta algo semelhante em português, os brasileiros rechaçam. Então qual é a questão? Só sabemos valorizar o que vem de fora? Ou são os americanos que não têm vergonha de gostarem de coisas menos cultas?

Um comentário:

Ayrton Baptista Junior disse...

Oi, Ana! Pelos labirintos da internet, caí aqui e 'vou dar o maior gitão!!!!!!'

Há dez anos que ‘ninguém entende quando eu aumento o rádio’ e quero conversar a sério sobre Kelly Key. Se você não ler o meu texto ‘Uma Viagem por BA-BA-BA-BA-BABY, eu ‘não vou te perdoar’.

http://tudotusquinha.blogspot.com.br/2010/05/uma-viagem-por-ba-ba-ba-ba-baby.html

Tem mais na comunidade do orkut (Kelly Key de Almeida Afonso) onde eu falava sozinho...
http://www.orkut.com/Main#Main$Community?cmm=5256186&hl=pt-BR

Na de MPB, em 2005, rolou longo debate.
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=36867&tid=7689469

Ah... ‘Escuta aqui, rapaz’ tem um violão soando castanhola, que acho genial.

Kelly Key é básica na minha formação.

Que prossigamos a conversa.

Ayrton, de Curitiba